segunda-feira, 13 de julho de 2015

Capítulo 1 - segunda parte



O primeiro ator que rompeu com o passado da arte de representar, abrindo o caminho 

para o romantismo e o realismo foi François Joseph Talma (1763/1826). Influenciou o 

teatro inglês e francês, pois preconizava um estudo histórico do papel. No longo prefácio, 

das Memórias de Lekain, Talma enfatiza que a “linguagem teatral deve ser natural e 

verdadeira” e se “a sensibilidade fornece os objetos, a inteligência os coloca em ação”.[1] 
Lekain (Henri Louis Cain 1728/1778), nessa obra, ressalta a importância do texto, do 

idioma, da boa declamação, haja vista o lugar de destaque, em suas memórias, para o 

estudo dos textos que representava. Enquanto ator comediante, Benoit Constant Coquelin 

(1841/1909) especializou-se em representar os criados das peças de Molière, personagens 

que tem em sua estrutura elementos da Commedia dell’Arte. Segundo Cole[2], já nessa 

época, Coquelin estudava seus personagens primeiramente fazendo várias leituras da peça 

toda, localizando a sua posição no contexto da peça, historicamente, psicologicamente e 

moralmente, deduzindo daí seu aspecto físico e seu gestual.

Na França, os intelectuais ainda motivados pelos ideais iluministas e desejando uma mudança da ordem opressora fizeram a Revolução Francesa que inaugurou os princípios de cidadania burguesa. Na Inglaterra, a arte dramática passou por uma revolução, através da atuação de Garrick que foi o início do naturalismo e da iluminação a gás nos teatros. Surgiu na Dinamarca o conceito de teatro nacional cujos patronos eram ainda reis absolutistas. Na Itália, Carlo Goldoni sistematizou a Commedia dell’Arte e renovou a dramaturgia do teatro italiano.

Da metade para o fim do século XVIII, surgiu Gotthold Ephaim Lessing e sua obra Dramaturgia de Hamburgo, também implementou o teatro nacional na Alemanha. Surgiu um movimento reativo ao iluminismo, o Sturm und Drang (Tempestade e Ímpeto), inspirado nas idéias do homem natural de Jean Jacques Rosseau (1712/1778), nos quais o sentimento deve suplantar a razão. Johan Wolfgang Von Goethe (1749/1832) poeta, encenador e ator, em seu romance Wilhelm Meister, sobre a vida de um ator, tece algumas considerações que se aprofundam em Rules for Actors, concebendo um sistema fechado e extremamente rígido para a atuação. Friedrich Schiller (1759/1805) em seu texto Teoria da Tragédia defende a idéia do teatro como meio de desenvolvimento e educação do homem.

Inspirado na obra de Richard Wilhelm Wagner (1813/1883), Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844/1900) escreveu O Nascimento da Tragédia no Espírito da Música, que contém indicações para o teatro, visto que a ópera vem do teatro. Em 1848, foi escrito o Manifesto Comunista, por Marx e Engels e, em 1867, O Capital, por Marx, que inspiraram a revolução proletária de 1917 e influenciaram o teatro também.

George II, Duque de Saxe- Meininger (1826/1914), foi o grande incentivador de um grupo de atores que levou perfeição e habilidade, talento e dedicação, na arte de representar, a toda a Europa. Era o próprio Duque quem desenhava os elaborados figurinos e cenários que tanto encantaram Stanislávski. Foram eles também os responsáveis pelo desenvolvimento da interpretação e da concepção teatral naturalista.

A “Divina Sarah” (1844/1923) como era chamada, representou os clássicos franceses com maestria, excursionou por todo o mundo, inclusive pelo Brasil, levando a arte que era a sua vida. Estudou no Conservatoire de Paris, famoso no século XIX, e foi prontamente contratada pela Comédie Française, por sua inteligência e energia. Deixou-nos um livro teórico no qual preconiza os princípios da interpretação naturalista e um estudo detalhado sobre as personagens femininas de Corneille e Racine.[3]  

Criador do Théâtre Libre, André Antoine (1858/1943) foi ator amador e diretor e se opunha ao estilo formal de representar do Conservatoire e desejava que a arte de representar fosse o estudo da verdade, da observação e da natureza. Publicou um manifesto, Le Théâtre Libre, em 1890, profundamente influenciado pelo estilo dos Meiningen, onde expõe suas idéias e conceitos acerca do ator.

