sábado, 21 de abril de 2012

Os três dramaturgos
























Carteira de sócio da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (1952)


ARTIGO – REVISTA RECREIO E ARTE (SESI) – ANO 1 – JULHO/SETEMBRO DE 1958 
Os três dramaturgos
Nestes últimos meses, o público de nossa capital teve oportunidade de tomar contato com três dramaturgos que deram à nossa literatura dramática obras que, há quase trinta anos, estávamos esperando no teatro brasileiro: “Pedro Mico”, “Gimba” e “Chapetuba F.C.”, respectivamente de Antônio Calado, Gianfrancesco Guarnieri e Oduvaldo Viana Filho, os dois primeiros já com obras anteriores e o último estreante.
A falta de autores é sem dúvida, a grande lacuna de nosso teatro. O autor é a base e, ao mesmo tempo, é quem dá as características da arte dramática nacional. Logo, um país sem autores não pode considerar nacional o seu teatro. Os três autores focalizados deram às suas peças conteúdo profundamente brasileiro, abordando ainda problemas em evidência dentro da sociedade.
“Pedro Mico” é uma das últimas peças de Antônio Calado. Com ela, de revelação promissora que surgiu com “Cidade Assassinada” passou a autor atual e atuante. Sua peça, embora apresente marcante semelhança com “Gimba”, desta muito se distancia numa análise de conteúdo. “Pedro Mico” é malandro de morro, fruto do ambiente em que formou sua mentalidade de caráter, e assim tende sempre a prosseguir numa vida de aventura. O autor bem o definiu: “Pedro Mico não é uma caricatura de malandro de morro, mas o próprio malandro”. Com isso, colocou sua peça no mesmo nível das que focalizaram uma realidade, interpretando-a, sem jamais caricaturá-la. Pedro Mico é o malandro visto através das tendências ético-sociais do autor, é uma realidade que este procura apresentar.
“Gimba” focaliza o mesmo tema, mas sob ângulo diferente. Ao passo que Pedro busca a salvação social, fugindo de seu mundo para outro, sem crimes e sem violências, Gimba continua o mesmo e se revolta contra a sociedade que não o aceita. Enquanto um é levado à reeducação social, o outro permanece como símbolo dos marginais.
O autor de “Pedro Mico” leva o espectador a se convencer de que a melhor solução para o personagem é procurar a vida normal dentro da sociedade. Pedro é conduzido a uma vida sã, dentro da ordem e da lei, levado por uma prostituta que, na peça, embora situada no mais baixo degrau da escala social, possui alto senso de dignidade.
Gimba é o contrário; permanece um revoltado e o espectador tende a acompanhá-lo nessa revolta contra a sociedade, que vive alheia ao personagem e ao seu drama. Gimba é um panfleto – no bom sentido, é claro – mas não deixa de ser um panfleto político, que procura subverter a ordem social .
Como construção e como caráter, Pedro Mico é superior a Gimba. Como espetáculo esta a supera, pois a encenação de Pedro Mico sofreu grandes erros e o mesmo se deu com a interpretação transformando-se a peça de drama social em caricatura.
Já em Gimba há o espetáculo de inúmeros personagens (Pedro possui somente três personagens principais) e de escolas de samba, que acrescentaram à peça uma riqueza de ordem folclórica.
“Pedro Mico” é peça mais séria e penetrante. O colorido visual do espetáculo de Gimba ofusca a mensagem social e o problema em foco, enquanto Pedro é peça seca, árida, que trata o tema e nada mais.
“Chapetuba F. C.” trata de assunto bastante diferente e é em nossa opinião, a melhor das três peças focalizadas. Chapetuba explora também problema brasileiríssimo, o futebol, e seus personagens reagem como nós mesmos, em diálogos bem nossos. Em “Chapetuba F.C.” vive-se o tema ajustando-se em nível igual, autor, atores, e diretores. Todos procuram a forma e os meios mais simples e brasileiros de expressar o texto, transformando a peça em grande espetáculo, um dos melhores, até hoje do teatro brasileiro, isento de influências franco-ítalo-polonesas. O espetáculo é apresentado com simplicidade, que o autor também procurou ao criar a peça.
“Chapetuba F.C.” tem a linha das peças das três primeiras décadas deste século, se bem que as características mais profundas, não reproduzindo a realidade como as peças antigas, mas interpretando-a, procurando denunciar um problema sem solução.
Das três peças, Chapetuba é a mais simples e por isso mais nossa. Contudo as três estão dentro da linha brasileira, as três focalizam problemas autóctones.
O moderno teatro brasileiro necessita de peças nacionais, que o levem a trilhar ser verdadeiro caminho. A luta por uma dramaturgia própria deve ser travada, a fim de serem assentadas as bases de um teatro nacional.
Peças como “Gimba”, “Pedro Mico” e “Chapetuba F.C.” têm o valor de abrir caminho, de apontar a direção a ser tomada, mas dificilmente poderão modificar o panorama, uma vez que no Brasil, a cultura, a sociedade e a economia ainda estão presas a influências externas. Quando a nacionalização atingir todos os setores, então teremos uma cultura, nacional e, conseqüentemente, poderemos também apresentar espetáculos escritos, dirigidos e representados por brasileiros e de conteúdo nacional.

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