Osmar, Manoel Durães e Oduvaldo Vianna |
Trechos de crítica
O Estado de S. Paulo
– por Décio de Almeida Prado – 01/09/1966
Havia sol,
havia manhãs naquele tempo! A comédia de Oduvaldo Vianna estreou-se há quarenta
anos mas, quanto à evolução dos costumes, a passagem do tempo pode ser contada
em dobro, e, quanto ao desenvolvimento do teatro, em triplo ou quádruplo. Como
mudaram ambos: o Brasil e o teatro!
Sem
televisão, sem rádio, com o cinema confinado às matineés de domingo, a infância perdurava praticamente até a
adolescência: as mocinhas de Manhãs de
Sol acham natural alternar o namoro com a corda de pular, indecisas ainda
entre as brincadeiras infantis e a atração representada, pelos rapazes mais
velhos da vizinhança. O próprio namoro era de certa forma um prolongamento dos
jogos, uma levadeza excitante feita às escondidas dos mais velhos, pitos
maternos – em suma, a passagem insensível da infância à adolescência, a
educação sentimental, tal como poderia ocorrer no Brasil provinciano e feliz de
1921. As personagens são também clássicas na ficção nacional, desde A Moreninha. O médico, o estudante de
direito (duas profissões liberais mais valorizadas socialmente), as mocinhas
ingênuas (uma das quais é aquele conhecidíssimo produto da severa educação
antiga: “a manteiga derretida”, preste a debulhar-se em lágrimas ao menor
pretexto), a mãe-de-família que move a casa a poder de ameaças e gritos,
julgando que punir é educar, o moleque tratado, meio como empregado, meio como
filho, apanhando consequentemente em dobro, numa e noutra qualidade e, para
completar o quadro do ponto de vista moral, a presença de uma freira maternal e
compreensiva para os dramas do amor, simbolizando a sabedoria divina em
contraste com a agitação e a frivolidade mundanas (o convento ainda era a única
alternativa para os namoros malsucedidos).
A graça
foi o que menos envelheceu na peça: talvez ingênua mas tão brasileira como um
baú, pintado de cor-de-rosa. Não o diálogo tradicional do palco, herdado de
Portugal e da França, mas a nossa conversinha caseira e familiar, de fundo de
quintal, intraduzível para o estrangeiro, uma brincadeira perpétua em que nunca
ninguém está realmente falando sério. Oduvaldo Vianna tinha o senso do teatro,
como jogo, improvisação, palavra puxa palavra.
Em
compensação, a parte sentimental, amorosa, dramática, que explode no terceiro
ato, envelheceu como um mau filme de 1925, e da mesma maneira, não falta nem
mesmo o acompanhamento da Rêverie de
Schumann. O que nos faz mal nesses momentos, não é tanto a candidez do texto
como a sua insuportável esperteza, os efeitos premeditados, a luz que baixa no
palco à medida que a mocinha abre o coração ferido à madre superiora. Não
propriamente o sentimentalismo, a pieguice, mas a sábia exploração de um e de
outro, prenunciando já, em Oduvaldo Vianna, o futuro e exímio escritor de radio
novelas. Se ele contasse mais com a inexperiência e menos com a carpintaria, se
permanecesse mais atento ao Vale do Paraíba (Guararema é o local da peça), à
realidade chã de que partira, e menos com hábitos emocionais da plateia, teria
feito com certeza uma obra de outra importância em nosso teatro e que estava ao
seu alcance realizar.
O Teatro
popular do Sesi, agora instalado por um ano no Taib, mantém-se amador pelos
objetivos: oferecer gratuitamente espetáculos a todas as classes sociais. Mas vai-se
tornando cada vez mais profissional não só pelos atores que emprega como pelo
próprio nível técnico e artístico já alcançado.[...].
O cuidado
com que o espetáculo foi preparado salienta-se pelo fato de dois pequenos
papéis terem sido entregues a atores como Marina Freire e Manuel Durães, este,
aliás, repetindo a sua criação na estreia da peça em 1921. Durães apesar dos
anos, continua em forma, modesto e dedicado ao texto como sempre.
Cenários
de Clovis Garcia, com as mesmas características da direção de Osmar Rodrigues
Cruz: sem pretender inovar, sem buscar a originalidade, mas com a segurança de
quem conhece o terreno em que está pisando.
(in Osmar
Rodrigues Cruz Uma Vida no Teatro Hucitec 2001)
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