domingo, 18 de março de 2012

Crítica
















ARTIGO – DIÁRIO COMÉRCIO E INDÚSTRIA – 16/04/1950
Acerca de “No fundo do poço”
Muito se tem escrito ultimamente sobre a peça de Helena Silveira “No fundo do poço”. Uns a favor, outros contra. Entretanto, poucos foram os que, além do comentário ao texto, se estenderam e analisaram a encenação. O diretor da peça, Graça Melo, além dos cortes que fez devido a censura, modificou outras partes, mas com a presença da escritora, conforme ficou esclarecido no dia dos debates realizados no teatro. Mesmo aquele dia os comentários feitos foram quase que dedicados ao texto e poucos à encenação. Muitos cavalheiros conhecedores pretensos do teatro, acham que uma crítica teatral, baseia-se somente no texto; que o autor é a suprema pessoa do teatro. Isso é bastante interessante pois, se o ator não o representar e o diretor não a colocar em cena, a peça ficaria no papel e bem guardada numa estante. Desde que se escreva uma peça para ser representada o autor na representação é obrigado a dividir a autoria com o ator e o diretor.
Este é o caso de “No fundo do poço”. Helena Silveira concordou com os cortes e a interpretação do diretor-ator. Daí é absurdo vir alguém e dizer que a peça deve ser levada de outra maneira, porque a intenção da autora não foi seguida.
Nos debates sobre a peça surgiu algo assim, mas Graça Melo soube explicar e mesmo esclarecer muitos pontos que para os leigos eram desconhecidos.
Outro ponto de ataque à direção que surgiu foi a interpretação da parte em que Júlio recorda o passado. Ouvimos e lemos nos poucos comentários à encenação, que a interpretação expressionista estava em desacordo com o texto. Muitos acharam que o cenário da memória está dentro da escola, ou melhor, tendência expressionista e que essa escola já passou e não tem razão de ser, como se arte fosse uma espécie de moda onde as vestimentas passam da época.
Em primeiro lugar estão todos enganados defendendo a teoria de que o autor deve ser respeitado; os nossos amigos erram, pois a própria autora diz na descrição do cenário: “O cenário é concebido expressionisticamente para dar impressão de incúria e pobreza”. Aí está, o próprio ambiente expressionista da peça é marcado pela autora, não sendo pois, uma interpretação livre do diretor.
Outro ponto é sobre a memorização de Júlio, que Graça Melo interpreta à expressionista, talvez para mais salientar o realismo da cena atual com a sua consciência. Com a sua mente de assassino prestes a ser descoberto, atordoado pela polícia ele evoca as cenas que reconstituem a preparação para o ato que praticou. No estado de completa perturbação mental ele só poderia lembrar-se dos fatos retorcendo-os, devido ao seu estado nervoso. Muito bem. Como apresentar isso no palco? Cremos que somente a tendência expressionista nos auxiliaria, somente ela contém os elementos estéticos próprios para a situação. Isso não quer dizer que toda a encenação seja expressionista, apenas as cenas de recordação e que não chegam à totalidade da peça, pois com elas estão entrelaçadas as cenas realistas em igual quantidade. Seria erro usar o expressionismo, em parte, hoje que ele não é mais novidade? Não. Claro que não! O que significa uma corrente dentro do vasto campo da arte, o que interessa é que a obra tenha elementos de arte se foi concebida dentro dos moldes clássicos, modernos, não importa. Arte é uma só. Os meios de expressão é que variam. A pintura moderna não está voltada às antigas pinturas clássicas, como pesquisa? E por isso deixa de ser arte? Não. Apenas hoje usamos métodos diferentes. Assim é o Teatro, não importa a escola em que se apresente, o que vale é se é ou não Teatro. E parece que não resta dúvida que a encenação de Graça Melo é uma obra de arte. Os nossos amigos, na certa, se a encenação pertencesse a um estrangeiro não discordariam da interpretação, mesmo errada, talvez. Mas como o diretor e a autora são nossos patrícios tudo está errado.
Vamos deixar de resolver nossos problemas em fórmulas estrangeiras, vamos incentivar a nossa produção artística. Não nos faltam valores para isso. Falta-nos apenas incentivo, por isso aqui vai um velho ditado àqueles que não compreendem o esforço e a intenção dos que querem produzir: “Muito faz quem não atrapalha”. 

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