Ator, diretor e grande encenador, Max Reinhardt (1873/1943) iniciou sua carreira no Teatro Municipal de Salzburg. Inspirado no exemplo grego de participação de todos os cidadãos no teatro, cria um grande festival de teatro. Foi responsável pelo verbete ator da Enciclopédia Britânica (edição de 1929) em que inicia dizendo que é pelo ator, e ninguém mais, que o teatro continua.

Jacques Copeau (1878/1949) antes de tornar-se ator, estudou na Sorbonne e foi crítico teatral na Grande Revue. Em 1913 compra um pequeno teatro na Rue du Vieux Colombier e junto a Charles Dullin (1885/1949) e Louis Jouvet fundam um teatro experimental, onde são desenvolvidos exercícios para a preparação do ator em todos os sentidos, dando-se ênfase aos exercícios corporais, a dança e a improvisação. As idéias de Gordon Craig (1872/1966), Etiènne Decroux (1898/1991), Barrault, Émile Jacques Dalcroze (1865/1950) e Antonin Artaud (1896/1948) influenciam as diretrizes do Vieux Colombier. Copeau tornou-se diretor e fez uma revolução na arte de representar quando escreveu o manifesto do Vieux Colombier, texto que expõe seu desejo de criar uma arte de qualidade com atores formados de maneira integral em bases as mais diversas, desde a ênfase no jogo de tensões de Decroux até o teatro da crueldade de Artaud com sua ação curativa, pura e simples .

 

Junto a Charles Dullin, Louis Jouvet (1887/1951) foi um dos discípulos de Copeau. Trabalhou como ator e colaborador no Vieux Colombier. Escreveu Reflexions du Comédien em 1938, porém atuou mais como diretor; seu olhar para o ator, embora tenha sido ator, é mais de um diretor. Para ele, há uma divisão clara entre ator e comediante, sendo o segundo mais completo, haja vista os atores da Commedia dell’Arte.

Aluno de Charles Dullin e parceiro de Etiènne Decroux, Jean-Louis Barrault (1910/1994) trabalhou como ator e professor no Vieux Colombier. Seu conceito de um teatro total, o teatro do silêncio e da palavra, da pantomima, da dança e do canto é exposto em seu livro Nouvelles Réflexions sur le Théâtre. Sua proposta dá grande ênfase à respiração, que para ele é a grande responsável por tudo, desde uma contração muscular, passando pela voz, transformando-se internamente em emoção e expressando-se no gesto, na atitude corporal e no movimento.[4]  

 

Em 1897, em Moscou foi criado o Teatro de Arte de Moscou por Konstantin Sergeievitch Stanislávski (1963/1938) e Vladimir Ivanovich Nemirovich-Danchenko (1858/1943). Stanislávski criou seu sistema enquanto a nata do teatro soviético estava a serviço da revolução: Vsevolod Meyerhold (1873/1940), Eugeni Vakhtângov e Aleksander Iakovlevitch Taírov (1885/1950). Porém, Stanislávski não concordava inteiramente com os preceitos e a nova ordem social, cultural e educativa para o teatro. Então Lunatchárski – Primeiro Comissário do Povo para a Educação e seu amigo pessoal promoveu uma excursão da companhia do Teatro de Arte pela Europa e América. O seu “método”, ao menos de encenação, se dissemina e se expande. Michael Chekhov (1891/1956), sobrinho de Anton, foi o primeiro a levar alguns conceitos de o “método” para os EUA por volta de 1930. Na antiga URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) Meyerhold, segundo Cole[5], “promulga” o teatro teatral criando a bio-mecânica, influenciado pela teoria da associação de Pavlov, acreditando ser o diretor um “escultor de modelos”.

Eugene Vakhtângov (1883/1922) discípulo de Stanislávski vai inspirar Brecht (será citado em seu Diário de Trabalho), pois já preconizava os princípios do estranhamento para o ator. Foi a época da dança, da música e da iluminação no espetáculo teatral. As teorias de Adolphe Appia e Gordon Craig revolucionam a cenografia e a encenação, atingindo também a interpretação. Sigmund Freud (1856/1939) inicia a psicanálise, modificando para sempre os conceitos sobre todo o ser do homem, enquanto Isadora Duncan (1878/1927) revoluciona definitivamente a dança.

