sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

O Fazedor de Chuva

Nize Silva e Ednei Giovenazzi
Foto: Fredi Kleemann



Crítica
Estado de São Paulo, por Décio de Almeida Prado – 02/04/1960
O que há de melhor no espetáculo apresentado durante alguns dias no Municipal pelo teatro Experimental do Sesi (e que provavelmente voltará ainda à cena) é uma certa modéstia de propósitos, uma certa proporção entre fins e meios, entre os objetivos e os resultados efetivamente alcançados. Nenhuma qualidade excepcional em nenhum setor mas uma soma altamente meritória de qualidades medianas. A peça de Richard Nash, que mereceu a honra de ser traduzida por Manuel Bandeira, desenvolve a ideia que é muito constante no moderno teatro americano: a realidade não é suportável se não a recebemos com um pouco de fantasia. Não é preciso que o fazedor de chuva faça realmente chover. Pode ser até um visionário, quase um charlatão (mas o visionário e o charlatão não estarão porventura próximos do poeta e do artista?). Para que as suas extravagantes promessas dêem frutos, basta que, em plena seca, negando a realidade, ele garanta que vai chover, levando-nos por um momento a acreditar na existência de um universo benigno e simpático aos homens. Esse é o mais difícil milagre – que a chuva venha a cair não passa afinal de mais uma prova de que Deus só ajuda aqueles que crêem porque é absurdo. Richard Nash não tem a fantasia de um Giraudoux, nem mesmo a imaginação de um William Saroyan. O seu gosto pelo extraordinário contenta-se, se pensarmos bem, com limites modestos, ajustando-se sem dificuldades às dimensões do palco. Mas revela, não há dúvida, uma certa sabedoria: a de não querer ser mais do que é. Lidando com personagens voluntariamente convencionais, fazendo tudo terminar em casamento, dá à comédia uma tonalidade rósea, de romance de mocinha, que, em vez de diminuir, realça a graça e a simplicidade da fábula que escreveu. Por seu lado, a direção de Osmar Rodrigues Cruz assenta-se sobre aqueles princípios que têm sido a salvação de inúmeros espetáculos de amadores: um texto fácil, comunicativo, à altura dos atores, uma boa distribuição de papéis e, quanto ao mais, sobretudo naturalidade. Dentro desse esquema, a representação indiscutivelmente funciona. Os cenários – de autoria de Francisco Giaccheri – estão cuidados, a marcação é exata, as personagens esboçam-se perante o público com suficiente nitidez, interpretados por Nize Pires da Silva, Ednei Giovenazzi o único desempenho em que transparece o esforço do diretor, Jorge Ferreira da Silva, Alexandre de Almeida, Francisco Curcio (talvez com possibilidades de tentar o profissional), Paulo César da Silva e Francisco Giaccheri. O Teatro Experimental do Sesi não cobra entrada. Dirigindo-se de preferência a operários e comerciários, distribui gratuitamente, com antecedência, todos os ingressos, política que, além de abarrotar o teatro, garante aos seus atores a colaboração de um público extremamente espontâneo em suas reações. Teatro popular, em suma, não no sentido heroico e revolucionário que a palavra assumiu nos últimos quarenta anos, mas no sentido tradicional, de espetáculo que se dirige ao grande público, trazendo ao convívio do palco camadas sociais ainda virgens e inexploradas pelo teatro. Dissemos ou deixamos adivinhar – que o espetáculo não contém nenhum elemento surpresa. Esquecemos um, mais do de surpresa, de genuíno espanto: o fato da peça ter sido proibida para menores de dezoito anos. Não pela censura teatral acrescente-se logo, mas pelo Juizado de Menores, que ultimamente vem se constituindo na verdadeira censura em São Paulo. Ninguém nega a esse órgão o direito e o dever de defender a infância. Mas os senhores que compõem o conselho do Juizado para tais assuntos não podem ignorar que cada cargo, cada função comporta o perigo das deformações profissionais. Se o cachimbo entorta a boca, é bem provável que o lápis vermelho crie a volúpia de cortar, de mutilar os textos alheios. A censura, propriamente dita, já tem bastante idade e bastante experiência para resistir, na maioria das vezes, a tais pruridos. Salvo algumas exceções, o seu critério tem sido o de uma louvável liberdade. Já os assessores do Juizado parecem chegar à lição com toda a paciência do cristão-novo. Não sabemos se se trata de provar autoridade, de ser mais realista do que o rei, ou de demonstrar argúcia. Lá está o texto, o inimigo, com as suas insídias, os seus embustes e emboscadas. Cabe ao censor triunfar sobre ele, desencavando-lhe as malícias ocultas, expondo à luz do sol as suas podridões encobertas e os seus intuitos malignos. No caso do Fazedor de Chuva a tarefa não foi difícil: pois não passa uma moça solteira algumas horas da noite no quarto de um rapaz? É possível imaginar maior imoralidade? É verdade que na peça eles nada fazem além de conversar e se beijar. Mas aí é que está a cilada: e as cenas entre um quadro e outro, entre o princípio e o fim da conversa, omitidos vergonhosamente pelo autor? Haverá coisa mais escabrosa do que semelhante omissão? Ora acontece que, na teoria da literatura, nós críticos, aprendemos humildemente que trecho algum pode ser compreendido fora do seu contexto, inclusive histórico. Cada escola, cada gênero, cada período tem suas regras, seus padrões. O Juizado não estaria talvez errado em suas maliciosas suposições quanto ao que se teria passado a portas fechadas, se Richard Nash fosse um dramaturgo naturalista, não vendo no homem e na mulher senão o macho e a fêmea. Mas a peça não é esse drama. Não somos nós que o afirmamos, é o autor, e no próprio programa do espetáculo, ao aconselhar o encenador: “Não se deve esquecer por um momento sequer que se trata de um romance”; “A este respeito deve haver, sem contudo fugir à realidade, uma espécie de beleza romântica nas relações entre todos os personagens”; “Se o diretor puder ver tudo isto romanticamente – como Lizzie o vê”; etc., etc. Não alegaremos, portanto, em defesa da peça, que Lizzie, na manhã seguinte à famosa noite, não hesita em aceitar a mão de outro homem, sem dar mostras de qualquer perturbação moral (que desavergonhada!, terá concluído o censor). Nem que seu pai sabia que ela lá estava, sem ver qualquer mal nisso (mas que libertino!). Não alegaremos nada, não daremos nenhuma importância a nenhum pormenor deste tipo, porque a peça, toda ela coloca-se voluntariamente em outro plano. O fazedor de chuva, se é que o Juizado não percebeu, não é propriamente um homem, que possa fazer mal às mocinhas. É um mito. É um símbolo da poesia e do lirismo, da vida plena  e confiante. É o grão de loucura necessário a todo homem. Por isso não chega a ter nome, por isso não sabemos de onde vem e para onde vai. O que Lizzie busca ao seu lado não é uma satisfação carnal mas uma satisfação psicológica profunda: ter a certeza – ou a ilusão, se quiserem – de que não é feia, de que pode ser desejada por alguém. O beijo é a prova de sua maturidade como mulher: pela primeira vez ela acredita em si mesma, em sua própria feminilidade. E por que o autor exige que ela se vá, resolutamente, ao quarto do rapaz? Porque o obstáculo a vencer é a má-fé dos outros, são os preconceitos, é o medo, a prudência e a sabedoria excessiva, tudo que nos tolhe e inibe, reduzindo-nos a uma concepção mesquinha, pobre, pouco generosa da vida e das relações humanas. Que a peça haja sido censurada e julgada exatamente por esse tipo de mentalidade seca e puritana que pretende combater – eis o maior paradoxo de todo o episódio. Parece que os milagres de compreensão, os fazedores de chuva, tão frequentes em cena, são bem mais raros aqui fora – principalmente entre os censores.

