sábado, 20 de dezembro de 2014

A EXPRESSÃO NO TEATRO 1



A natureza da expressão na vida e na arte

Dissemos que quando um personagem está vivo imaginariamente, encontrará uma expressão mais forte através do corpo e da voz do ator, certamente proporcionados, pois estes são treinados a obedecer à imaginação. Mas dissemos muito pouco, no tocante à natureza de sua expressão. O nosso problema agora é: que forma tomará o corpo do ator e a voz do ator, de maneira a tornar um personagem vivo no teatro? Pois, você recordará, nós definimos o desempenho, como um modo de viver, em termos teatrais.

A resposta a esta questão dependerá amplamente das diferenças entre a natureza da expressão na vida, tão confrontadas com o teatro. Na vida a expressão prossegue em todo o instante de uma existência. Pode ser durante um dia, até cem anos ou mais. A vida – como a conhecemos – é contínua durante o tempo em que estamos vivos. Tanto quanto sabemos, a expressão cessa com a morte. Porém, em teatro, a expressão prossegue enquanto existe a peça, o que quer dizer durante duas horas e meia. O personagem recobra os sentidos às 8 e 40, continua vivendo durante o tempo em que está na presença da plateia, e então morre com o cair da cortina, vivendo, depois disso, somente na memória daqueles que testemunharam tal representação.

Como foi o autor capaz de realizar o difícil feito de viver a vida artística no curto espaço de duas horas e meia, em relação aos personagens e fatos que, na vida, exigirão anos e anos? Escolhendo apenas os traços significativos do personagem e a circunstância, e banindo do espírito o fortuito. Tudo na peça – cada mínimo detalhe, mesmo só o que pode parecer casual – é significativo. No instante em que falte a significação em qualquer uma de suas partes, a peça torna-se deficiente e pode ser completada no local do débito do epitáfio artístico. Dentro da peça em si, existem verdadeiros momentos de significação maior ou menor, mas mesmo esses momentos menores, nem por isso, significativos se confrontados com a vida. Quando o ator faz o personagem e a situação típica universal, a peça torna-se significativa no conteúdo. Quando ele dominado tal forma de construção da peça que melhor exprima esse conteúdo significativo, a peça torna-se significativa na forma. O conteúdo e a forma são mais significativos quando a elevada maioria de qualquer plateia determinada, melhor compreenda, aprecie, simpatize e seja movida pelos personagens e episódios. Isto a assistência não pode fazer se, inicialmente, a peça tratar com os personagens e episódios estranhos, em relação aos quais a vida do público ou as experiências imaginadas, ou se, em segundo lugar, a peça é defeituosa na sua construção técnica de enredo ou disposição das palavras. No entanto, muitos o contradizem, nós chegamos mais cedo ou mais tarde à conclusão inevitável de que uma peça é um jogo atribulado da vida filtrada através da imaginação do artista. Como consequência desse processo de filtração, o personagem e a situação, e sua expressão na forma, são necessariamente condensados.

Tal condensação do personagem e do acontecimento é talvez a lei mais fundamental do teatro. Como já foi estabelecido é uma condensação tornada necessária, visto que o tempo na vida difere do tempo na arte. Aquele é o tempo do relógio e é real, este, psicológico e imaginário, mas no entanto real também. Visto que deve se apegar às exigências do tempo na arte, o Autor comprime o tema de sua peça dentro de duas horas e meia. Este fato é que explica por que ele teve de ser seletivo, significativo, típico e universal na disposição e expressão do conteúdo e forma da peça. Como o teatrólogo, o ator deve ser igualmente seletivo em sua assimilação do conteúdo do personagem e em sua expressão na forma. Deve exprimir-se em termos pungentes dentro do mais curto espaço de tempo possível. Deve ser significativo em sua expressão, porque o teatrólogo o foi na dele.

A verdadeira natureza do teatro rege a expressão teatral. Um teatro está onde as pessoas (a plateia) vão para ver e ouvir outras pessoas em personagem (os atores) viver a ação (a peça), concebida originalmente na imaginação do autor, e apresentada no palco (a cena). Talvez mais do que qualquer outro fator, a presença de uma plateia é responsável pelas leias e convenções que regem a conduta no teatro. É para aqueles que ocupam os assentos do teatro que a peça é apresentada. Eles são os principais beneficiários e vêm para aceitar a peça. A recepção será ativa ou passiva, de acordo como são movidos pelo que veem e ouvem. Estão para aprender o que contém a peça, particularmente através dos sentidos da visão e da audição – os outros sentidos (o tato, o gosto e o olfato) trabalhando para a maior parte na imaginação. Aqueles confiados à comunicação da peça com a plateia são a cena e o ator. A verdadeira vida da peça depende de como eles satisfaçam a sua sagrada confiança. Não a satisfarão se a plateia não atentar para o que vê e ouve. Como na vida, assim no teatro, nossos olhos e ouvidos atentam para o que satisfaz. Se estes na plateia são para prestar atenção à peça, deve o ator criar em si aquelas condições que o tornarão fácil e satisfazendo-os, ao assistir. Que condições são essas? Que forma de expressão captará melhor a atenção de uma plateia? Como comportar-se-á o ator se tiver de dominar irresistivelmente a atenção daqueles que se sentam no auditório? Isto leva-nos ao físico do ator em movimento, à sua voz e linguagem, ao sentimento, à concentração, ao relaxamento e à inspiração. (ORC)


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quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

5ª ETAPA


A REPRESENTAÇÃO

À medida que os ensaios progridem, a relação de personagem com personagem e com a peça, como um todo, cresce cada vez mais definida. A consistência do personagem nasce desse contato durante os ensaios. Um teste, pelo que respeita ao trabalho criador do ator, basear-se-á nessa descoberta, de que ele cessa de comportar-se para com os seus comparsas como atores, mas como os personagens que eles representam. A afinidade entre dois personagens – tal como uma mãe com o filho, ou uma esposa com o marido – cessa de ser algo abstrato e torna-se uma coisa definida, que o ator sente espiritualmente e emocionalmente. O contato contínuo durante o ensaio encontrará o ator crescendo no seu papel, à medida que outros atores crescem nos deles. Os personagens veem à vida apenas em relação a um outro.

