domingo, 12 de abril de 2015

A EXPRESSÃO NO TEATRO 7



O Relaxamento

O relaxamento pode ser definido como aquele estado, quando existe um equilíbrio perfeito entre a expressão e sua causa, quando o corpo e a voz do ator executam simplesmente e sem esforço os ditames intrínsecos do personagem. Com os atores principiantes o relaxamento criador é muitas vezes confundido com a sua contrapartida técnica: um estado de inatividade física e mental. Considerando que o relaxamento técnico é negativo, o relaxamento vital é definido e positivo. Pois logo que a mente do ator esteja focada no objeto de sua concentração através de uma vivacidade dos sentidos e do cérebro, o corpo e a voz do ator são relaxados pela expressão e o nervosismo tende a desaparecer. Assim, o relaxamento e a concentração são tão interdependentes que não podem ser concebivelmente considerados como estados separados. Movem automaticamente de mão em mão, um preparando o outro. Tudo que diverte a atenção do ator através de sua concentração do personagem e da peça tende a destruir o seu relaxamento. Os obstáculos à própria concentração, portanto, tornam-se os verdadeiros obstáculos ao relaxamento. Estes caem sob uma cabeça principal: a falta de preparação.

A insuficiente preparação técnica ou a sua completa falta, resulta na destruição da concentração e do relaxamento. Por exemplo, o ator não pode estar fazendo caso, conscientemente, de sua articulação durante a representação. Até ao ponto em que o ator se concentra sobre algum defeito técnico que teria sido corrigido antes que ele pusesse os pés no palco, a sua concentração é divertida através do comportamento do personagem. Pois se o ator tiver falhado em tirar proveito de si próprio, suas falhas, bem como suas virtudes, como pode ele, exceto através do acerto ou alvo, estar preparado para criar um ser além do seu próprio? Se acaso ele não tiver treinado o seu corpo para o movimento, a sua voz e a linguagem para a comunicação fácil, por meio do som, a sua imaginação para a obra fictícia vívida, e a sua mente para um julgamento preclaro, como pode ele estar numa posição de servir o personagem na peça? “Conhece-te a ti mesmo” é tão verdadeiro para o ator de hoje quanto o foi quando Sócrates fixou a pedra fundamental de sua filosofia há dois milênios atrás. Portanto, uma sadia preparação técnica é indispensável ao ator que seria verídica para o personagem, a peça, a plateia e, o que é mais importante, para ele próprio.

A preparação insuficiente do assunto (tema) – o que é a peça – e uma fraqueza em tomar contato com os demais personagens enquanto no palco estão outros obstáculos para o relaxamento. Pelo conhecimento do personagem e da peça, fornecem-se os verdadeiros objetos sobre os quais a concentração do ator é focada. Uma vivacidade dos sentidos torna possível a comunicação deste assunto a uma plateia. O relaxamento criador chega quando o ator compreende a peça como um todo, acredita na verdade imaginária, constrói primeiro através de sua imaginação, em seguida através da improvisação (baseado, decerto, no texto escrito da peça) da vida presente e passada do personagem, leva o personagem ao ensaio e em combinação com os demais atores cria o modelo da peça, por um reestudo da peça, uma sensibilização para outros personagens, anulação da antecipação, perfeição da caracterização, e acompanhando o pensamento, o tema e o tom. O instrumento de expressão do ator (que é ele próprio) comportar-se-á como o personagem, nem tende a converter-se personagem, quando ele tiver sido inteiramente assimilado pelo ator. O corpo, a voz e a linguagem do ator corresponderão mais verdadeiramente quando ele for identificado em si próprio, tanto quanto com o personagem, ele se acha apto. Vivendo através de cada segundo do papel, por intermédio de uma concentração intensa, mas sempre dentro do modelo da peça, ou tudo que caia dentro da aura de seus cinco sentidos, assegurará um relaxamento vivo. O relaxamento, o repouso, o equilíbrio vêm com a preparação e a concentração.

Contudo, ocasionalmente, muitos atores (não excluindo os experimentados) desenvolvem uma forma de aplainamento, de comportamento externo que é comumente confundido por relaxamento. Tais atores compreendem duas classificações: 1. Aqueles que estão preparados e que querem “navegar ao longo”, ou porque estão fatigados, ou porque querem restaurar a sua energia somente pelas cenas de clímax da peça, com isso quebrando os laços no campo da continuidade que proporciona vigor a esses clímaces, ou porque não sucede sentirem o tom de criar à noite, ou porque querem dar a aparência de sua tarefa de desempenho tão fácil, ou porque por algum motivo igualmente absurdo, conhecido apenas por eles próprios; e 2. Aqueles que apresentam uma base exterior suave e graciosa, para contradizer, negar um nervosismo repentino e uma consciência do palco em ascensão, por uma falta de preparação adequada. Tal relaxamento superficial estará sujeito à severa censura, seja onde for que ele surja, visto que é uma forma de dolo (fraude; engano) praticado sobre uma plateia insuspeita. Mas, como regra geral, tal equilíbrio artificial é distinguível por uma proporção francamente ampla de uma plateia qualquer, como patranha (falsidade), em vez de algo real. Para ser genuíno, o relaxamento deve fluir através da concentração sobre o personagem em foco.
Porém, a concentração nunca deve estar dividida. O ator fará, em todos os instantes, a concentração do personagem a sua concentração. Há épocas em que o desejo do ator à glorificação pessoal pode ser mais forte do que os do personagem, com a consequência de que bastam ambos, personagem e peça.

Um episódio ocorreu alguns anos atrás, numa peça cujo tema não era, talvez, digno de uma peça. Na “scène à faire” A descobre que o malvado sórdido matou indecentemente o seu papagaio favorito. É a cena A, não há dúvida. Aqui ele está em pé, no centro do palco, proferindo com violência palavras que cauterizarão um malvado mais inflamável à exaltação. Entre outras coisas, A diz ao malvado o quanto o favorito lhe significava, e que ele vingaria a morte dele muito certamente. Nesta saída – efeito que deliberadamente tinha sido planejado com antecipação – o ator recebeu uma salva de palmas. Mas houve uma evidência inequívoca de que A tinha estado pensando em termos de reação da plateia em relação a si próprio pessoalmente, e não do personagem e da situação. Em sua mão direita estava o papagaio (empalhado, decerto) que tinha sido espremido inclementemente durante o momento em que ele se dirigia ao malvado. Tendo-o amado em vida, quanto mais ternamente seria amado na morte? Entretanto, sua concentração no grande momento e o seu desejo “de promover grandes aplausos” tinham enfraquecidos a sua concentração sobre a verdadeira razão do grande momento, especialmente a morte tola de seu papagaio. A tensão nervosa tinha crispado os dedos de sua mão direita, e o ator tinha se traído a si próprio, bem como o personagem aqui e ali. A tensão nervosa manifestando-se na energia muscular é o resultado de uma transferência definida com a do ator. A concentração dividida manifestar-se-á mais cedo ou mais tarde na tensão nervosa do corpo, ou da voz, ou de ambos.      


(IORC)

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