sábado, 17 de janeiro de 2015

A EXPRESSÃO NO TEATRO 3



A voz e a linguagem (1ª parte)

As leis da pantomima são naturais para todas as pessoas. Todos nós excitamos o verdadeiro momento desde que chegamos ao mundo. O movimento é característico da vida, desde o berço até o túmulo. Exceto para as características individuais e raciais, as idiossincrasias e os maneirismos, o movimento é o mesmo no mundo inteiro. O corpo em movimento comunica-se pela súplica ao olhar. Por exemplo, para transmitir a lua, pode fazer simplesmente indicando-a. Se nenhuma lua existir brilhando, o corpo assumirá as verdadeiras características da lua. Há dificuldade, porém altamente criadora. A pantomima é a linguagem universal da expressão. Imagine-se o homem primitivo informando os seus camaradas sequiosos e livres, de que ele descobriu uma fonte a certa distância, longe. Quão eloquentes naturalmente serão os seus movimentos físicos e seus gritos vocais! Sua linguagem falada (a fala) deve afinal ter sido muito rudimentar, porque o seu corpo e a sua voz foram em si canais adequados à comunicação de suas necessidades ordinárias (comuns). Considerando que a voz e a pantomima são naturais em relação ao homem, a linguagem é adquirida. Ela é o resultado da civilização. Pela voz traduz-se que o som que se emite através da boca ou do nariz, quando as cordas vocais na laringe são postas em vibração pelo ar exalado. A linguagem é a voz ou o ar em articulação através de certas adaptações arbitrárias do maxilar, dos lábios, dos dentes, do céu da boca e da língua. A linguagem é a palavra falada. A simples articulação das unidades de som t – a – b – l inicia o quadro de uma tabela para a mente de alguém que converse com a língua inglesa, porém para nenhum outro. Por isso, a linguagem falada é convencional e local. Por outro lado, para exprimir a tabela pantomimicamente exigir-se-á tempo + flexibilidade do corpo. Porém ela será compreendida por todos que tenham olhos para ver. De maneira a satisfazer as exigências complexas da vida moderna, a linguagem tornou uma indispensável e convencional interrupção e substituto da comunicação vocal e pantomímica. Um sólido amortecimento dos dois mais recentes canais da expressão natural é o preço que pagamos pela rapidez e conveniência da civilização.

Quais são as exigências teatrais, considerando-se a voz e a linguagem?

Antes de por o pé no palco, o ator submete-se a um treinamento rigoroso, técnico e criador, na voz e na linguagem. Nos seus estudos técnicos desenvolve a voz na flexibilidade e ressonância, e purifica a linguagem por meio do domínio dos elementos sonoros dela. Em seus estudos criadores ele treina ao mesmo tempo a voz e a linguagem, a fim de corresponder às atividades da mente, da memória e, acima de tudo, da imaginação.

Sua preparação técnico-criadora prepara-o ao trabalho vindouro. Para o verdadeiro momento, o ator começa a falar sob o palco, sua voz e sua linguagem devem conduzir-se clara e distintamente ao ouvido da plateia. Considerando que, na vida, utilizamos um volume de voz e concisão de linguagem suficiente para levar apenas ao ouvido da pessoa citada, no teatro o ator deve fazer mais. Através da ressonância (não ruído) e cuidadosa articulação (não declamação), ele deve enriquecer o ouvido da plateia. A plateia deve ouvir e compreender com facilidade tudo o que o personagem diz. Esta lei é fundamental. Pois se a plateia acha difícil ouvir e compreender, ou é importunada pela áspera e desagradável qualidade da pronúncia do ator, não pode propriamente prestar a sua atenção ao personagem e à peça. Uma qualidade de voz agradável ao ouvido e uma concisão de linguagem facilmente compreendidas, são os padrões aos quais o ator deve apegar-se se o personagem quiser viver para a plateia.

Embora sejam fundamentais, a audibilidade e compreensibilidade não são fins em si. O ator pode ser ouvido e compreendido com facilidade e ainda falhar essencialmente em seu objetivo. Pois ele deve ser ouvido e compreendido como o personagem. Sua projeção de voz e linguagem nunca deve perturbar os traços sutis que o ligam como personagem a outros personagens e outras situações. Aí deve permanecer sempre presente aquela realidade do personagem, não obstante a ampliação da voz e da linguagem.

No teatro, a voz e a linguagem devem servir ao personagem não ao ator. É o personagem quem fala. O ator é apenas o meio através do qual o personagem se revela à plateia. Sujeito a determinadas limitações impostas sobre ele pela plateia, o personagem é o juiz do que será a sua linguagem. O “digam as palavras – rogo-vos – como eu as pronunciei para vocês”, dito por Hamlet, em seu conselho aos atores, - pode bem ser o conselho de um personagem a outro ator, confiado na sua criação. O ambiente, os comparsas, o chamamento de atenção, a preparação do personagem e a plateia, são todos fatores contribuintes. Uma plateia aguardará ansiosamente um garoto na rua, criado em ruas mortas da cidade de Nova Iorque, falar como um jovem culto educado no luxo, e cujos pais falam um inglês perfeito. Entretanto, ainda a linguagem do garoto desalinhado e sujo pode ser, deve, se o acaso for para ter significado no teatro, permanecer meridional (do sul) falará com um acento sulino. Mas se a plateia for formada por gente do norte, o personagem quererá suavizar os provincianismos radicais do dialeto sulista, apenas compreendido pelas pessoas familiarizadas com ele.

