segunda-feira, 9 de junho de 2014

A EVOLUÇÃO DO PERSONAGEM


CONSELHO DE HAMLET AOS ATORES

“Rogo-lhes que digam o texto como lhes mostrarei, com língua fácil: mas se encherem com ele a boca, à laia de certos atores, tanto se me dará que o pregoeiro público brade as minhas frases. Nem gesticulem assim, serrando o ar com a mão, mas sejam moderados: pois na própria torrente, tempestade e – é lícito que o diga – torvelinho de paixão, devem conquistar e adquirir um auto controle que lhes imponha medida. Oh, fere-me até a alma ouvir um ruidoso  ator dilacerar uma paixão até a esfrangalhar, em verdadeiros trapos, e fender os ouvidos dos espectadores da plateia, que na maioria são incapazes de apreciar algo diferente de incompreensíveis pantomimas e barulheira. Eu gostaria de que tal ator fosse açoitado por exagerar o papel de Termagante; expulsem o Herodes: rogo-lhes que o anulem.
Não sejam tão pouco incaracterísticos, mas deixem que o discernimento seja o preceptor: ajustem o gesto à palavra, esta àquele, com o cuidado especial de não ultrapassarem a natural moderação: pois o exagero foge ao propósito do teatro. O objetivo deste, a princípio e agora, foi e é oferecer como que um espelho à natureza; mostrar à virtude suas próprias características, ao escárnio a sua própria feição, e à sociedade da época a sua verdadeira estrutura e realidade... Ora, o excesso ou a carência, embora façam rir o imbecil, desgostam o circunspecto; e a opinião deste deve pesar mais, na estima de vocês, do que toda uma assistência de néscios. Ora, existem atores que eu vi representarem – e aos quais ouvi muitos erguerem excelsos louvores, não falando impiamente – que nem possuíam o acento de cristãos, nem se portavam como algum cristão, pagão ou homem; entonavam-se e mugiam tanto, que – pus-me a pensar – os homens haviam sido feitos, e mal, por jornaleiros da natureza, tão abominavelmente eles imitavam a humanidade.”
HAMLET, 3° ato, cena II

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