CONSELHO DE HAMLET AOS ATORES
“Rogo-lhes que digam o texto como lhes mostrarei, com língua fácil:
mas se encherem com ele a boca, à laia de certos atores, tanto se me dará que o
pregoeiro público brade as minhas frases. Nem gesticulem assim, serrando o ar
com a mão, mas sejam moderados: pois na própria torrente, tempestade e – é
lícito que o diga – torvelinho de paixão, devem conquistar e adquirir um auto
controle que lhes imponha medida. Oh, fere-me até a alma ouvir um ruidoso ator dilacerar uma paixão até a esfrangalhar,
em verdadeiros trapos, e fender os ouvidos dos espectadores da plateia, que na
maioria são incapazes de apreciar algo diferente de incompreensíveis pantomimas
e barulheira. Eu gostaria de que tal ator fosse açoitado por exagerar o papel
de Termagante; expulsem o Herodes: rogo-lhes que o anulem.
Não sejam tão pouco incaracterísticos, mas deixem que o
discernimento seja o preceptor: ajustem o gesto à palavra, esta àquele, com o
cuidado especial de não ultrapassarem a natural moderação: pois o exagero foge
ao propósito do teatro. O objetivo deste, a princípio e agora, foi e é oferecer
como que um espelho à natureza; mostrar à virtude suas próprias
características, ao escárnio a sua própria feição, e à sociedade da época a sua
verdadeira estrutura e realidade... Ora, o excesso ou a carência, embora façam
rir o imbecil, desgostam o circunspecto; e a opinião deste deve pesar mais, na
estima de vocês, do que toda uma assistência de néscios. Ora, existem atores
que eu vi representarem – e aos quais ouvi muitos erguerem excelsos louvores,
não falando impiamente – que nem possuíam o acento de cristãos, nem se portavam
como algum cristão, pagão ou homem; entonavam-se e mugiam tanto, que – pus-me a
pensar – os homens haviam sido feitos, e mal, por jornaleiros da natureza, tão
abominavelmente eles imitavam a humanidade.”
HAMLET, 3° ato, cena II
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