quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Putz no Rio de Janeiro


TRECHO CRÍTICA – TRIBUNA DA IMPRENSA (RJ) – POR FLÁVIO MARINHO – 09/03/1976
Um Putz nem tão absurdo
Segundo Luigi Pirandello – autor sugerido pela leitura de Putz de Murray Schisgal – “não pode haver nenhuma verdade, já que a verdade varia de acordo com o indivíduo e as circunstâncias; não pode haver comunicação, pois as palavras enunciam o que parece ser e não o que realmente é; não pode haver sanidade pois sanidade exige estabilidade, o que não se encontra na condição humana”. Partindo desta proposta básica, parece estar a chave da maioria das respostas às questões apresentadas pelo atual cartaz da Maison de France. Pois é dentro desta perspectiva de mensagens não-definitivas, limitadas pela teoria da relatividade, que o autor monta seu texto. Onde aborda, entre outros temas, o amor, casamento, autopiedade, desespero, suicídio ou homossexualismo. Para isso, concedeu-lhe um tratamento de algum parentesco com o teatro do Absurdo que, no entanto, tem mais a ver com uma comédia humanística de nonsense à la Irmãos Marx. Dentro desta ótica, o amor, por exemplo, não chega a ser definido por Schisgal; ele prefere denunciar o mau uso e o desgaste de tal sentimento nas sociedades tecnológicas que o utilizam como desculpa para insinceridade, desejo físico ou chantagem emocional. Para Schisgal, o importante é mostrar a visão destorcida do amor – vendida em livros ou filmes baratos – que o transformou numa comodidade em vez de uma verdadeira emoção. Dessa forma, o texto se desenvolve por meio de três únicos personagens que simplesmente vão jogando suas idéias, sem se preocupar em coordená-las – e talvez por isso os três dêem a impressão de beirar a insanidade. Mas apenas a impressão, já que, relembrando Pirandello, “não pode haver sanidade, pois sanidade exige estabilidade, o que não se encontra na condição humana”. O maior mérito de Schisgal talvez esteja no fato de que mesmo abordando um tema dramático como a loucura contemporânea enlatada pela sociedade de consumo, Putz consegue se realizar como uma divertida comédia. Nela, Schisgal ironiza os lugares comuns provocados pelo desgaste do amor, goza o self made man americano, o feminismo, além das patéticas situações criadas por ele mesmo. O resultado embora algo pretensioso, senão chega a ser hilariante, pelo menos não nos conduz ao universo dos bocejos.
A competente direção de Osmar Rodrigues Cruz aproveitou o potencial humorístico dos lugares-comuns do texto e partiu para farsa rasgada. Acertou no alvo quanto ao ritmo, no tom exasperado e na limpeza  de desnecessários toques absurdos.(...)
 
 
 
(in Osmar Rodrigues Cruz - Uma Vida no Teatro Hucitec 2001)