A dicção das frases e a qualidade do movimento dependem principalmente da ideia da peça, da caracterização e do contexto que mantém unidos os personagens ou os coloca à parte. Aprender as frases e fixar posições muito rapidamente durante os ensaios pode ser um recurso, quando o tempo é precioso ou quando os atores estão irremediavelmente maus ou sumamente bons. Porém o resultado em muitos desses casos é mecânico, artificial e pretensioso. Se o diretor for um inteligente guia, as frases e as posições virão à medida que os atores desenvolvem as suas caracterizações. Em seguida, as frases e os movimentos serão justificados de dentro e não forçados de fora. Mas uma vez que as frases são aprendidas, as palavras corresponderão exatamente àquelas do texto, pois presumivelmente o autor exprimiu a forma dos pensamentos e das ideias do personagem através de uma seleção cuidadosa e uma disposição de palavras. No entanto, mais cedo ou mais tarde, os modelos de dicção e movimento tornar-se-ão cristalizados, mas nunca numa extensão em que eles possam variar até ajustar as exigências de qualquer momento particular, enquanto os atores não quebrem o fio e o modelo da ideia da peça.

A representação começa com um fator novo e importante: a plateia. Até aqui, durante o ensaio, o diretor era a plateia, mas com a representação ele torna-se um outro espectador. Os atores sensíveis aprenderão muito das reações da plateia. Uma cena é representada bem ou mal, de acordo com o seu efeito sobre uma determinada plateia. “Pérolas aos porcos” não é uma defesa quando a plateia sucede ser obtusa (estúpida). Feliz é o ator que pode sentir o nível intelectual e emocional de uma plateia e reage de acordo, porém dentro dos limites do tato, da proporção e da propriedade. Isto não significa, certamente, que o ator não procurará governar a plateia em suas reações. Pois é obrigação dele fazer a plateia comportar-se, como exige o personagem. “O espírito do ator deve ser sempre mais atilado do que o da plateia” – diz Jehlinger.

Efetivamente o trabalho do personagem não termina com a representação. Cada noite o ator deixará o teatro com as mais novas impressões do personagem e da situação, recolhidas do seu contato com a plateia. Na noite seguinte ele pode somar aqui, subtrair ali, conceber de novo isto ou aquilo. Ele continuará a dedicar-se novamente e a testar de novo as leis da criação do personagem. Somente com tal desejo de luta é que realmente melhora a sua caracterização. Mas não será jamais perfeito. A perfeição é um ideal, não é? (ORC)


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quinta-feira, 20 de novembro de 2014

ENSAIO 7



PENSAMENTO, TEMA E TOM


O ator que está sempre em alerta aos detalhes do seu método criador, ficará fiel ao que é talvez a mais importante lei da criação do personagem. Quando ele está completamente sensibilizado no personagem e para com a situação, prosseguirá – nunca interromperá – o pensamento, o tema e o tom até que algo ocorra para faze-lo agir assim. Os atores que se apegam a este princípio de criação natural e artística jamais serão acusados de incompetência. Por pensamento quero dizer o comportamento do personagem em termos de lógica, geralmente evidenciados pela qualidade da pantomina e da voz a um tempo mental e físico, e por tema na sequencia do enredo o personagem a um tempo mental e físico que resulta o pensamento e o tom do personagem, corroídos contra um outro pensamento e tom do personagem estimulam o tema e o enredo. Francamente falando, seguir o pensamento, o tema e o tom é seguir a forma e o modelo da peça. Num sentido mais restrito, é não sair do personagem durante cada momento do papel. “Representando a ação” – uma expressão empregada por muitos diretores, aplica-se ao comportamento específico do personagem ou “ação”, por exemplo, pode ser “namoriscar”, embora possa estar falando somente do tempo. Mas “nunca quebra de pensamento, tema e tom até que alguma coisa ocorra para muda-los” diz Jehlinger, parece ser mais compreensiva e menos mistificadora. (ORC)


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quarta-feira, 5 de novembro de 2014

ENSAIO 6


A LIBERDADE

Como evita o personagem, vencendo dificuldades, uma vez que o ator o concebeu de dentro? Por que o corpo e a voz tão frequentemente falham em comunicar a clareza da imagem? Em primeiro lugar, a base externa do ator não pode ter sido suficientemente treinada para obedecer ao espírito e à imaginação. Ou, em segundo lugar, (e esta é mui frequentemente a razão), o ator não cultivou aquela atitude de espírito que o fará obedecer aquele impulso. A constante invasão subconsciente do “ego” do ator impede o personagem de vencer as dificuldades da imaginação e de penetrar o seu ser todo. Excelente conselho prático para os atores principiantes que são também muito dignos de si e pequeníssimos os personagens, para que se lembrem que o personagem é o senhor e o ator, um criado obediente. O ator dará ao personagem franco reinado. “Você não pode ser crítico e criador ao mesmo tempo” – diz Jehlinger. A faculdade crítica pode trabalhar-se antes ou depois, mas jamais durante o momento criador.

Uma vez que o personagem está vivo na imaginação do ator, deve este nada fazer quer ativa ou passivamente, ao interferir com a expressão do personagem. Todo o ser do ator deve tornar-se um instrumento disposto permitindo o acesso do personagem em relação ao mundo da realidade. A concentração no personagem e a sua livre expressão através do ator suprimem os riscos mentais, os modelos de memória, o nervosismo, o susto do palco e todos os outros fantasmas que frequentemente afligem os atores principiantes. Quando o ator aprende a dar expressão completa aos impulsos do personagem, este verdadeiramente vive. O que o ator fará é muitas vezes mais certo do que errado, porque o personagem o deseja. Esta liberdade de expressão é uma outra lei fundamental da criação do personagem. Precisamente na terceira etapa quando o ator obedecer ao personagem na improvisação, assim agora ele obedece aos impulsos do personagem consistentes com a forma e o modelo de qualquer situação determinada da peça: o ator é uma lira na qual o personagem toca. (ORC)

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quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Ensaio 5 (o texto!)

A CARACTERIZAÇÃO



À medida que os ensaios prosseguem, o ator aperfeiçoa cada vez mais a sua caracterização externa: características fisionômicas, vocais e corporais. Ora ele modifica ou reforça suas impressões mais próximas do personagem concebido antes que os ensaios comecem. Eis que o ator não pode rejeitar a sua própria base natural do corpo e da voz. Ele adaptará a sua base natural à base do personagem. A qualidade de voz e atitude do corpo do ator será ditada pelo personagem, mas sujeita às limitações naturais dele. De fato, o vestuário é uma ajuda indispensável à caracterização externa, porém o ator lembrar-se-á que a roupa do personagem espiritualmente é mesmo mais importante e precede a sua manifestação externa. Pintar-se, igualmente (e aqui a arte do ator temporariamente funde-se com a arte da pintura) é um meio necessário, porém o ator será orientado menos pelo espetáculo, e mais pelos ditos do personagem. O ator saberá se o personagem nasceu com uma face especial que ele imagina, ou se foi desfigurado por acidente, ocupação ou doença. Saberá por que ele vê e ouve o personagem, à medida que trabalha. Aliás, não há obstáculo contra o que ele imagina ou qualquer maneira de apreciar a exatidão da imagem. Será capaz de justificar qualquer idiossincrasia particular do corpo e da voz, por alguma referência definida e implícita na peça. Nossas imaginações de personagens e situações terão sempre as suas rotas traçadas firmemente na peça.

