domingo, 11 de agosto de 2013

TPS 20 ANOS


“20 de setembro de 1983 foi o dia escolhido para festejar os 20 anos do TPS. O programa comemorativo contou com uma audição da pianista Clara Sverner, interpretando peças de Chiquinha Gonzaga. Décio de Almeida Prado fez uma conferência que infelizmente não posso transcrever porque a gravação está totalmente inaudível e o original ficou perdido, como perdidos ficaram outros importantes documentos, quando da minha saída do teatro. Fizemos uma exposição de fotos de todas as nossas produções, os artistas e técnicos que estavam na companhia desde sua fundação, foram agraciados com uma das belas gravuras de Flávio Império. Organizamos uma revista comemorativa TPS – 20 anos, que ilustrou com fotos e trechos de críticas toda a trajetória do TPS desde a sua fundação, bem como depoimentos de alguns profissionais de teatro sobre o TPS.” (ORC)




Revista comemorativa – 20 Anos de TPS – Trechos da Introdução por Ilka Marinho Zanotto

Quando se tenta falar de TPS, é inevitável a menção de Osmar Rodrigues Cruz o “pai da criança”. Embora os recursos materiais provenham do Sesi, não existisse Osmar, inexistiria o TPS. Essa afirmação detém o consenso geral, principalmente entre os que amamos e/ou fazemos teatro no País.
Por isso ao ser-me encomendada a introdução à revista de comemoração dos 20 Anos do TPS, tarefa que muito me honrou, procurei de imediato desentranhar de seu diretor o “como”, “porque” e “onde” dessa obra extraordinária. Extraordinária pelos números absolutamente inéditos de espectadores envolvidos e, de uma certa maneira, “ganhos” para o teatro, pois na sua maioria industriários que o desconheciam por completo; extraordinária pela continuidade de ação – vinte anos ininterruptos de realizações, recorde brasileiro e quiçá mundial, em se tratando de teatro popular.
Entrevistando o artífice desse milagre, no subsolo espaçoso e superorganizado do belíssimo teatro inaugurado há cinco anos, enquanto em minha cabeça flashes de alguns espetáculos favoritos enovelam-se às teorias várias sobre o assunto – mormente as de Vilar, Planchon e Brecht – e aos discursos explicativos de muitos atores modernos – tive a certeza do alcance da frase de Flávio Império: “Osmar é um diretor que faz questão de não ter carisma”. Com a simplicidade e modéstia que lhe são peculiares, escondia-se constantemente atrás das realizações do TPS de maneira a que toda e qualquer pergunta esbarrasse no biombo da história das encenações, como se desvinculadas fossem do itinerário de seu diretor. Verdade que essa história fala por si só da obstinação e do ideal de um menino que, na década de 30, organizava espetáculos na garagem de sua casa pondo em cena as relações familiares; isso ainda antes de que o pai, viúvo de pouco, tomasse o garoto pela mão e o conduzisse, infalivelmente nos domingos à noite, ao “São Paulo”, ao “Santana”, ao “Colombo” e ao “Cassino Antártica”, no Anhangabaú, onde Beatriz Costa e Oscarito, entre outros, exibiam um repertório inexpressivo tematicamente, mas com montagens de forte apelo popular. Osmar admite hoje que data daí sua vocação para fazer teatro para o grande público. [...]
[...] “a função essencial de lazer, do divertimento e da festa. E se, às vezes, ele é remédio, usando venenos violentos, deve ser um remédio salvador. Deve antes de tudo alegrar-nos” (Jean Vilar).
Ainda como Vilar, Osmar Rodrigues Cruz ostenta uma fidelidade ululante ao seu público: “muitos me perguntaram sobre o elo que nos une. Pois bem... é essa fidelidade, essa teimosia de trabalhar para as classes trabalhadoras e aí está, há muito tempo, o público que corresponde com a mesma fidelidade” (Vilar). Dessa postura estética ao longo de vinte anos, sem um hiato sequer, brotou a continuidade exemplar da trajetória do TPS que familiarizou um público recorde em termos de Brasil – (cinco milhões de espectadores em São Paulo e no interior) – com autores da relevância de Marivaux, Molière, García Lorca, Gil Vicente, Schiller, Gonçalves Dias, Martins Pena, Nelson Rodrigues, Plínio Marcos, entre muitíssimos outros. Cabe-lhe como uma luva essa definição de Gasset: “Continuar não é permanecer no passado nem sequer enquistar-se no presente, mas sim mobilizar-se, ir além, inovar, porém renunciando ao salto sem partir do nada; antes fincando os calcanhares no passado, deslanchar a partir do presente e pari passu, um pé atrás outro à frente, pôr-se em marcha, caminhar, avançar...”.
Cautelosamente, Osmar Rodrigues Cruz soube introduzir o grande público no convívio de obras significativas, certo de que os clássicos, falando uma linguagem universal, seriam compreendidos, desde que levados de forma linear, isto é, dando passagem às obras para que falassem por si. Sua postura deliberada foi então e sempre a de um artesão que monta o espetáculo para servir primordialmente à comunhão do autor com o público; fundamental para o tipo de trabalho que se propôs realizar no âmbito de um teatro popular, essa modéstia não impediu de criar alguns espetáculos mais logrados em termos absolutos, já montados em São Paulo como O Milagre de Annie Sullivan, O Poeta da Vila e Seus Amores, A Falecida e O Santo Milagroso. mesmo os críticos que lhe cobravam maior ousadia nas encenações, renderam-se ante a excelência dessas montagens.
[...]
Paulatinamente, sem deitar falação, esgueirando-se entre os bastidores como a evitar a luz dos refletores, providenciando desde o funcionamento do cadeado do portão dos fundos até a encomenda do texto aos nossos melhores dramaturgos, conciliando os impossíveis – (por exemplo, Plínio Marcos escrevendo para uma entidade patronal) – superando crises, atraindo colaboradores geniais – (e está aí Flávio Império que não me deixa mentir) -, harmonizando elencos estáveis na convivência com astros e estrelas convidados, e, sobretudo, trabalhando dia a dia, o dia todo e todos os dias, com assustadora dedicação e entranhado amor – (é a palavra que ele mais repete quando fala de Teatro) – Osmar Rodrigues Cruz, à sua revelia, já faz parte da história do teatro brasileiro.

(in Osmar Rodrigues Cruz Uma Vida no Teatro Hucitec 2001)


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