No início do século XX, Romain Rolland escreveu Le Théâtre du Peuple, herança do pensamento humanista preocupado com a criação de um teatro popular. Firmin Gémier fundou o Théâtre National Populaire (TNP), em 1920, do qual serão diretores, ao longo dos anos, Jean Vilar e Roger Planchon. Um teatro aberto gratuitamente a todas as classes sociais, com um repertório variado de clássicos a contemporâneos, essa é a ideia bem sucedida do TNP até hoje.

Erwin Piscator (1893/1966) trabalhou no Volksbühne onde foi diretor, seus conceitos de teatro épico introduziram o construtivismo na encenação e influenciaram Brecht. Formado em Ciências Naturais e Literatura, profundamente interessado no seu tempo, Bertolt Brecht (1898/1956) foi o mais completo homem de teatro de sua época; foi ator, diretor, dramaturgo, teórico, poeta e professor, além de ser o criador de uma teoria que transformou por completo a preparação do ator. Criou o estilo épico da arte de representar em oposição ao teatro aristotélico. O pensamento científico e objetivo deveria dominar e pelo efeito de distanciamento, pelo “gestus”, o ator poderia despertar seu público da alienação. Porém, esse despertar era feito também pela música, por atuações perfeitas, por montagens simples embora fossem precisas e pelo riso.

Charles Spencer Chaplin (1889/1977), inglês de nascimento, trabalhou na América do Norte. Iniciou sua carreira num grupo de jovens dançarinos, sua comicidade logo fez sucesso e foi para o music hall. Em 1910, foi para os EUA, onde estreou no cinema de Hollywood, em 1913. Criador de Carlitos, seu personagem marcou um estilo de representação teatral no cinema, com sua habilidade de falar com o corpo, deixando-nos ensinamentos preciosos para a preparação corporal do ator através de seus filmes. Além de ator, foi diretor e compositor de suas trilhas musicais.

Lee Strasberg (1910/1982), que estudou no American Laboratory Theatre com seus mestres Maria Ouspenskaya (1876/1949) e Richard Boleslavski (1889/1937) (alunos de Stanislávski), trouxe definitivamente o “método” aos EUA. A palavra “método” para o sistema de Stanislávski foi por ele definido para o verbete da Enciclopédia Britânica. Criou o Actor’s Studio junto com Stella Adler (1903/1992), atriz e professora, também criadora do Group Theatre no qual desenvolveu, a partir de o “método”, um estilo próprio de preparação de atores incluindo a função social do ator às técnicas de Stanislávski. Nos EUA, sob forte influência de o “método”, dos anos 40 em diante floresceu uma dramaturgia consistente, com personagens ricamente psicologizados de autores como Eugene O’Neill, Clifford Odets e Tennessee Williams. Cuidando da reflexão e da crítica da sociedade americana, destacava-se Arthur Miller, recentemente falecido.

Inúmeras leituras foram feitas por diversos professores, diretores e atores, entretanto, assim como no Brasil, houve uma excessiva psicologização do “método”, tornando a interpretação essencialmente “naturalista”. Contudo, essa “técnica” serviu muito bem ao cinema e à televisão, instituindo o “estilo actor’s studio”, que persiste até hoje, formando atores de todo o mundo.

Os anos 60 deram ênfase a dois conceitos de teatro – o teatro experimental em contraposição aos clássicos e o teatro de criação coletiva, representado pelo Living Theater. Emerge o teatro de protesto contra a guerra novamente.


CONTEMPORANEIDADE

Jerzy Grotowski tem como base para a preparação de atores do seu Teatro Laboratório os exercícios de ritmo de Dullin, o trabalho das ações físicas de Dalcroze, o “método”, a bio-mecânica de Meyerhold e a síntese de Vakhtanghov.

Giorgio Strehler diretor e professor fundou o Piccolo Teatro di Milano junto com Paolo Grassi em 1947. O Piccolo mantém uma escola para atores e um grupo experimental, além de dois elencos fixos. Strehler foi um dos mais importantes diretores brechtianos da Europa.

Dario Fo, ator, diretor e dramaturgo mantém ativa a Commedia dell’Arte como estilo e treinamento do ator, por meio do seu grupo de trabalho, escreveu o Manual Mínimo do Ator. Neste livro foram reunidas aulas e conferências ministradas por ele.