O ator cria uma caracterização verdadeira somente quando ele primeiro imagina o personagem profundamente e em seguida interpreta-o em símbolos universais, ao invés de locais. Exprimindo símbolos universais, está o selo de originalidade, do gênio, e da vida; exprimindo-se em modelos e formas triviais e convencionais está o sinal da imitação, da mediocridade e da decadência.

O que, por exemplo, farão nove dos dez atores se implorados a representarem um macaco? Provavelmente, alguns acocorar-se-ão, outros pularão, alguns farão caretas, e nove deles certamente farão garatujas. Talvez cinco (aqueles dotados com imaginações flexíveis e instrumentos expressivos) darão uma excelente imitação superficial de um macaco; quatro a farão mal. Mas um dos dez criará. Por exemplo, o excelente ator Morris Carnovsky não copiou ou imitou. Ele representou um macaco, criou. Sua face, especialmente os olhos, transformaram-se, com imaginação, de um macaco, mas ele não fez caretas. Suas mãos transformaram-se imaginativamente nas de um macaco, mas ele não as utilizou, fazendo garatujas. Ele representou, pelo contrário, com uma palha imaginária que ele pôs na sua boca. Nessa simples expressão, Carnovsky captou a verdadeira essência do macaco (o símbolo), e não o macaco convencional que pula e faz garatujas. Penetrando profundamente no íntimo e apresentando o espírito do macaco em termos simples ainda pungentes, ele nos fez ver o não visto e sentir o não sentido. Agora quando eu for ao zoológico, posso ver além da camada externa, no macaco real, cuja vida é real para mim senão para os espectadores que riem de suas travessuras. Pela mera sugestão (sugestão não é executando inadequadamente mas a expressão purificada e significativa da imagem imaginária), Carnovsky nos fez compreender a criatura de sua concentração, porque sentiu e compreendeu-a de dentro e expressou-a sem recorrer a clichês. Nem permitiu ao gênio artístico de Eleonora Duse substituir a artificialidade pela criação. (ORC)


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terça-feira, 23 de setembro de 2014

ENSAIO 4

       A ANTECIPAÇÃO

Tendo adquirido sensibilidade, o ator acautelar-se-á com medo de que caia no abismo da antecipação. A intimidade com um personagem e outros personagens, suas ações e reações, a questão do assunto, a forma e o modelo do papel e da peça, produzem a antecipação que, por sua vez, mata a criação. Quando antecipa o que está por vir, o ator coloca a carroça adiante do cavalo, e faz a coisa seguinte (e que mal) antes do que a atual. Quando são supostos os resultados, o ator falha ao criar as causas que os formam. Percorre o modelo mecanicamente, contando mais, durante o ensaio solitário, com sua lembrança de ações e reações, condicionadas pelo ensaio passado, que com sua sensibilidade até a realidade atual. Quando o ator antecipa, raramente consegue aquela natural flexibilidade de movimentos e de voz, através da coordenação do espírito com a imaginação, como ele faz somente quando, pela sua sensibilidade, constrói a situação da realidade do momento.
Como vencer a intimidade, a antecipação e a recordação, inimigos implacáveis da criação? Como tornar a sensibilidade uma norma em seu lugar? Estas são questões complicadas. Os atores que apreciam longos cursos estão continuamente diante delas. Eu presenciei três representações de uma peça de sucesso, em intervalos de dois meses, por atores cuja preparação preliminar pareceria assegurar-se contra a possibilidade da intimidade, antecipação e memória, e ainda em cada representação eu podia descobrir uma deterioração progressiva, uma rancidez incipiente e uma queda que prejudicavam a verdadeira criação do personagem e da situação. De fato, meu conhecimento “a priori” das situações da peça pode ter-me prejudicado em meu julgamento dos atores. Também eu, como espectador, posso ter-me antecipado. Mas senão, então por que tal deterioração? Cada repetição de uma situação deve depender da lembrança da criação original? Ou é impossível combater a reminiscência da vida passada e criar de novo o que foi antes criado? Tais questões são vitais porque a arte do ator é uma arte de repetição.
Antes que possa começar vencendo a intimidade, a antecipação e a recordação, o ator deve acreditar na ficção, de que o desdobramento da situação não se desenrolou antes, e que novamente o seu desdobramento depende de como ele se comporta agora. Seu conhecimento da conduta do personagem “a priori” não deve afetar o seu comportamento atual. Ele identificar-se-á e servirá somente o personagem. Quando o ator acredita que as situações estão acontecendo pela primeira vez, fará duas apenas depois de uma ter sido criada, três apenas depois de duas, etc. Ele atravessa o limiar da porta antes dela estar aberta, se acaso estiver fechada, ou senta-se numa cadeira quando houver uma, ou zanga-se porque um outro personagem fê-lo zangar-se. O ator verdadeiro reage às ações. Se a ação for sincera, então a sua reação àquela ação deve ser também sincera, se se considerar tal ação dentro da esfera de sua concentração. A sensibilidade nasce do desejo de concentração, o qual finalmente submete a intimidade, a antecipação e a recordação. O desempenho – disseram William Gillette e Joseph Jefferson de Sherlock Holmes e Rip Van Winkle, respectivamente famosos – não é só produção, mas reprodução. O desempenho deve criar a ilusão da realidade. Ilusão? “No mais alto plano – disse Bernard Shaw – não se representa, vive-se”. As reações pantomímicas e vocais do ator nascem desse fervor de crença dele, cuja substância é muitíssimo rara em nosso teatro: a espontaneidade. (ORC)



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quinta-feira, 4 de setembro de 2014

ENSAIO 3

 A sensibilidade


Um personagem vive a descobrir o enredo. Raramente está só. Ele entra em contato com outros personagens, objetos ou com a sua memória empírica, num lugar. Este contato cria desejos. O conflito resulta no cumprimento dos desejos. Por isso, a situação, o enredo. O enredo é o resultado dos comportamentos combinados de todos os personagens. De acordo com Aristóteles, o enredo pode ser a alma da tragédia, porém se ele não dissesse assim, acrescentaria que o enredo é o que é, porque os personagens são o que são. Portanto, o ator realizará melhor o seu próprio personagem, respeitando a natureza de outros personagens durante cada momento da fase de ensaio. Para interpretar o melhor possível e ser digno do nome, será relativa a contribuição de todos antes do que a glorificação particular de cada um ou alguns, às custas da peça e de outros atores.

