Um sonho que virou realidade
Há dez anos, neste mesmo teatro um
sonho transformou-se em realidade. Um sonho que durava, também, há quase dez
anos. Esse sonho era transformar o teatro, que havia dentro do Serviço Social
da Indústria, num organismo forte, irradiador de prazer e cultura, enfim um
Teatro Popular para uma massa não afeita a esse tipo de manifestação.
Em fins de 1962 apareceram alguns
homens de grande visão, homens fundamentalmente da indústria, mas que tinham
também a responsabilidade de um Serviço Social.
Pois bem, esses senhores, hoje
encabeçados pelo Sr. Theobaldo De Nigris, seus companheiros do Conselho Regional
do Sesi, e a Superintendência do Sesi, acreditaram num plano, num trabalho, num
ideal e transformaram o Teatro Popular do Sesi, num exemplo de como, sem visar
interesses, dar ao trabalhador um pouco daquilo que ele nunca poderia ter por
várias questões, principalmente por falta de hábito, de poder aquisitivo (o
teatro é um divertimento caro) enfim, por uma vasta série de fatores.
Posso afirmar com a maior satisfação
que o Teatro Popular do Sesi sempre mereceu desses senhores, a maior atenção, o
carinho de quem vê um filho crescer. Não acredito que haja no mundo exemplos
parecidos. No nosso país o caso é segundo me parece, o único.
Depois de dez anos é justo que se saiba,
e principalmente, este nosso grande público, que esses senhores são os
responsáveis, pois acreditaram em nós, como nós acreditamos neles.
Um dia, na história do nosso teatro,
se poderá constatar que alguns senhores, respeitáveis homens de negócios,
tornaram realidade um sonho, porque viram que o homem só pode acreditar na
vida, no trabalho e no progresso, quando ele se instrui, adquire bons hábitos,
e o Teatro é o grande meio. Eles acreditaram e com isso escreveram uma página
do Teatro Paulista.
O Teatro Popular do Sesi agradece a
todos os que contribuíram para o seu desenvolvimento e sua fixação, desde o
humilde servidor até a mais alta administração. Isolados, os homens são uma
partícula, unidos formam uma comunidade. (ORC)
(in Osmar
Rodrigues Cruz Uma Vida no Teatro Hucitec 2001)
Entrevista 1 – Folha da Tarde – coluna “No Teatro”
por Paulo Lara – 11/7/1973
Você tem uma solução
para a crise do teatro?
Osmar Rodrigues Cruz
é o diretor do Teatro Popular do Sesi desde sua fundação, há dez anos. Seu
trabalho de popularização de teatro tem dado significativos resultados. Suas
montagens, além de ficarem muitos meses em cartaz, conseguem obter um público
sempre acima dos cinquenta mil espectadores. Para provar isso, seu último
trabalho encontra-se em cartaz no Maria Della Costa. É a comédia de França
Júnior – Caiu o Ministério – que já
ultrapassou os trinta mil espectadores e continua sempre com a lotação
esgotada. Vejam o que ele tem a dizer sobre a atual crise de público que afeta a
maioria dos teatros paulistas.
“A crise pela qual
passa o teatro em São Paulo nunca deixou de existir, pelo menos nestes últimos
anos: ora mais acentuada, ora menos. Mas, atualmente, essa crise não deixa de
ser consequência de uma falta de planejamento no que diz respeito à
popularização do teatro. Sendo uma arte cara para o nosso poder aquisitivo, ela
deixa de fazer parte do hábito do paulistano e a elite que vai ao teatro, hoje
em dia, só comparece àqueles espetáculos que lhe interessa ver. Não é como em
certas capitais da Europa ou nos Estados Unidos onde o público assiste a tudo.
Um teatro, como é feito aqui, quanto mais tempo passa, mais distanciado vai
ficando do grande público.
“O que precisa ser
feito é habituar esse público, alheio às casas de espetáculos, a comparecer.
Mas como? Através de uma programação a longo prazo, pois a curto prazo tem-se
tentado, pelas subvenções, temporadas populares mas que nunca atingem a vinte
mil pessoas. Então, está provado que isso não tem alcance nem relevo.
“A necessidade é de
se equacionar o problema da crise teatral, realisticamente, a longo prazo, e
isso não se pode exigir do empresário que tem que manter uma companhia. O
teatro é caro para quem vê e para quem o faz.
“Cabe então, aos poderes
públicos, talvez unidos – Prefeitura, Estado e União – amparar o teatro. Uma
campanha de popularização seria feita usando: 1) Um repertório nacional de linguagem popular que se comunique de
imediato com a massa; 2) Subvenção ampla para que se possa cobrar um quarto do
valor do ingresso atualmente; 3) Ampla promoção do teatro, das peças e elenco,
junto a essa massa; 4) Paralelamente aos espetáculos, criar estímulos para que
o público não veja no teatro uma arte de elite, mas uma manifestação comum: associações,
exibições de filmes de peças, exposições e principalmente material didático
sobre as apresentações.*
“O teatro tem que ser
pedagógico e divertimento ao mesmo tempo – como diz Brecht. Não se pode
esquecer nunca que, antes de tudo, ele tem que interessar, fazer o público
sentir prazer em estar no teatro. O esquema apresentado pode ser feito por
duas, três até seis empresas se revezando entre a Capital e o Interior. O
teatro não pode ser um serviço público executado por particulares.
