terça-feira, 25 de junho de 2019




INSTITUTO OSMAR RODRIGUES CRUZ


Esta semana completa um mês da nossa última postagem, na tristeza e na raiva perdemos tudo que havia do Instituto on line e do Victorino. Nossa impressora multi simplesmente não obedecia a nenhum comando. Enfim, estávamos mergulhados no caos e quando chegamos ao fundo do poço só existe uma saída, subir. Eu nem suspeitava que o tempo estava correndo e que uma Ong passa por isso – falta de dinheiro. Recuperamos parte do conteúdo perdido e agora estamos de pé (quase) para recomeçar, ainda faltam as imagens que vão sendo recuperadas e escaneadas aos poucos. Hoje continuamos de onde paramos, a introdução da primeira edição das obras de Antônio José da Silva. Para os que gostam de nós e nos acompanham, desculpas e obrigada por toda força!
Eugenia Rodrigues Cruz  




TEATRO NACIONAL POPULAR BRASILEIRO (TNPB)

(continuação)
“Não devia entrar por pouco a ganancia e avareza dos santos Inquisidores, pois a confiscação dos bens dos presos foi sempre averiguadamente uma das hipóteses mais aceitas pelos historiadores da Inquisição.
Era esse o banditismo comum do santo Tribunal; matava os hereges principalmente para os roubar e espoliar; não lhe pareciam a fortuna e os tesouros dos incrédulos tão poluídas como as almas dos possuidores.
O processo de Antônio José que desde 1821 está nos arquivos da Torre do Tombo, por autêntico dos cartórios inquisitoriais, nada serve para a elucidação das causas verdadeiras; mas dele se depreende claramente que as provas do suposto crime de judaísmo, por não as haver fora, foram arranjadas e colhidas no cárcere. À prisão puseram-lhe escutas ou orifícios adrede (de caso pensado) praticados nas paredes por surpreender o encarcerado; mas os escutadores nada perceberam e antes viram o preso rezar devotamente naquelas horas atribuladas e embrutecedoras.
O preso não reconhecia a culpa que lhe assacavam, e protestava inocência. Muitas testemunhas depuseram em favor do zelo, religião e misericórdia do acusado.
Aí jazeram, mãe e filho, dezessete meses até março de 1739. Todos os esforços de defesa baldaram-se diante do Tribunal que condenou Antônio José à morte.
Era horrível o estado de alma do poeta; a estupidez ou a loucura já o havia vencido, embrutecendo e bestializando as faculdades outrora brilhantes do seu espírito.
Enquanto lhe preparavam a morte, soavam lá fora os aplausos da sua última comédia do Precipício de Faetonte.
A 16 de outubro de 1739 vieram anunciarem-lhe a sentença; condenavam-no a morto, queimado como negativo e relapso.
Relaxado pela religião, a justiça civil representada por um meirinho lança-lhe o braço pelas mãos. Nessas tragédias divinas é sempre a autoridade leiga e secular que faz o papel de verdugo.
Dois dias depois a 18 de Outubro, ao lúgubre dobrar de sinos sai o séquito do santo Ofício para o Auto da Fé. Vão entre os condenados o poeta, a esposa, a mãe, além de outros desventurados.
Esperam-nos no campo da Lã as fogueiras purificadoras.
As sentenças daquele Auto são ao que se inferem do documento publicado por Inocêncio no Dicionário Bibliográfico.
“Lista das pessoas que saíram condenadas no auto público da fé, que se celebrou na igreja do convento de S. Domingos de Lisboa no domingo 18 de Outubro de 1739, sendo inquisidor geral o cardeal Nuno da Cunha.
Pessoas relaxadas em carne:
Nº 7. Idade 34 anos. Antônio José da Silva, x. n. (cristão novo), advogado, natural da cidade do Rio de Janeiro, e morador nesta de Lisboa ocidental, reconciliado que foi por culpas de judaísmo, no auto público da fé, que se celebrou na igreja do convento de S. Domingos desta mesma cidade em 13 de Outubro de 1726. Convicto, negativo e relapso.
Pessoas que não abjuram nem levam hábito:
Nº 5. Anos de idade 27. Leonor Maria de Carvalho, x. n., casada com Antônio José da Silva, advogado, que vai na lista, natural da Vila da Covilha, bispado da Guarda, e moradora nesta cidade de Lisboa ocidental, reconciliada que foi por culpas de judaísmo no auto público da fé, que se celebrou na igreja de S. Pedro da cidade de Valhadolid, reino de Castella, em 26 de Janeiro de 1727: presa segunda vez por relapsia das mesmas culpas. Pena: cárcere a arbítrio.
Nº 6. Anos de idade 61. Lourença Coutinho, x. n., viúva de João Mendes da Silva, que foi advogado, natural da cidade do Rio de Janeiro, e moradora nesta cidade de Lisboa ocidental; reconciliada que foi por culpas de judaísmo no auto público da fé, que se celebrou no Rocio desta mesma cidade em 9 de Julho de 1713; presa terceira vez por relapsia das mesmas culpas. Pena: cárcere a arbítrio.”

Assim, consumou-se o suplício do mal-afortunado poeta, na fogueira, diante do cardeal inquisidor mór d. Nuno da Cunha e de todas as famílias educadas no sangrento espetáculo dessas tristonhas ferocidades. Desaparecia desta arte o mais desventurado e talentoso homem que a religião de S. Domingos matou em Portugal.
A Leonor, viúva do poeta, abriram-se enfim as portas da prisão. Passou-se com a filhinha a Amsterdam ainda aos vinte e sete anos de idade. Só muito mais tarde quando tardiamente entrou pela mão férrea de Pombal, o progresso das ideias e da liberdade, puderam a mãe e a filha do poeta voltar à pátria amada de que haviam sido com tamanha atrocidade repelidas.
Com o assassínio de Antônio José esgota-se e acaba a força homicida da Inquisição. Depois deste memorável sacrifício ainda haverá Autos da Fé com as suas fogueiras em que são queimadas algumas efígies em papelão, como o foi a do cavaleiro de Oliveira que de longe pode rir-se da estupidez e impotência desses ferozes apóstolos de religião de Jesus.
Quando apagadas as fogueiras, começaram de reclamar a pátria algumas famílias fugitivas que se tinham acolhido a Holanda ou ao norte da Europa. Entre os que imigravam em 1775 vinha a desditosa família do poeta.
(continua)