Para criar o personagem, deve o ator ser sensível. A sensibilidade é uma qualidade sem a qual ele não pode criar o enredo, o próprio personagem, ou a ajudar outros atores a criarem os seus. O ator tem sido até aqui treinado para ser sensível. Pode ver com seus olhos, ouvir com os ouvidos, apalpar com as mãos e tocar com o corpo, gostar com o paladar e cheirar com o nariz. Sabe que através destas vias virá todo o conhecimento de outros personagens. Seu coração e seu cérebro darão a esse conhecimento um valor. A sua reação a qualquer situação determinada dependerá de como são claros os canais de seus cinco sentidos e como vivas são as estações receptoras: o cérebro e o coração. A clareza de percepção e de avaliação da coisa percebida determinarão a reação a qualquer ação. Somente quando recebe é que o ator pode dar (outra lei fundamental da criação artística). Pois quando ele dá antes de ter recebido, sua dádiva abastece o outro ator com o alimento necessário a essa dádiva. E assim por diante. Este tirar e dar, dar e tirar minuciosamente concebe o comportamento, a situação e o enredo. Foi a divina Sarah quem disse que o ator deve vibrar como uma folha ao vento. O ator sensível vibra em toda a brisa que venha dentro da aura de sua concentração. “Desempenha-se melhor – escreve Miss Cornell – quando se está cercado pelos melhores atores, pois o dar e tirar conduz a vida, não apenas em relação à peça, mas também em relação aos interpretes”. Embora os atores obedeçam a vibrações no mundo físico, é significativo o que muitas vezes muitos deles desprezam no mundo das ideias. O ator sabe que as leis físicas são tão verdadeiras no palco como na vida. Sabe que antes que possa dar a seu comparsa um cigarro, deve possuir um mesmo, para dar. E ainda esse mesmo ator, época após época, violará essas mesmas leis naturais no mundo intrínseco da ideia. Antes que um ator possa transmitir uma ideia tão tangível no reino mental e sentimental quanto o cigarro no reino físico. Para um ator receber uma ideia que o seu comparsa não lhe tenha dado, é tão ridículo quanto o ator que diz: “Obrigado pelo cigarro”, quando ele não pegou nada a não ser ar puro. O verdadeiro fato de que as ideias parecem ser intangíveis e não ter nenhuma forma, o que fará o ator realizar mais quanto maior for seu problema de criar a sua realidade antes de tentar comunica-las. “Há tanta ação numa ideia – disse uma vez Drummond – quanta exista num circo”. As ideias possuem uma realidade de si próprias.


É verdade que, ocasionalmente, um ator deva primeiro dar antes de poder receber, e em algumas cenas deva continuar a dar, às vezes recebendo pouquíssimo durante muito tempo. Porém, outras coisas sendo iguais, se o ator dá somente quando recebe, o problema do diretor está enormemente simplificado porque estará em melhor posição de julgar quando e por que uma situação é real ou falsa. Equilibrando reações versus reações e ações versus reações, o diretor pode ver claramente o que está em falta e por que. Desta maneira, muito tempo é economizado e o ensaio torna-se um período de progresso.  


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quarta-feira, 20 de agosto de 2014

ENSAIO 2


A peça



Para compreender o modelo mais inteiramente, penetra o ator o

 mais fundo no “script” e estuda o enredo, as situações e o

 desenrolar da ação. Porém esta não é uma tarefa individual.

Todos os atores devem concordar com o “script”: - a ideia, o tema

 central e as situações distintas. Deve haver unanimidade no

 acordo. Aliás, quando começam os ensaios, cada ator terá uma

 ideia diferente daquilo que a peça contém. É obrigação de o

 diretor estabelecer essa unanimidade e a dos atores é aterem-se

 a tal decisão. Esta, somente após todos os atores terem

 participado de uma discussão, em que todos seus pontos de vista

 antagônicos tenham sido ventilados. Presumivelmente, já tenha

 sido feito isto antes do ensaio. Muitos diretores examinarão uma 

peça desta maneira, no começo; outros, algum tempo antes da 

representação, terão feito aos atores compreender a ideia e a 

construção da peça. Este acordo comum baseia-se na noção de 

que dará o hábito do objetivo aos atores. Eles sabem o que têm 

de fazer. Isto, juntamente com o trabalho das fases prévias, 

encontrará o ator melhor preparado para enfrentar o período de

 ensaio.


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domingo, 10 de agosto de 2014

ENSAIO 1


4ª etapa: O ensaio

1.   O ator cria o modelo da peça

Em seguida o ator conduz o personagem ao ensaio quando encontra outros personagens em pessoa. Esta 4ª fase é a do ajustamento e reajustamento, da concepção e nova concepção, da execução e reexecução. De vez que o objetivo primordial deste texto é orientar o ator ao longo do caminho da criação do personagem, consideraremos a fase de ensaio mais sob este ponto de vista do que da do diretor. Existem certamente tantos métodos de direção quantos são os diretores, mas um diretor competente apega-se a determinadas leis fundamentais do teatro técnico. Isto também é verdadeiro para com os atores competentes. Consideremos agora aquelas leis fundamentais do teatro técnico, que interessam ao ator durante o ensaio.

Mais cedo ou mais tarde, o ator deve tratar diretamente com a peça. Uma peça é uma série de situações em que os personagens se comportam. O teatrólogo não pode dar-nos o seu comportamento concreto, em termos visuais e auditivos. Inclusive se ele pudesse, elas estariam sujeitas a mudar, de modo a conformar a cena e o ator. Uma vez que o meio de sua arte é, entre outras coisas, palavras, papel e lápis, o autor indica o diálogo e os rumos ocasionais do palco, numa forma ou modelo. O ator conduz o seu próprio talento criador para tal modelo e dá-lhe vida no movimento e no som. Ele obedece ao modelo porque o personagem lhe obedece. Não só ele o cria mas também o personagem o cria. Ninguém pode dizer que só o dramaturgo criou o personagem no “script”. O bom dramaturgo obedeceu aos ditames do personagem. Neste sentido, o personagem concebeu-se a si próprio, guiado certamente pelo espírito do dramaturgo, sincero e criador.


O problema mais importante que deve o ator enfrentar, é como criar dentro da forma e do modelo do papel e da peça. Pois quando ele cria dentro do modelo, a plateia encontra-o, satisfazendo-se em assisti-lo e é fácil compreender a intenção do dramaturgo. O ator cria melhor o modelo quando o revela através de si próprio. Quais são algumas das condições que possibilitam isso? 



