INSTITUTO
OSMAR RODRIGUES CRUZ
Esta semana completa um mês da
nossa última postagem, na tristeza e na raiva perdemos tudo que havia do
Instituto on line e do Victorino. Nossa impressora multi simplesmente não
obedecia a nenhum comando. Enfim, estávamos mergulhados no caos e quando
chegamos ao fundo do poço só existe uma saída, subir. Eu nem suspeitava que o
tempo estava correndo e que uma Ong passa por isso – falta de dinheiro. Recuperamos
parte do conteúdo perdido e agora estamos de pé (quase) para recomeçar, ainda
faltam as imagens que vão sendo recuperadas e escaneadas aos poucos. Hoje
continuamos de onde paramos, a introdução da primeira edição das obras de
Antônio José da Silva. Para os que gostam de nós e nos acompanham, desculpas e
obrigada por toda força!
Eugenia Rodrigues Cruz
TEATRO NACIONAL POPULAR BRASILEIRO (TNPB)
(continuação)
“Não devia entrar por pouco a ganancia e avareza dos santos
Inquisidores, pois a confiscação dos bens dos presos foi sempre averiguadamente
uma das hipóteses mais aceitas pelos historiadores da Inquisição.
Era esse o banditismo comum do santo Tribunal; matava os hereges
principalmente para os roubar e espoliar; não lhe pareciam a fortuna e os
tesouros dos incrédulos tão poluídas como as almas dos possuidores.
O processo de Antônio José que desde 1821 está nos arquivos da Torre
do Tombo, por autêntico dos cartórios inquisitoriais, nada serve para a
elucidação das causas verdadeiras; mas dele se depreende claramente que as
provas do suposto crime de judaísmo, por não as haver fora, foram arranjadas e
colhidas no cárcere. À prisão puseram-lhe escutas ou orifícios adrede (de
caso pensado) praticados nas paredes por surpreender o encarcerado; mas os
escutadores nada perceberam e antes viram o preso rezar devotamente naquelas
horas atribuladas e embrutecedoras.
O preso não reconhecia a culpa que lhe assacavam, e protestava
inocência. Muitas testemunhas depuseram em favor do zelo, religião e
misericórdia do acusado.
Aí jazeram, mãe e filho, dezessete meses até março de 1739. Todos os
esforços de defesa baldaram-se diante do Tribunal que condenou Antônio José à
morte.
Era horrível o estado de alma do poeta; a estupidez ou a loucura já o
havia vencido, embrutecendo e bestializando as faculdades outrora brilhantes do
seu espírito.
Enquanto lhe preparavam a morte, soavam lá fora os aplausos da sua
última comédia do Precipício de Faetonte.
A 16 de outubro de 1739 vieram anunciarem-lhe a sentença;
condenavam-no a morto, queimado como negativo e relapso.
Relaxado pela religião, a justiça civil representada por um meirinho lança-lhe
o braço pelas mãos. Nessas tragédias divinas é sempre a autoridade leiga e
secular que faz o papel de verdugo.
Dois dias depois a 18 de Outubro, ao lúgubre dobrar de sinos sai o
séquito do santo Ofício para o Auto da Fé. Vão entre os condenados o
poeta, a esposa, a mãe, além de outros desventurados.
Esperam-nos no campo da Lã as fogueiras purificadoras.
As sentenças daquele Auto são ao que se inferem do documento
publicado por Inocêncio no Dicionário Bibliográfico.
“Lista das pessoas que saíram condenadas no auto público da fé, que
se celebrou na igreja do convento de S. Domingos de Lisboa no domingo 18 de
Outubro de 1739, sendo inquisidor geral o cardeal Nuno da Cunha.
Pessoas relaxadas em carne:
Nº 7. Idade 34 anos. Antônio José da Silva, x. n. (cristão
novo), advogado, natural da cidade do Rio de Janeiro, e morador nesta de Lisboa
ocidental, reconciliado que foi por culpas de judaísmo, no auto público da fé,
que se celebrou na igreja do convento de S. Domingos desta mesma cidade em 13
de Outubro de 1726. Convicto, negativo e relapso.
Pessoas que não abjuram nem levam hábito:
Nº 5. Anos de idade 27. Leonor Maria de Carvalho, x. n., casada com
Antônio José da Silva, advogado, que vai na lista, natural da Vila da Covilha,
bispado da Guarda, e moradora nesta cidade de Lisboa ocidental, reconciliada que
foi por culpas de judaísmo no auto público da fé, que se celebrou na igreja de
S. Pedro da cidade de Valhadolid, reino de Castella, em 26 de Janeiro de 1727:
presa segunda vez por relapsia das mesmas culpas. Pena: cárcere a arbítrio.
Nº 6. Anos de idade 61. Lourença Coutinho, x. n., viúva de João Mendes da
Silva, que foi advogado, natural da cidade do Rio de Janeiro, e moradora nesta
cidade de Lisboa ocidental; reconciliada que foi por culpas de judaísmo no auto
público da fé, que se celebrou no Rocio desta mesma cidade em 9 de Julho de
1713; presa terceira vez por relapsia das mesmas culpas. Pena: cárcere a
arbítrio.”
Assim, consumou-se o suplício do mal-afortunado poeta, na fogueira,
diante do cardeal inquisidor mór d. Nuno da Cunha e de todas as famílias
educadas no sangrento espetáculo dessas tristonhas ferocidades. Desaparecia
desta arte o mais desventurado e talentoso homem que a religião de S. Domingos
matou em Portugal.
A Leonor, viúva do poeta, abriram-se enfim as portas da prisão. Passou-se
com a filhinha a Amsterdam ainda aos vinte e sete anos de idade. Só muito mais
tarde quando tardiamente entrou pela mão férrea de Pombal, o progresso das
ideias e da liberdade, puderam a mãe e a filha do poeta voltar à pátria amada
de que haviam sido com tamanha atrocidade repelidas.
Com o assassínio de Antônio José esgota-se e acaba a força homicida da
Inquisição. Depois deste memorável sacrifício ainda haverá Autos da Fé
com as suas fogueiras em que são queimadas algumas efígies em papelão, como o
foi a do cavaleiro de Oliveira que de longe pode rir-se da estupidez e
impotência desses ferozes apóstolos de religião de Jesus.
Quando apagadas as fogueiras, começaram de reclamar a pátria algumas
famílias fugitivas que se tinham acolhido a Holanda ou ao norte da Europa.
Entre os que imigravam em 1775 vinha a desditosa família do poeta.
(continua)