sábado, 20 de outubro de 2012

Revista do Teatro Amador

 
COLUNA TEATRO - DIÁRIO DE SÃO PAULO - POR NICANOR MIRANDA - 03/09/1955
“Revista do Teatro Amador”
Elevado é o número de amadores em nosso Estado. Raro é o município que não conta com um grupo de pessoas que gostam de teatro e que realizam, pelo menos de longe em longe, um espetáculo. As dificuldades que a maioria dos amadores encontram para satisfazer a sua inclinação e vocação dramática não são pequenas e nem poucas. As mais efetivas, talvez consistam em dois fatos notórios; não conhecerem peças que se prestem aos seus espetáculos e não terem meios de encontrar ou adquirir as que servem. A bibliografia nacional, segundo Lopes Gonçalves que está procedendo um levantamento de tudo que existe, anda pela casa das dez mil peças. Evidentemente nessa dezena de milhares existe muito bagaço e pouco suco. Mas o que sobra muitas vezes não é fácil de encontrar no mercado livreiro. Quanto às estrangeiras, os amadores são geralmente criaturas atemorizadas com o bicho papão da SBAT, que não tem a mínima condescendência para com os amadores e nem procura ajudá-los desta ou daquela maneira. Faltam-lhes ainda encenadores, faltam-lhes cenógrafos... para auxiliá-los com eficiência nas realizações de seus espetáculos. A bem dizer, falta-lhes quase tudo, exceto boa vontade e paixão pelo teatro.
Diante de tais obstáculos, nada melhor poderiam eles ter feito do que se congregarem, reunirem-se em uma associação que cuide de seus interesses. Tal medida já foi posta em prática com a fundação da Federação Paulista de Amadores Teatrais, sob os auspícios da Associação Brasileira de Críticos Teatrais de São Paulo. Os resultados não demoraram a aparecer. Graças a Federação, os amadores já realizaram um festival e um congresso. No momento preparam outros dois para o mês vindouro. Além disso, instituíram um interessante concurso de crítica anual, do qual não podem participar, é óbvio, os profissionais militantes na imprensa paulistana.
Mais uma bela iniciativa acabam de tomar, recentemente, editando a “Revista do Teatro Amador”, cujo primeiro número foi publicado no mês de agosto findo. A revista é modesta e despretensiosa, mas o seu objetivo capital é inteligente e merece ser elogiado: “O teatro amador em nossa terra e particularmente em São Paulo, embora a sua evolução marcante, não possui um núcleo que irradie a arte de representar, propagando-se e realçando-a. Assim sendo, as sociedades, pelos seus grupos teatrais, encontram-se individualizadas e seus trabalhos não têm a repercussão requerida, por não serem divulgados. Portanto, fazia-se mister que um porta-voz unisse os elos que encerram as coisas teatrais, formando assim a cadeia sólida e coesa para demonstrar e evidenciar o valor da arte cênica”.
A missão dos amadores não é somente difundir o gosto pela arte dramática nas camadas populares. É também uma missão educativa, de mérito indiscutível, tão explícita que dispensa esclarecimentos. Que não arrefeçam em seu entusiasmo, que não desistam de lutar contra todo e qualquer empecilho que lhes surja no meio da jornada. Assim agindo, não tardará o tempo em que os amadores paulistas serão, além de rico celeiro do teatro profissional, idealistas dignos de admiração e respeitáveis cultores de uma arte milenária que apaixona cada vez mais os homens dos cinco continentes.

(in Osmar Rodrigues Cruz Uma Vida no Teatro Hucitec 2001)

domingo, 14 de outubro de 2012

Volta à cronologia.


Prêmio Arlequim Melhor Diretor
CRÍTICA -  JORNAL O TEMPO - COLUNA PALCO - POR ATHOS ABRAMO - 09/12/1954

Festival de Teatro Amador III

A representação de “As guerras do Alecrim e da Manjerona”, pelo Grêmio da Caixa Econômica Federal, constitui uma das mais importantes manifestações do Festival, não somente pelo que significa, no plano cultural, a exumação dessa peça do nosso teatro clássico, como ainda pela inteligência com que foi encenada e pelo êxito positivo alcançado pelo espetáculo. Embora dentro da modéstia que o amadorismo comporta, o tratamento dado pelo diretor, Osmar Rodrigues Cruz, foi dos mais eficazes e válidos teatralmente falando, e poderá servir como ponto de referência  para futuras edições.  Sabe-se quais dificuldades Antônio José da Silva acarreta para uma representação integral, no texto e na cenografia. Essas dificuldades foram resolvidas com brilho, ao adotar-se um esquema cenográfico de interiores muitos simples e sóbrios, e de exteriores supridos por cortinas pintadas, ou melhor, desenhadas. O efeitos de tais cortinas, de autoria de Francisco Giaccheri, foi dos mais genuinamente teatrais e sua aplicação, assim como certos expedientes de mudança direta de cenários, executados pelos próprios atores em cena, juntamente à viva mobilidade da recitação, revelaram o bom e adequado aproveitamento da recente lição proporcionada  pelo “Picollo Teatro” de Milão em “Arlequim servo de dois amos” e em “Júlio César”. A direção de Osmar Rodrigues Cruz foi uma das mais seguras acontecidas no Festival, e caracterizou-se pela atenção dada ao aspecto filológico da peça, enfrentando não somente sem escamoteações, mas mesmo com apaixonada competência. O espetáculo foi dirigido no sentido de atingir-se a maior leveza e rapidez de recitação possível em elementos não afeitos às representações diárias como são os amadores, e isso foi conseguido, apesar de algumas falhas do elenco. Deste temos a assinalar primeiramente, a ótima dicção de Carlos Henrique Silva, no papel de Semicúpio. Dotado das necessárias agilidade e mobilidade físicas, agindo numa marcação sempre segura e viva, esse amador foi uma revelação. Prejudica-o muito um leve defeito de dicção, defeito que impede infelizmente seja ele considerado como um dos melhores atores da comédia do Festival. Mesmo assim, tenho uma grande fé no futuro desse rapaz, cuja mocidade, resistência e energia recitativas a justificam plenamente. Tudo dependerá, no entanto, da eliminação de seu defeito de pronúncia. Cora Gurjão Cotrim, no papel de Sevadilha, foi por sua vez digna “partner” de tal Semicúpio. Muito jovem, dotada de um físico adequado e de uma voz da mais cristalina musicalidade, e senhora de uma dicção perfeita, também essa moça poderá representar uma esperança, no caso em que puder estudar  e corrigir-se de certa instabilidade e precipitação no jogo cênico. Joaquim Mário Sonetti, no papel de Lancelote; Maria Quadros Malta, no papel de Dona Cloris; Moisés Leiner no de Tibúrcio, foram os outros elementos que tiveram atuação correta e realmente muito eficaz nas cenas cômicas. Ao grupo todo do Grêmio da Caixa Econômica Federal vai um caloroso aplauso pela coragem demonstrada em levar para a cena a trabalhosa e talvez envelhecida, mas genial peça do Judeu. E uma exortação a continuar nesse caminho: o da exumação de nosso pequeno mas tão significativo repertório clássico.
(in Osmar Rodrigues Cruz Uma Vida no Teatro Hucitec 2001)