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sexta-feira, 25 de julho de 2014

IMPROVISAÇÃO

3ª etapa: A Improvisação

Após esta correspondência espiritual e física, o ator empresta o seu “ego” interior e exterior e começa a viver tudo que o personagem disse e fez durante a segunda etapa. Durante a terceira, ele revela, executa e projeta o personagem através de si próprio. Obedece ao todo do personagem que é (um outro segredo da arte). Improvisa, vive o segundo plano do personagem que o autor simplesmente sugeriu.
Supondo-se, ao decorrer destas conversações com o personagem durante a segunda fase, que o ator, por exemplo, aprenda que o primitivo ambiente do personagem foi de sordidez e pobreza. Na base desta importante informação, o ator estará melhor preparado para representar a cena maior do 3º ato quando o personagem, na hora da sentença, inculpado como ladrão, pede o perdão perante o tribunal. Sua defesa será mais sincera e, portanto, mais persuasiva quando toma o passado do personagem em seu passado. Isto ele pode fazer imaginariamente. Mas simplesmente imaginar o “background” não é ordinariamente suficiente para preparar o ator para o trabalho real na peça. Ele irá mais adiante e vive o “background” através da improvisação, dando expressão através de seu corpo, sua voz e sua linguagem. A improvisação dá forma e significação ao “background” do personagem e torna concreto, no espaço, o que aliás podia ter sido abstrato na imaginação. A execução através do meio de expressão do ator intensifica a obra de imaginação e provê o ator com um fundamento vivo sobre o qual tem de construir o personagem na peça teatral.
De fato, o ator não aprendeu ainda os versos. Nem se trata diretamente com o “script”, quando começa a compreender a sua motivação.

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segunda-feira, 14 de julho de 2014

O personagem

2ª etapa: O personagem. “Background”, e a importância da fé, da coragem e humildade.
A segunda fase da criação do personagem é também dedicada à concepção. Agora ele se concentra no personagem. Se for cuidadoso, estudará também outros personagens, porque conhece as vidas do personagem num grupo. Como o personagem depende de sua estrutura constitutiva fundamental e de seu ambiente passado e atual de pessoas e coisas. A semelhança é muito importante durante esta fase. Se o ator quer compreender completamente o personagem, deve ter fé, coragem e humildade.
A fé é talvez a mais importante das três. A fé dá plasticidade ao “eu” espiritual e material do ator. A fé dá-lhe esperança em ser bem sucedido no final. A fé empresta voos à sua imaginação. A fé torna-lhe o trabalho sólido e gosta dele. Mas a fé não deve se confundir com vaidade. Porque do seu senso de superioridade o ator vaidoso raras vezes cria um personagem verdadeiro.
Se a fé cria as imagens, a coragem dá ao ator força para executá-las. Não obstante a execução externa não tenha ainda principiado, a coragem guia-o para provar o mais intrínseco no ser do personagem. “O ator verdadeiro – diz Jehlinger – deve possuir a coragem de um leão e a sensibilidade de um cordeiro”. Deve ousar, fazer, pensar e sentir tudo nesta fase.
A terceira qualidade é a humildade. O ator deve perseguir o personagem com humildade, se quer descobrir-se nele. É a humildade que torna o personagem um amigo. Ele vai até o ator somente se o ator for até ele. Aliás, ele aspira ter tudo a fazer com ele. Ala Nazimova assemelha o personagem com: “Eu não sou nada. Eu não sou ninguém”.
Tendo conquistado a amizade do personagem, o ator achá-lo-á muito a fim, pronto e desejoso de confiar-se. Ele introduzir-se-á, diz o seu nome ao ator, e vigia-o muito cuidadosamente. Ele quer ainda confiar o ator completamente. Quanto mais ansioso o ator quer conhece-lo, mais depressa o personagem toma dimensões físicas, e o ator começa a ouvir o som de sua voz e a qualidade da sua linguagem. O personagem exprimir-se-á por si. Mas ele vai de um assunto para outro, raramente seguindo por completo um fio de pensamento. Vagueia ao longo. Ele pode falar de suas aspirações, suas atitudes mentais, sua educação, seus hábitos, seus orgulhos, sua natureza emotiva e das maneiras pelas quais ele reage aos fatos, situações e condições diferentes. Ele nada sabe das situações na peça, porque está construindo o “background” do qual se produzem as situações. Consegue cada vez mais confidências. Diz coisas sobre si que podem assustar o ator. E mais! Agora, começa a vivê-las  confundir o ator. Mas este escuta tudo, sabe e vigia tudo que ele faz. TUDO! Por sua vez, o ator revelou o que um personagem tanto nele confiou. Em primeiro lugar, porque o ator escutou-o atentamente; e, em segundo lugar, porque acreditou no personagem, implicitamente. O personagem jamais repousa. Pouco a pouco, ele terá dado ao ator toda a matéria prima da sua existência. Desta matéria, o ator como o autor seleciona e urde as teias mais significativas, num modelo artístico. Somente após o ator imbuir-se de tudo do personagem, é que pode avaliar qual o papel do personagem apresentado na peça. Para o autor, de acordo com Pirandello, expõe apenas tanto quanto for necessário a peça, tomando em consideração os outros personagens, e toda vez insinuando a vida interior irrevelada de cada um.
Após estes tratamentos preliminares com o personagem, o ator faz certas indagações sobre si. Que parcela de sua estrutura, interna ou externa, está conforme o personagem, e qual não está? Especialmente a interna. Trabalhar na externa, vem em seguida, mais tarde. Uma vez que as estruturas interna e externa do ator e do personagem estejam identificadas, o trabalho sólido cessa. “Metade da batalha do ator está ganha – acredita Helen Hayes – uma vez que um retrato fiel do personagem está firmemente gravado em seus sentidos”. Senão, por que treinou o corpo e a voz para corresponder aos ditames intrínsecos do espírito e da imaginação? Se o ator acha que a sua base interna ou interior (o espírito, a memória, a imaginação, o sentimento) e a sua estrutura externa (o corpo, a voz) são muito semelhantes ao personagem, sua tarefa está enormemente simplificada. Ele não quer criar tantas novas imagens quanto o ator cuja base não é como o personagem. Mas onde o ator e o personagem estão opostos em temperamento e semelhança, o ator fará bem em tornar a natureza o seu guia, e procura na vida cotidiana em torno de si, ou em sua própria memória empírica, aquelas pessoas e situações que mais intimamente sugerem o personagem. O ator será cuidadoso em utilizar tais pessoas como matéria prima somente, e não como modelos para imitação do personagem. Apenas não aqui como o personagem na peça é concebido pelo próprio ator, será a criação final correta e verdadeira. Mas o ator experimentará guardar suas impressões “num estado de fluidez”, de modo a permitir a frase de Miss Cornell, e estar preparado para modificar, mudar, cortar e acrescentar quando mais tarde ele conduz o personagem ao ensaio.  

