sábado, 31 de março de 2012

Uma pausa para a saudade













Foto: Teresa Pinheiro



Hoje deixamos de publicar os artigos de Osmar Rodrigues Cruz, porque essa é uma semana especial. Dia 2 de abril Osmar completaria 88 anos e dia 7 de abril faz 5 anos que ele nos deixou. Para marcarmos as datas escolhemos trechos de nosso livro, o início do primeiro capítulo, mais propriamente, onde ele narra como seu gosto pelo teatro iniciou-se.

“Durante minha adolescência morávamos numa casa na Lins, onde havia um vasto quintal. Freqüentávamos muito o teatro, meu pai era um apaixonado por teatro, principalmente por Leopoldo Fróes, que morreu em 1932. Comecei a freqüentar teatro em 1934 em Campinas, meu pai ia trabalhar lá, minha mãe, meu irmão e eu ficávamos hospedados na casa de amigos e à noite íamos ao teatro Municipal assistir à Companhia Miramar com Emílio Russo e Norma de Andrade, foi lá que assisti a inúmeras peças e a estréia de Renata Fronzi, que tinha 15 anos, numa peça de César Fronzi.
Era uma peça por noite e foi lá que também assisti a Manhãs de Sol de Oduvaldo Vianna, Retalho de Dario Niccodemi. Todas as peças que fiz depois, Manhãs de Sol no Teatro Popular do Sesi e o Retalho antes, no Centro Acadêmico, foram peças que marcaram muito meu gosto pelo teatro.”
(...)
“Antes de 1938, fiz uma experiência de teatro, havíamos mudado para uma casa grande na Lins de Vasconcelos, que tinha uma enorme garagem e meu pai não tinha carro. Então, de tanto ver e gostar de teatro, resolvi fazer um teatrinho na garagem, cobrávamos palito de fósforo de ingresso, enchemos uma caixa de sapato de palitos de fósforo! Fazia peças improvisadas, a mais pura commedia dell’arte - escolhíamos o assunto, decidíamos quem ia fazer o quê. Eram assuntos do cotidiano: o marido chega e não tem comida pronta, a mulher que está passando roupa, arrumávamos um velho ferro de passar roupa. E assim foi durante algum tempo. Como minha mãe havia morrido, ficávamos com uma empregada, meu pai trabalhava, precisava sustentar os vagabundos em casa! O que acontecia? A empregada ia embora, porque elas iam trabalhar lá em casa, para casar com meu pai, era essa a intenção. Como meu pai não queria casar com elas, elas iam embora! Assim foi com duas ou três. Então, minha avó ia lá, cuidar da casa e da gente, ela era forte, morreu com 95 anos. Ela não queria a criançada dentro de casa, os meninos subiam na árvore para pegar ameixa e ela ficava louca da vida! Quando ela ia lá em casa, tinha de parar o teatro. Ela falava com meu pai e ele pedia para nós, afinal ela ia lá cuidar da gente. Quando arrumava outra empregada e ela tinha certa idade, era ótimo, pois ela não tinha a menor intenção de casar com meu pai, por isso continuávamos a fazer teatro sossegados. Tinha um estrado velho de cama patente de casal na garagem e então colocávamos um tapume em cima e pregávamos uma cortina de parede a parede que funcionava bem, não era a “americana”, não era a do Arquimedes Ribeiro, mas funcionava bem!
Aí começou tudo, eu queria ser ator, não sabia ainda, pois não havia diretor, havia ensaiador. Eu não fazia peça que eu assistia, era teatro de improviso, a molecada se divertia, gritava. Tudo era feito por instinto, era como a commedia dell’arte, porém sem conhecê-la e cada dia uma história, três ou quatro meninos representando. Mas a vida foi mudando, os meninos da vizinhança cresceram e eu, lógico, junto, não tanto, mas junto e continuando a assistir teatro.”

in CRUZ, Osmar Rodrigues Cruz e CRUZ, Eugenia Rodrigues Cruz - OSMAR RODRIGUES CRUZ – UMA VIDA NO TEATRO, São Paulo, Hucitec, 2001