ARTIGO - Jornal “CLAN” – 09/04/1948
Teatro de Vanguarda
- Que é Teatro de Vanguarda? É aquele que apresenta sempre uma maneira nova em suas realizações. É o teatro que está sempre pesquisando ambiente, formas e estilo. Esta pesquisa não é somente em relação à apresentação do espetáculo, mas desde o autor até um simples foco de luz. Este é então o Teatro de Vanguarda.
O único autor a fazer esse gênero no Brasil é Nelson Rodrigues. Com “Vestido de Noiva” e por último, “Anjo Negro” ele conseguirá, com o decorrer dos anos, fazer com que o público aprecie as peças de Vanguarda, isto sem deixar de lado a direção cênica que Ziembinski dá as suas peças. Esse grande mestre de teatro é no momento, o diretor mais procurado, haja vista que a Sra. Morineau o convidou para dirigir a tragédia grega “Medéia”, com que estreará proximamente.
Nós, somente o ano passado, após três anos de luta no “Teatro Universitário” do Centro, resolvemos iniciar um Teatro de Vanguarda. Mas, faltava-nos a peça. Enfim, resolvemos encenar “Os Espectros”, de Ibsen, tragédia violenta e de grandes dificuldades de interpretações. Demos a esta peça um tratamento novo. Conservamos somente o texto, deixando todas as remarcas, quer de cenários, quer de movimentos cênicos. E procuramos fazer de “Os Espectros” um espetáculo de Vanguarda, mas não este teatro para uma pequena elite, não. Foi para o grande público. O nosso intuito surtiu resultado. Toda a platéia gostou e compreendeu. Isto feito, ficamos satisfeitos. Estamos para reprisar esta tragédia, e aqueles que não a assistiram poderão apreciar e ver mais ou menos o que vem a ser Teatro de Vanguarda. Iniciamos, há poucos dias, a encenação de uma nova peça escrita para o nosso Teatro, por Alair Sá do Valle, intitulada “Os Miseráveis também têm alma”. Peça nossa, feita por nós e será apresentada por nós. Esse será um verdadeiro espetáculo de Vanguarda. Desde o texto até o cenário, tudo será pesquisa no campo teatral. Esperamos que o nosso objetivo seja compreendido e não ridicularizado por pessoas que, presas ao teatro de três paredes com teto, se julgam os sabidões em arte teatral, mas nunca procuraram fazer um pouco por esta arte, que tanto difere do cinema, mas que estava quase morta por eles, tudo por causa desses “profundos conhecedores”, que nunca saíram do campo em que começaram. Assim é que o “Teatro do Estudante do Brasil”, o primeiro reformador do teatro no Brasil, que tanto tem feito, graças ao arrojo e conhecimento de Paschoal Carlos Magno, conseguiu encenar “Hamlet” de Shakespeare, “A Castro” de Antônio Ferreira e proximamente, “Antígona” de Sófocles. Quem consegue levar por amadores três grandes peças como essas só pode merecer o carinho e o aplauso do Brasil todo. Apesar disso ele foi atacado por Procópio Ferreira, o ator que conseguiu vencer enquanto o teatro era privilégio de meia dúzia de atores-diretores que nada de novo davam ao público, muito menos teatro. Mas Paschoal Carlos Magno quebrou essa norma, tornou-se um marco vanguardista no teatro brasileiro, e seu nome será um apoio a todos aqueles que desejarem fazer teatro de verdade. Todo brasileiro deve render-lhe homenagem pela grande obra cultural e artística iniciada por esse animador do teatro. Esses que acham que o teatro é uma tribuna onde devemos pregar a moral, fazendo da sala de espetáculo uma sala de aula, que colocaram o teatro na posição em que até a pouco ele se encontrava, o teatro não é isso, mas sim uma arte. Nós nunca procuramos numa peça de música uma lição de moral, muito menos num quadro de pintura. Interessa-nos somente a estética, a plástica da obra de arte, assim é o teatro, arte como é, em si todas as características, usando e reunindo todas as outras, mas nunca se confundindo. Teatro é somente teatro, quem o faz, baseando-se noutra espécie de arte, não faz teatro, mas sim ajuda a matar o mesmo. Por isso é que no século passado, até o início deste, caiu muito, porque o chamado drama burguês, fez do teatro, literatura, usando o palco para discutir idéias, quando o palco é para se apresentar teatralmente um espetáculo de arte em que somente a sensibilidade poética vibre. Nós ainda não fomos compreendidos, porque, talvez, uma cultura mais aperfeiçoada nos facilitaria a apresentar nossas ideias. Ou quem sabe se a falta da mesma seja geral...
Enfim, continuaremos a fazer teatro “teatral”, aquele que visa somente proporcionar ao público uma sensação nova que possa queimar suas emoções, o suficiente para poder viver no mundo de hoje, onde somente a ambição domina os cérebros dos homens.