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sexta-feira, 27 de junho de 2014

ETAPAS NA PREPARAÇÃO DE UM PAPEL 1


1ª etapa: Conhecimento da peça e crença na verdade imaginária


A fase inicial da criação do personagem é apenas dedicada à concepção. O ator sabe que o personagem está vivo em virtude da peça teatral. Portanto, começa a concebê-lo, familiarizando-se imediatamente com a peça toda. O assunto da peça. Ele a lê repetidas vezes, até que saiba o que está contido nela. Não faz diferença se ele pensa nas entrelinhas ou no mordomo. Artisticamente, não existe algo como um papel principal ou pequeno. Praticamente, sim. Compreendendo a peça toda, ele aceita o “sine qua non” da produção. Ao rejeitar o texto como foi escrito e concebido pelo autor, está rejeitando o elemento mais importante do Teatro.
Durante a fase inicial, o ator cultiva a atitude de espírito de que a peça é uma verdade e não uma ficção. Ou melhor, crê na ficção (o “if” criador, mágico, de Stanislavski). Não duvida, mas aceita. Acredita infantilmente (como faz a criança) que os personagens são pessoas e os episódios reais. Uma vez que o ator comece por acreditar na verdade imaginária, franca e incondicionalmente, começou por dominar o que é, talvez, o maior segredo de sua arte. Porém, suas prestidigitações imaginárias devem ser as suas rotas traçadas firmemente na peça.


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sexta-feira, 20 de junho de 2014

Desempenho definido


Um dicionário estabelece que representar é “mover a ação”; que representar um papel é “manter o papel de um dos personagens numa peça teatral; por isso, simular, fingir”; e o personagem é “aquilo que uma pessoa ou coisa realmente é”.
Muito nestas definições é valioso, porém algo é desprezado. Realmente, o desempenho denota ação, e o personagem a realidade essencial de um indivíduo. Mas, o desempenho não é simular ou fingir. Esta noção falsa obscurece qualquer verdadeira compreensão da teoria e da prática da Arte. Além de simular ou fingir, o desempenho é viver em termos do teatro. O teatro concebe a vida em relação a seus próprios objetivos, de acordo com suas e próprias leis imutáveis. Estas leis são que um personagem será ouvido, visto e sentido em termos que a plateia possa apreciar o comportamento dele. Apesar dessas leis serem baseadas fundamentalmente nas leis naturais, são convenções criadas pela verdadeira natureza do teatro médio.
Representar, portanto, pode ser definido como aquele processo em que o ator concebe o personagem e revela-o perante a plateia. Concepção e revelação: - eis que toda a arte pode se resumir nestas duas palavras.
Não há menção como o ator se orientará ao longo da difícil estrada da criação do personagem? Naturalmente que sim, pois há tantos métodos de criação do personagem quantos atores, diretores, produtores e teatrólogos existem. Esta tentativa é bem uma outra opinião, como nenhuma análise por escrito pode ajudar a esclarecer totalmente uma arte ao mesmo tempo viva e efêmera.
Em primeiro lugar, o ator sincero desejará compreender definitivamente quais são os seus problemas e, em segundo lugar, trabalhará para solucioná-los. Aliás, o desempenho será quando muito acidental, acertado ou falho, e levará a voos incertos de inspiração. À pergunta: Como pode o ator ser personagem? A resposta é que ele não pode, pois se, por milagre, puder sê-lo, será um maníaco, e o teatro não é lugar para maníacos. Mas esperem! É o personagem de carne e sangue ou é imaginário? Não é um fantasma vivo num mundo de visão? E não julga habitar o corpo de carne e sangue de um ser humano real, de modo a viver no teatro?
Esta obliquidade é animadora. Como pode o ator tornar-se personagem em termos teatrais? Em primeiro lugar, quais são os elementos do teatro? O texto, o ator, a cena. Provavelmente a lei mais fundamental de qualquer arte, e esta é em especial a verdadeira para com a arte teatral, é aceitar, jamais rejeitar a matéria da qual a criação final tem de ser concebida. Não como a maioria dos atores, em que o desempenho requer seja a sua própria matéria. Concebe sua criação com ele próprio, como um meio. Em seguida, como identificar tudo do ator, com esse ser imaginário que é o personagem? O ator que tem ainda de preparar-se tecnicamente, não estará preparado para tal identificação. Antes, pode conhecer um personagem que deve conhecer-se a si próprio. Consequentemente, ele fará o seu corpo forte e sadio, sua voz clara e ressonante e a sua fala incisiva e articulada. E ele fá-los-á corresponder perfeitamente ao seu espírito, à sua imaginação e aos seus sentimentos.* Somente após esta fase de auto conhecimento ou, pelo menos, até que esta parte do seu preparo esteja bem adiantada, é que o ator está preparado para a fase do seu personagem conhecido.
*(nota do autor) Estou reservando a natureza desta técnica preliminar e o preparo criador para outra obra.

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segunda-feira, 9 de junho de 2014

A EVOLUÇÃO DO PERSONAGEM


CONSELHO DE HAMLET AOS ATORES

“Rogo-lhes que digam o texto como lhes mostrarei, com língua fácil: mas se encherem com ele a boca, à laia de certos atores, tanto se me dará que o pregoeiro público brade as minhas frases. Nem gesticulem assim, serrando o ar com a mão, mas sejam moderados: pois na própria torrente, tempestade e – é lícito que o diga – torvelinho de paixão, devem conquistar e adquirir um auto controle que lhes imponha medida. Oh, fere-me até a alma ouvir um ruidoso  ator dilacerar uma paixão até a esfrangalhar, em verdadeiros trapos, e fender os ouvidos dos espectadores da plateia, que na maioria são incapazes de apreciar algo diferente de incompreensíveis pantomimas e barulheira. Eu gostaria de que tal ator fosse açoitado por exagerar o papel de Termagante; expulsem o Herodes: rogo-lhes que o anulem.
Não sejam tão pouco incaracterísticos, mas deixem que o discernimento seja o preceptor: ajustem o gesto à palavra, esta àquele, com o cuidado especial de não ultrapassarem a natural moderação: pois o exagero foge ao propósito do teatro. O objetivo deste, a princípio e agora, foi e é oferecer como que um espelho à natureza; mostrar à virtude suas próprias características, ao escárnio a sua própria feição, e à sociedade da época a sua verdadeira estrutura e realidade... Ora, o excesso ou a carência, embora façam rir o imbecil, desgostam o circunspecto; e a opinião deste deve pesar mais, na estima de vocês, do que toda uma assistência de néscios. Ora, existem atores que eu vi representarem – e aos quais ouvi muitos erguerem excelsos louvores, não falando impiamente – que nem possuíam o acento de cristãos, nem se portavam como algum cristão, pagão ou homem; entonavam-se e mugiam tanto, que – pus-me a pensar – os homens haviam sido feitos, e mal, por jornaleiros da natureza, tão abominavelmente eles imitavam a humanidade.”
HAMLET, 3° ato, cena II

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segunda-feira, 2 de junho de 2014

NOVA FASE


Quando idealizei o Instituto, sempre desejei que o nosso foco fosse a educação. Afinal, a grande obra de Osmar foi a formação de público para o teatro. Nós gostaríamos de aprofundar essa ideia, continuá-la, talvez de outra forma, focando mais o teatro como um meio.

