“20 de setembro de 1983 foi o dia
escolhido para festejar os 20 anos do TPS. O programa comemorativo contou com
uma audição da pianista Clara Sverner, interpretando peças de Chiquinha
Gonzaga. Décio de Almeida Prado fez uma conferência que infelizmente não posso
transcrever porque a gravação está totalmente inaudível e o original ficou
perdido, como perdidos ficaram outros importantes documentos, quando da minha
saída do teatro. Fizemos uma exposição de fotos de todas as nossas produções,
os artistas e técnicos que estavam na companhia desde sua fundação, foram
agraciados com uma das belas gravuras de Flávio Império. Organizamos uma
revista comemorativa TPS – 20 anos,
que ilustrou com fotos e trechos de críticas toda a trajetória do TPS desde a
sua fundação, bem como depoimentos de alguns profissionais de teatro sobre o
TPS.” (ORC)
Revista comemorativa –
20 Anos de TPS – Trechos da
Introdução por Ilka Marinho Zanotto
Quando se tenta falar de TPS, é
inevitável a menção de Osmar Rodrigues Cruz o “pai da criança”. Embora os
recursos materiais provenham do Sesi, não existisse Osmar, inexistiria o TPS.
Essa afirmação detém o consenso geral, principalmente entre os que amamos e/ou
fazemos teatro no País.
Por isso ao ser-me encomendada a
introdução à revista de comemoração dos 20 Anos do TPS, tarefa que muito me
honrou, procurei de imediato desentranhar de seu diretor o “como”, “porque” e
“onde” dessa obra extraordinária. Extraordinária pelos números absolutamente
inéditos de espectadores envolvidos e, de uma certa maneira, “ganhos” para o
teatro, pois na sua maioria industriários que o desconheciam por completo;
extraordinária pela continuidade de ação – vinte anos ininterruptos de
realizações, recorde brasileiro e quiçá mundial, em se tratando de teatro
popular.
Entrevistando o artífice desse
milagre, no subsolo espaçoso e superorganizado do belíssimo teatro inaugurado
há cinco anos, enquanto em minha cabeça flashes
de alguns espetáculos favoritos enovelam-se às teorias várias sobre o assunto –
mormente as de Vilar, Planchon e Brecht – e aos discursos explicativos de
muitos atores modernos – tive a certeza do alcance da frase de Flávio Império:
“Osmar é um diretor que faz questão de não ter carisma”. Com a simplicidade e
modéstia que lhe são peculiares, escondia-se constantemente atrás das
realizações do TPS de maneira a que toda e qualquer pergunta esbarrasse no
biombo da história das encenações, como se desvinculadas fossem do itinerário
de seu diretor. Verdade que essa história fala por si só da obstinação e do
ideal de um menino que, na década de 30, organizava espetáculos na garagem de
sua casa pondo em cena as relações familiares; isso ainda antes de que o pai, viúvo
de pouco, tomasse o garoto pela mão e o conduzisse, infalivelmente nos domingos
à noite, ao “São Paulo”, ao “Santana”, ao “Colombo” e ao “Cassino Antártica”,
no Anhangabaú, onde Beatriz Costa e Oscarito, entre outros, exibiam um
repertório inexpressivo tematicamente, mas com montagens de forte apelo
popular. Osmar admite hoje que data daí sua vocação para fazer teatro para o
grande público. [...]
[...] “a função essencial de lazer,
do divertimento e da festa. E se, às vezes, ele é remédio, usando venenos
violentos, deve ser um remédio salvador. Deve antes de tudo alegrar-nos” (Jean
Vilar).
Ainda como Vilar, Osmar Rodrigues
Cruz ostenta uma fidelidade ululante ao seu público: “muitos me perguntaram
sobre o elo que nos une. Pois bem... é essa fidelidade, essa teimosia de
trabalhar para as classes trabalhadoras e aí está, há muito tempo, o público
que corresponde com a mesma fidelidade” (Vilar). Dessa postura estética ao
longo de vinte anos, sem um hiato sequer, brotou a continuidade exemplar da
trajetória do TPS que familiarizou um público recorde em termos de Brasil –
(cinco milhões de espectadores em São Paulo e no interior) – com autores da
relevância de Marivaux, Molière, García Lorca, Gil Vicente, Schiller, Gonçalves
Dias, Martins Pena, Nelson Rodrigues, Plínio Marcos, entre muitíssimos outros.
Cabe-lhe como uma luva essa definição de Gasset: “Continuar não é permanecer no
passado nem sequer enquistar-se no presente, mas sim mobilizar-se, ir além,
inovar, porém renunciando ao salto sem partir do nada; antes fincando os
calcanhares no passado, deslanchar a partir do presente e pari passu, um pé atrás outro à frente, pôr-se em marcha, caminhar,
avançar...”.
Cautelosamente, Osmar Rodrigues Cruz
soube introduzir o grande público no convívio de obras significativas, certo de
que os clássicos, falando uma linguagem universal, seriam compreendidos, desde
que levados de forma linear, isto é, dando passagem às obras para que falassem
por si. Sua postura deliberada foi então e sempre a de um artesão que monta o espetáculo
para servir primordialmente à comunhão do autor com o público; fundamental para
o tipo de trabalho que se propôs realizar no âmbito de um teatro popular, essa
modéstia não impediu de criar alguns espetáculos mais logrados em termos
absolutos, já montados em São Paulo como O
Milagre de Annie Sullivan, O Poeta da Vila e Seus Amores, A Falecida e O Santo Milagroso. mesmo os críticos
que lhe cobravam maior ousadia nas encenações, renderam-se ante a excelência
dessas montagens.
[...]
Paulatinamente, sem deitar falação,
esgueirando-se entre os bastidores como a evitar a luz dos refletores,
providenciando desde o funcionamento do cadeado do portão dos fundos até a
encomenda do texto aos nossos melhores dramaturgos, conciliando os impossíveis
– (por exemplo, Plínio Marcos escrevendo para uma entidade patronal) –
superando crises, atraindo colaboradores geniais – (e está aí Flávio Império
que não me deixa mentir) -, harmonizando elencos estáveis na convivência com
astros e estrelas convidados, e, sobretudo, trabalhando dia a dia, o dia todo e
todos os dias, com assustadora dedicação e entranhado amor – (é a palavra que
ele mais repete quando fala de Teatro) – Osmar Rodrigues Cruz, à sua revelia,
já faz parte da história do teatro brasileiro.
(in Osmar Rodrigues Cruz Uma
Vida no Teatro Hucitec 2001)
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