Programa do espetáculo



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domingo, 20 de janeiro de 2013

A Torre em Concurso













Crítica
Correio Paulistano – por Miroel Silveira – 28/08/1959
A Torre em Concurso
O teatro do Sesi, que há vários anos funciona utilizando diversos grupos cênicos, acaba de constituir um conjunto mais ambicioso, principalmente quanto ao repertório, o “Teatro Experimental do Sesi”, sob a direção de Osmar Rodrigues Cruz. Acabamos de assistir, no Teatro João Caetano, o espetáculo inaugural desse elenco, que apresentou a peça de Joaquim Manuel de Macedo, A Torre em Concurso. O texto, pitoresco conduzido com bastante elegância e graça em seu desenvolvimento, pede uma encenação ambiciosa em seus recursos materiais, pelo menos, coisa com que evidentemente um grupo amador, mesmo subvencionado, por uma entidade como o Sesi, não poderá contar. Assim mesmo, dentro dos limites próprios ao amadorismo, a encenação dispõe de boa qualidade material, embora utilizando cenários e trajes de aluguel. O que vale ressaltar, no entanto, não são esses aspectos exteriores que certamente melhorarão quando o Sesi puder consagrar ao elenco maior apoio financeiro. O interessante é verificar o entusiasmo dos componentes do elenco, não só entre os primeiros atores como também entre os que fazem papéis secundários e até figuração, já que o texto comporta 17 personagens e número apreciável de comparsaria, inclusive uma bandinha provinciana, que dá aos acontecimentos do vilarejo aquela ambientação auditiva tão característica e pitoresca. Não convém destacar nomes, já que se trata de um valioso trabalho de equipe, bastante uno como compreensão geral e como execução, tendo o diretor Osmar Rodrigues Cruz, ainda, obtendo boa dinamização das cenas coletivas, sempre tão difíceis de encontrarem seu ritmo exato.
(in Osmar Rodrigues Cruz Uma Vida no Teatro Hucitec 2001)


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