“Para esse esquema,
claro que haveria problemas. Um deles: a quem se daria essa tarefa?
Concorrência. E quem ficasse de fora resistiria? Essa pergunta foi feita, há
mais de seis anos, quando, como membro da Comissão Estadual de Teatro,
apresentamos ao então secretário do Governo um plano de popularização. E a
resposta dada foi: “Ou se salva o teatro ou tentemos salvar meia dúzia de
empresários e o teatro continuará em crise”. É o que está acontencendo. E nem
precisa dizer que aquele plano não foi executado. Isso de distribuir uma
quantia entre muitos nunca irá resolver esse problema.
“O Sr. Ministro da
Educação, mostrou-se interessado em destinar uma soma bastante razoável para
solucionar a crise. Se ela for dividida com as empresas do Rio e São Paulo, não
vai adiantar nada. E o que é pior: o teatro continuará em crise, pois a solução
do problema não está em “subvenção”, mas sim em “popularização”. Quando
trezentas mil pessoas forem ao teatro – cinco por cento da população da Capital
– não haverá necessidade de subvenções, nem crises, e todos poderão viver bem
do teatro. Mas, para isso, é urgente um plano lógico no qual o repertório
escolhido atenda, pelo menos inicialmente, às exigências do público. mas o
espetáculo popular não pode ser vinculado à exigências estéticas de vanguarda,
deve se ater a uma “comunicação” que atinja a maioria do povo”. (continua amanhã)
(in Osmar Rodrigues Cruz Uma
Vida no Teatro Hucitec 2001)
* grifo nosso
Entrevista 2 – Folha da Tarde – coluna “No Teatro”
por Paulo Lara – 12/3/1973
“É necessária uma intervenção direta
no teatro”
“Aos que discordam de uma
intervenção direta no teatro, temos a lembrar que a Comissão Estadual de Teatro
existe há mais de vinte anos e até hoje não conseguiu solucionar os problemas
da crise do teatro, justamente porque as verbas são divididas de tal maneira
que, em alguns casos, nem chegam a cobrir a folha dos atores na fase de
ensaios.
“Criada uma seleção de qualidade, é
dar a esses uma dotação que realmente possibilite que entrem num verdadeiro
esquema de popularização. Os que ficaram de fora continuarão reclamando, mas ou
se resolve o problema máximo do teatro, ou os menores. E faço minhas as
palavras de Jean Vilar, quando lhe foi entregue a direção do Teatro Nacional
Popular em Paris: ‘Há uma certa inquietude
por uma pretensa concorrência desleal com referência aos preços muito baixos
cobrados por nós. Concorrência? Com quem? Não com o teatro. Ao contrário do que
acontece muito frequentemente, é que em razão do preço modesto de nossas
poltronas, o TNP ganha para o teatro espectadores que não têm meios de
conhecê-lo. Uma vez que esses espectadores tenham adquirido o hábito de ir ao
teatro, farão, sem dúvida, no futuro, um sacrifício e o teatro se beneficiará
com isso‘.*
“Isso de dizer que o teatro está
morto é conversa de quem não gosta de sua profissão. O teatro está tão vivo que
quando o espetáculo interessa, o público briga para entrar no teatro. O que
talvez esteja morta é a vontade de se violentar um pouco e ir até onde o povo
espera que o teatro chegue. O estágio artístico-cultural da plateia brasileira
exige espetáculos nos quais ele sinta vibrar a sua própria capacidade de
entendimento, onde ele possa criticar, discutir, enfim, compreender o que vê.
Depois, o teatro tem que aparentar um divertimento que não se assemelhe aos
outros meios de comunicação. Só assim ele poderá interessar.
“Resumindo, o problema do teatro
seria resolvido com: 1) Repertório condicionado a quem se dirige, porém variado
e em evolução constante. O bom autor de teatro sempre é popular. Exemplo:
Plínio Marcos e Guarnieri. 2) Artisticamente bem acabado: elenco, montagem,
técnica, etc. 3) Preços mais do que acessíveis à massa. 4) Sem problemas de
ordem econômica (subvencionado). 5) Popular, comunicação direta, sem falsas
pretensões estéticas. 6) Não poderá nunca estar a serviço de vaidades ou ser
especificamente pedagógico. Antes, tem que divertir, preencher as horas de
lazer. Isso não quer dizer que culturalmente seja de baixo nível. 7) Tem que
ser um serviço público, útil, necessário e sem demagogia.
“Não se pode esquecer que o
consumidor vai ao teatro depois de horas de trabalho. Há necessidade de fazê-lo
relaxar, sentir prazer estético, emocional, tomar conhecimento que aquelas
horas foram importantes para seu bem-estar físico e psicológico: esse, podem
crer, é mais um conquistado para o teatro.”
* grifo nosso
(in Osmar Rodrigues Cruz Uma
Vida no Teatro Hucitec 2001)
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