Eugenio Barba, embora seja diretor, se destaca pela incessante pesquisa com seus atores do Odin Theatret e da International School of Theatre Antropology (ISTA). Um viajante incansável, trava diálogo relevante com as culturas dos diversos países por onde passa com seu grupo. Sua formação de consciência do ator volta-se para fora, para sua função social e transformadora da sociedade.

Com sua profusão de atores do mundo todo, Peter Brook vem trabalhando com várias técnicas no Centre International de Créations Théâtrales (CICT) e seus escritos nos remetem tanto a uma análise precisa e lógica da atuação, ao mesmo tempo em que introduz uma psicologia do ator voltada para o autoconhecimento.

Yoshi Oida, ator e professor, trabalhou com Peter Brook em sua incursão no teatro Ocidental. Em seus livros, nos relata seu percurso de um teatro de códigos oriental para um teatro de improvisação ocidental. Reafirma a questão da nacionalidade para o trabalho do ator, por isso, hoje leciona e trabalha em seu país, o Japão. Com Oida aprendemos que atuar pode ser também com simplicidade, transmite a seus alunos a observação dos gestos e a concentração de si.

BRASIL

O teatro de catequese do Padre José de Anchieta certamente formou atores e mantém vivo o gosto pelo teatro entre os padres jesuítas até hoje. Chegaram a representar as tragédias em grego. Porém, o que chama a atenção é a herança da ocupação portuguesa no Brasil que transformou o teatro numa sucursal das suas produções, fazendo com que os atores representassem com sotaque, mesmo depois da Independência. João Caetano dos Santos (1808/1863) foi um ator ainda de sotaque português, porém logo se convenceu da importância do teatro brasileiro. Aprofundou-se no estudo de François Riccoboni (filho de Lelio) que escreveu uma introdução à arte de representar nos moldes do classicismo (L’art du Théâtre). Esse estudo deu origem ao primeiro livro no Brasil para o ator, escrito por um ator, Lições Dramáticas. O ator Vasques, Francisco Correa Vasques, discípulo de João Caetano, um dos nossos mais autênticos bufões, foi um grande ator e agitador de seu tempo. Procópio Ferreira, num volume precioso, escreveu sobre sua vida O Ator Vasques. Procópio Ferreira, ator e estudioso do teatro, foi brilhante no seu tempo. Considerava o ator cômico similar ao dramático em seu livro Arte de Fazer Graça. Para ele é “ter alma de artista é ter dentro de si mesmo um despenhadeiro. É um martirizante despenhar.” [6]

Ator russo, grande intérprete, diretor e professor, Eugenio Kusnet trouxe ao Brasil o “método”, escrevendo Iniciação à Arte Dramática ou Ator e Método como um guia para o ator. Sua interpretação do método leva em conta o estilo altamente psicologizante de análise do personagem, propondo uma total identificação do ator com o papel.

São muitos os estudiosos, mestres e diretores atuais, porém a fim de não omitir nomes e cometer erros deixo de mencioná-los. Se citamos Chaplin, mas não citamos Oscarito, Mazzaropi ou Dercy, é que primeiramente enfocamos atores de teatro que foram mestres, professores. Citamos Chaplin pelo exemplo de expressão corporal que infelizmente não vemos em outros atores. Falar de Brasil também é falar de atores e professores.

Um panorama histórico da arte de representar é impossível, porém uma ordenação dos principais atores e uma pequena visada na contemporaneidade, foram os propósitos desse capítulo. Segundo Décio de Almeida Prado, a arte do ator não pode ser facilmente reduzida a palavra, pois é uma arte muito mais aprendida na prática e por isso são tão poucos os estudos a respeito do assunto, principalmente em nosso país.



[1] TALMA, F.. Mémoires de Lekain. Paris, Chez Ponthieu Libraire au Palais-Royal, 1825, pg. 31
[2] COLE Toby & CHINOY Helen Krich. Actors on Acting.New York, Crown
  Publishers, 1949, pg. 195

[3] BERNHARDT, Sarah. El arte teatral. Buenos Aires, Editorial Schapire, 1946
[4] Ver BARRAULT, Jean-Louis. Nouvelles Réflexions sur le théatre. Paris, Flamarion, 1959

[5] COLE Toby & CHINOY Helen Krich. Actors on Acting.New York, Crown
  Publishers, 1949, pg. 441

[6] FERREIRA, Procópio. Arte de Fazer Graça. RJ, Empreza Brasil Edit. Ltda, 1925, pg. 160


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