Como ainda não possuímos sede própria, cursos e palestras, oficinas e leituras somente são feitas quando nos oferecem um local. Então, recordei-me de todos os textos e anotações de Osmar dos cursos ministrados por ele. Como sempre, encontrei muita coisa relevante e instigante, textos teóricos e práticos que muitas vezes foram utilizados inclusive por mim em cursos e oficinas. 

Assim sendo, o Instituto publicará os textos inéditos na cronologia estabelecida por ele, com comentários atuais.

Esperamos que a leitura e o estudo sirvam a todos.

domingo, 25 de maio de 2014

O TEATRO HOJE



Outro dia eu li numa revista do Aderbal Freire Filho, um artigo do Streller e ele fala justamente do caminho que o teatro tomou. Acho que o que se tenta fazer do teatro, ou seja, cada um fazer diferente do outro, ser mais original que o outro, faz com que o velho texto desapareça. O Streller fala disso e eu concordo, as pessoas se desligaram do texto, cortam, mudam a intenção do autor, tudo para ser original e a crítica apoia, também não entendem de teatro, tem que apoiar mesmo. No Brasil em geral, o respeito ao texto que antes era fundamental no teatro, deixou de existir. Parece que é um teatro improvisado, mas eles ensaiam, trabalham para conseguir as coisas deles, você lê entrevistas, mas é um negócio tão confuso, tão atrapalhado, não se entende. É um pouco de que em terra de cego, quem tem um olho é rei, então eles não definem o caminho que estão seguindo, ou o estilo, porque não conhecem nem estilo. No Brasil não há tradição de teatro, é esse o problema. Por isso é que o teatro popular é importante, para acostumar o público ao teatro. O Jean Villar falava isso, fazer as pessoas gostarem de teatro. O teatro não é uma coisa nova, ele vem da Grécia, o teatro grego era uma coisa que parava a cidade para assistir os espetáculos, como parava tudo também para as Olimpíadas. Eles tinham tradição de teatro, o teatro tinha trinta mil lugares, passavam o dia assistindo, porque de noite não havia luz para o espetáculo. E isso foi se perdendo, porque todo mundo quer ser original e com isso acaba saindo um monte de besteira. Acho complicado. Por exemplo o pessoal achava ou acha, que teatro popular é aquele feito por gente trabalhadora, com problema de trabalhador, de reivindicação política e social, acho que pode ter um pouco disso, só não pode ser feito por gente inexperiente, porque aí o público não gosta. Eu fiz teatro amador, a gente sabe, vai a família assistir, os amigos e cada coisa que acontece, eles dão risada. O teatro popular, como a gente fez no TPS, tinha um certo sentido de educar o público, tanto que criou um público que frequentava todas as peças, eles iam assistir todas. E tem gente que só foi ao teatro lá. O teatro popular no Brasil não existe. O que sobrou do TPS ainda resiste um pouco, porque fizeram peças quase todas meio populares, que atingem o público, uma ou outra peça com tema que não interessava, ou mal feita, que não atingiu ao público. Quando a peça é brasileira ou um clássico até consegue atingir, a diferença é que todo mundo quer tentar fazer teatro popular, na verdade o Plínio Marcos é que tem razão “teatro popular é aquele que dá certo”. É verdade, deu certo, é popular. Se o Juca faz uma peça com sucesso que fica dois anos em cartaz, é popular, mas não no sentido de atingir uma camada mais pobre da população. São Paulo e Rio são cidades de muita gente e com dinheiro para pagar um ingresso, a classe média alta pode, porque a classe média baixa já não tem mais condições de ir ao teatro. O governo que patrocina espetáculos cujos ingressos são pagos, que eu acho ótimo porque dá emprego para a classe teatral, é que deveria atingir a camada social mais desprovida, o que não tem ocorrido. Eles fazem uma temporada em que os ingressos são vendidos mais baratos em Kombis, coisas assim durante uma temporada, que também não resolvem o problema. Até ajuda a quem pode pagar, esperar a promoção, assim mesmo o preço dos ingressos não são muito baratos, nem nessa ocasião. O Governo é que tem condições de fazer um teatro popular. O teatro popular perdeu a vez, a falta de dinheiro, a pobreza, se não fizer como na França, o Jean Villar por exemplo, onde o Estado financiava o TNP e não só o TNP, ele financiava várias companhias, onde se podia fazer espetáculos a preço muito baixo; o Governo não financiava tudo, digamos que o teatro normal cobrava 30 Francos, ele cobrava 10 Francos, sendo que o poder aquisitivo do francês é muito mais alto, o salário mínimo lá é oito, dez vezes maior que o nosso. No Brasil os governos não se interessam. Eu trabalhei na CET e tentei fazer uma companhia do Estado, na época era o Abreu Sodré o governador e ele queria, tanto que ele chamou a Comissão para falar sobre isso, mas não de caráter popular não, ele queria uma companhia tipo Comedie Française, ele tinha essa mania, o Décio de Almeida Prado foi contra, ele era o Presidente da Comissão nessa época. Ele achava que podia ser paternalista. Eu e alguns mais nos batemos por isso, mas a maioria composta de empresários era contra, não interessava, o interesse deles era que o Estado distribuísse o dinheiro entre as companhias. E a companhia do Estado não saiu e podia ser uma companhia nos moldes do Sesi, sem cobrar ingressos que é a política mantida até agora, que servisse a todos, ricos e pobres. Num ponto o Décio tinha razão, podia virar cabide de emprego. Na França o Jean Villar que era um homem de esquerda tinha de lidar com o ministro da cultura, que era de direita, porém ele só se indispôs com o Jean Villar, quando ele fez um dos personagens que era do governo. Aqui se o cara é de esquerda e o governo é de direita não dá. A esquerda no Brasil precisa viver, então não dá, transigem, as eleições passadas se viu. O que tem acontecido no Brasil é que as pessoas mudam de ideologia e a ideologia é como sangue que corre no seu corpo, é sua cabeça, não pode mudar. Não é o caso de fazer discurso político, mesmo porque as forças revolucionárias tiram do poder quem faz esse tipo de discurso, como é o caso do Jânio Quadros, ele condecorou o Che Guevara, depois mudou. O ministro atual da reforma agrária é socialista ele é do PPS, o PCB antigo, ele falou outro dia no Opinião Nacional - “eu estou de licença do partido”, ele tirou licença do partido porque está fazendo parte de um governo reacionário, Ah! mas o FHC não é reacionário. Porra, não é reacionário, ele é aliado do PFL, que é a direita brasileira! Mas o ministro falou que continua socialista. E assim é no teatro, que é muito pior, porque as pessoas em geral não têm comprometimento nenhum com ideologia nenhuma, com convicção nenhuma, com ética nenhuma. Às vezes tem individualmente, mas também é da boca para fora. Porque no tempo da ditadura a classe teatral se reunia para fazer passeata, para fazer muitas coisas. A própria Cacilda Becker, que nunca entendeu de política, que nunca foi política, de repente participava, porque tinham pessoas que puxavam por ela, faziam-na participar. Ela era atriz, não tinha ideologia política definida, foi Presidente da CET, mas ela seguia o que as pessoas mais influentes dentro da Comissão cantavam para ela, não que ela fosse uma idiota, uma boba, não era não, ela era muito viva, tomava mais comprimidos do que eu. Ela era uma bandeira dentro do teatro, só que as pessoas usavam essa bandeira em seus interesses. Eu sempre me dei muito bem com ela. Mas ela viveu numa época muito turbulenta e como nessa época a esquerda estava esfacelada, não tomou conta, porque se a esquerda tomasse conta dela, acabava a CET, porque o Castelano era do partido do Franco Montoro, era Secretário de Governo nessa época, depois entrou o Orlando Zancaner que colocou o Jairo Arco e Flexa, eu fui embora, porque éramos contra as idéias do Zancaner que era um reacionário de primeira categoria. Mas teatro popular, ninguém se interessa, eu sei porque tentei fazer no Sesi alguma coisa, mas agora que reformaram lá, podia-se fazer muita coisa, mas não interessa a eles. O Jean Villar fazia tudo, até pic-nic, baile, ele tinha os amigos do teatro popular, que eu quis fazer no Sesi como era na época dos italianos que faziam peças, bailes, quermesses, era a Sociedade Lítero Musical, ele fazia convescotes. A política cultural do Sesc é muito superior a do Sesi. Tudo isso depende de quem entra para tomar conta para ser presidente, a mentalidade do industrial é diferente da mentalidade do comerciário, a cabeça do industrial é mais arejada do que a do comerciante, mas é também mais reacionária. Parece que a política da Federação das Indústrias com a entrada desse rapaz mudou um pouco. Ele é mais arejado e parece sério, é de família de gente séria. Para por o nome TEATRO POPULAR DO SESI já foi uma luta... (ORC 2001)