Como a linguagem do ator, a qualidade de sua voz é considerada pelo personagem. De fato, isto dependerá do tipo de personagem e da situação em que ele se encontra. A voz revelará se o personagem é homem ou mulher, jovem ou velho, forte ou fraco, insolente ou tímido, rude ou amável, obstinado ou agradável. Pintará a verdadeira alma do personagem e refletirá o total de suas experiências significativas. A voz desenhará o indivíduo tão claramente que mesmo o cego, de acordo com Coquelin, pode vê-lo. Mas inclusive a qualidade fundamental da voz mudará ao adaptar-se a situação especial em que o personagem possa estar. Pois há momentos em que mesmo o forte pareça fraco, e o fraco forte; o rude amável e o amável rude; o jovem velho e o velho jovem. Isto acontece assim porque o tipo de ambiente direto (as pessoas ou as coisas num lugar) afetarão o personagem. Sendo essencialmente imitador, o homem consciente ou não, tende a assumir em termos do corpo e da voz as verdadeiras características do ambiente, a menos que a sua natureza seja essa, para abandoná-las. “Eu sou parte – disse Ulysses no poema de Tennyson – de tudo que eu encontrar”.

A voz e a linguagem, no teatro como na vida, devem ser coloquiais. Na vida, um orador é conversador quando transmite perfeitamente os seus desejos, pensamentos e sentimentos a um outro indivíduo. No palco, o ator é coloquial quando transmite claramente os desejos, pensamentos e sentimentos do personagem a outros personagens, para o bem-estar da plateia.
A verdadeira dicção relativa à conversação é dependente da flexibilidade ideal quando o pensamento, o sentimento ou o desejo se manifestam através da voz somente da voz. As palavras faladas são, como o foram, rosários sobre o fio da qualidade da voz. A verdadeira qualidade vocal variará em flexibilidade, de acordo com, se as palavras são ou não utilizadas. A voz torna-se mais flexível e expressiva quando as palavras estão ausentes, do que quando estão presentes. As palavras podem tornar a comunicação mais particularizada, porém o seu emprego não alterará essencialmente a qualidade fundamental da voz, mesmo que elas possam afetar a sua flexibilidade.

A flexibilidade da voz do ator dependerá dos pensamentos, sentimentos e desejos do personagem, a partir de sua concentração sobre as pessoas e as coisas, num ambiente. A voz é mais viva quando corresponde espontaneamente ao objeto da experiência perceptiva. No entanto, isto pressupõe que o orador entrou primeiro em contato com o objeto, seja ele pessoa ou coisa, não obstante os cinco sentidos. Esse contato pode ser direto, na memória ou na imaginação. No contato direto a voz é mais vibrante, viva e flexível, porque a experiência atual é sempre nova em relação àquela que desfrutamos vivendo. No contato da memória a voz é também vibrante, de acordo com o tipo de imagem mental. Aqui a voz pode assumir uma nota nostálgica se a imagem for agradável e muito distante, uma nota áspera se desagradável e próxima. No contato imaginário, a voz pode ser plena de esperança ou desespero, de acordo com a natureza da imagem desenhada na imaginação. Tão logo o ator se identifica com o passado, presente e a vida imaginária do personagem e é sensibilizado para tudo que caia dentro da aura de sua concentração no palco, a qualidade de sua voz levará o selo da verdade. A sua voz refletirá o personagem e a situação somente se ele formar uma imagem bem definida do personagem e da situação e for capaz livremente de projetar tal imagem em termos do seu corpo e sua voz. Se ele fizer isto, o ator não necessita nunca estimular um modelo de artifício vocal como substituto.


Se os atores falham em obter uma flexibilidade real de voz, é porque falham em tomar contato com a realidade das circunstâncias externas do personagem. Porém, a flexibilidade vocal sozinha não fará a conversação coloquial, a menos que as palavras do personagem sejam ditas com uma inteira compreensão de seu conteúdo. As palavras são rótulos que damos ao mundo em que vemos, ouvimos, tocamos, cheiramos e sentimos. Elas são formas convencionais que transmitem os nossos pensamentos, sentimentos e desejos. A análise de qualquer período revelará a presença de um sujeito, um verbo e um predicado, quer expresso ou implícito. Na sentença eu quero a maçã, eu quero dizer a minha pessoa, quero, um desejo da ação, maçã, um tipo de fruta. A (the), apenas denota uma maçã especial em relação a exclusão de todas as outras maçãs, nada significa em absoluto. A declaração por escrito “eu quero uma maçã” será compreendido por todos que possam ler inglês, mas será interpretada de várias maneiras diferentes. No entanto, quando se fala “quero a maçã”, pode ter menos significação, dependendo do estado do comportamento individual de quem quer a maçã. Sua flexibilidade vocal, colorida pelo seu comportamento, afetará a natureza das palavras faladas. Linguagem viva é quando se adapta por meio da matéria-prima (a voz), da qual, por sua vez, procede a cor da imagem de que a palavra é um rótulo. As palavras conduzem a vida somente quando a matéria que as torna possíveis, está presente naquele que fala. E a matéria está presente no momento em que e somente quando os sentidos tenham tomado contato com o mundo da realidade. (ORC)