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segunda-feira, 12 de maio de 2014

VESTIDO DE NOIVA EM SÃO PAULO



Eu me lembro que no espetáculo do “Vestido de Noiva”, quando foi feito aqui no Municipal, o Oswald de Andrade assistiu a peça num camarote, ele e Tarcila do Amaral. Ao final do espetáculo foi promovido pelo Miroel um debate sobre a peça, até veio o Nelson Rodrigues, também faziam parte alguns psiquiatras e eu me lembro bem que o Nelson disse que a peça dele não tinha nada com Freud nem com nada. E começaram a discutir Freud ortodoxo, Freud não sei o que, e ele dizia: - “minha peça não tem nada a ver com isso, eu nunca estudei Freud na minha vida”. Eu achava que era mentira, mas também pode ser que não, porque o Freud pegou o Édipo Rei e criou o complexo de Édipo, que nem foi ele quem criou, foi o Sófocles. Portanto, no subconsciente o Nelson poderia ter se baseado no Freud. Mas no calor dos debates, o Oswald de Andrade “metia o pau” na peça, acho que um pouco de ódio, porque ninguém montava as peças dele. Bom, no decorrer dos debates, a coisa foi inflamando tanto, que de repente o Oswald de Andrade grita do camarote dele: - “Olha, eu acho que o Nelson Rodrigues é o inocente do Leblon”, desancou o Nelson e foi embora. Das pessoas que estavam lá, o crítico Décio, o Nicanor Miranda, nunca ninguém citou isso, quem podia falar sobre isso era o Miroel, mas ele nunca tocou nisso. Mas o Oswald arrasou o Nelson de um jeito irreverente, terrível. Eu comentei isso com o None, ele também não gostava do Nelson achava que ele era um chato. Meu convívio com ele foi ótimo, depois ele saiu do Teatro Municipal e aos poucos fui perdendo contato com o None. Eu soube da morte dele por acaso. Aquele espetáculo dos italianos acabou sendo feito na sala azul do Teatro Odeon, na Consolação, onde eu assisti, depois foram para o Municipal, era um espetáculo maravilhoso, Ettore Gianini era o diretor, era cantado, dançado, representado, o cenário, acho,  era do Gianni Ratto.

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segunda-feira, 28 de abril de 2014

OS CHATOS BOYS

DIAS GOMES, OSWALD DE ANDRADE E O FILHO NONE

Eu estou lendo o livro do Dias Gomes, que é um autor teatral, que foi militante do Partido Comunista, tem uma peça de sucesso que depois foi feito um filme – “O Pagador de Promessa”, que foi um sucesso estrondoso, o filme ganhou a Palma de Ouro em Paris. Eu recebi o livro do Dias Gomes e junto recebi um livro sobre os Chatos Boys, que o Oswald de Andrade chamava assim, os integrantes da Revista Clima, aliás um livro maravilhoso, lembrei-me de uma pessoa que foi muito meu amigo, que era filho do Oswald de Andrade, filho dele com a Kamia, ele casou tantas vezes, era o Osvaldo de Andrade Filho, acho que era o primeiro filho dele, nós o chamávamos de None. Ele foi diretor do Teatro Municipal, depois que o Ademar saiu da Prefeitura, não me lembro quem era o prefeito, foi quando veio o “Carrocello Napolitano” para uma temporada, mas como eu tinha pedido o teatro antes, o None falou para mim – “não...não”. 

Acho que era de família, o romance do pai dele “O território humano” fala dos italianos daqui de São Paulo de uma maneira não muito agradável. – “Você não desiste do teatro, você já pagou a taxa, não vou dar para essa italianada não” ele disse. Éramos amigos de nos encontrar na Livraria Monteiro Lobato na Av. São João. Ele pintava. Um dia ele me levou na casa dele que era a casa do pai dele, acho que estava morando lá, ou estava viajando, porque ele viajava muito o Oswald de Andrade.  

Li também nesse livro que saiu dos Chato Boys, que o pai dele adorava teatro, fez um palco no porão da casa, porque as casas na Rua Martiniano de Carvalho onde ele morava tinham porões como todas as outras, tem até uma casa lá que agora é patrimônio histórico que era um cortiço, não era a casa dele, é claro. Então ele fez um palco, era uma maquete de palco, com urdimento com tudo, para ele escrever as peças dele, e o None, foi um grande amigo na época, ele me mostrou as pinturas uma vez. Ele era uma pessoa excepcional, um pouco diferente do pai, que era um pouco agressivo.