domingo, 1 de fevereiro de 2015

A EXPRESSÃO NO TEATRO 3b



A voz e a linguagem (2ª parte)

Quando as palavras são faladas com inteira compreensão de seu conteúdo, seu impulso variará de acordo com a contribuição que cada palavra ou grupo de palavras faz à comunicação. Essas palavras que conduzem a substância da obra de imaginação, sobressairão em relevo, enquanto que aquelas que servem apenas como suportes, despertarão um impulso relativamente mais fraco. Na sentença “eu vou para casa”, as palavras importantes são eu, vou e casa, porque elas desenham o quadro. A menos que seja por ênfase, eu não despertará tanto impulso quanto vou ou casa, porque minha verdadeira presença torna-se conhecida, pois eu sou aquele que fala. Sou (am) é um auxiliar e frequentemente insubmisso. Indo (going) será submetido porque denota movimento. To (para) pode ser enfático se acaso eu estiver focando a direção do meu movimento; por outras palavras, não. O artigo the é frequentemente sem importância. Os adjetivos são descritivos da pessoa ou coisa (substantivo), os advérbios da ação ou do movimento (verbos). A ênfase no adjetivo vermelho (red), por exemplo, na fita vermelha, ou no advérbio rapidamente (quickly) em ele corre rapidamente, dependerá de como vividamente o espírito foca a cor vermelha (red) e a ação de correr rápido, no momento em que a palavra é pronunciada. Falharia o ator ao pender antes, ou enquanto diz a sua elocução transmitirá essa falta, ou eventualmente virá a confiar num modelo de palavra ou ênfase de frase, nascido da repetição ou da memória que, quando muito, são mecânicas. Entrementes, ele estará apenas pondo a carroça diante do cavalo, o seu pensamento ou sentimento estarão ora ausentes, juntamente, ou um pouco além da sua pronúncia, em vez de um pouco acima ou simultâneos. Mantendo o pensamento vivo, vigoroso e novo, assegurará uma ênfase correta da palavra. A ênfase é tão necessária ao orador (aquele que fala) quanto o emprego da luz ou da penumbra para o pintor. As palavras podem pintar um quadro. A permanente observação de conversações entre pessoas na vida real, será a fonte perene do estudo do ator. Eis que a natureza se constituirá no seu mais alto professor.

De fato, a ênfase da palavra mecânica nada transmite, a não ser a ênfase da palavra mecânica. Mas, a ênfase da palavra nascida da sensibilidade quanto ao personagem e à situação, torna as palavras mensageiras vivas do pensamento, sentimento e desejo. O comportamento do personagem, num determinado momento, refletido na qualidade e flexibilidade da voz, contribui tanto senão mais para a comunicação oral, do que as próprias palavras. A forma pela qual uma declaração por escrito é falada, estabelece a reação viva daquele que fala, em relação ao ambiente de pessoas e coisas. Se aquele que fala é maçador com sua presença, a qualidade da voz empregada quando ele pronuncia eu vou para casa, refletirá o incômodo ou uma tentativa de ocultá-lo. Se aquele que fala está alegre por vê-lo, o seu “eu vou para casa” revelará o seu estado jovial. Se você tiver a minha maçã e não levantar-se, o meu “eu quero a maçã” transmitirá que a maçã é minha e não sua, que eu e não você, paguei-a, que eu e não você, tenho o direito de comê-la, e que você a tem, mas eu a quero. Realmente, se eu a quiser, a minha voz pode contar inclusive um traço velado, de modo que a força física possa ser empregada de forma a completar o meu objetivo, e ainda, eu não disse em palavras para indicar a força física.

Mais tarde, se examinarmos as conversações na vida real, encontramos aquelas pessoas que dominam irresistivelmente a atenção de seus auditores, de maneira frequente, pois dizem mais do que sabem. Elas não falam como se a voz e as palavras fossem divorciadas do pensamento, do sentimento e desejo, que lhes dão o nascimento. Pelo contrário, elas emitem bem mesquinhamente, cada palavra ou frase, produzindo a riqueza de significação numa forma negativa antes que positiva. O ouvinte sente que aquele que fala está julgando, sentindo ou desejando mais do que ele pronunciou, que ele transmitiu mais pelo que não disse e está ocupado em dizer daquilo que já disse. Isto acontece assim porque a comunicação é uma força viva, comovedora, mutável – nunca cristalizada, nunca estática. Há continuidade na experiência, por isso, continuidade na expressão empírica. O presente nasce do passado e reflete o futuro. A transmissão oral não pode conter, inteiramente, a verdadeira realidade de pensamentos e sentimentos. Nem pode a voz. Nem pode a pantomima. Em toda elocução existe sempre alguma coisa deixada incomunicada. A vida sentida é a luz, a vida expressa (oral) é o trovão. Mais do que qualquer outro fator é a qualidade preciosa da voz e da linguagem, esta flexibilidade resistente que força a atenção e faz o ouvinte sentir que aquele que fala tem muito a dizer-lhe. Concentrando-se na obra de imaginação ou na matéria (assunto) subjetiva do discurso através do senso vivo da percepção, e estimulando uma liberdade de voz e uma correspondência oral a tal obra de imaginação, assegurará uma espontaneidade e viveza de expressão na flexibilidade geral e resistente da elocução vocal, em particular.

Ainda temos a considerar um terceiro fator na elocução oral. A voz do ator pode possuir qualidade e flexibilidade, as palavras faladas levam a uma concretização de sua importância, porém a transmissão vocal calma pode deixar alguma coisa, se não muito, a ser desejada. Esta alguma coisa pode ser chamada de um desejo de participar. Este desejo de participar realça a flexibilidade vocal e acrescenta brilho à palavra falada, porque ele considera a outra pessoa.

O homem não é autossuficiente, mas essencialmente gregário. Depende de seus colegas para sobreviver, e eles, pela mesma razão, dependem dele. Os homens são interdependentes. O filho deste instinto hereditário ou sentimento social é a expressão. A menos que o homem sinta um intrínseco clamor de expressão, um desejo de pura (genuína) comunicação e participação, a voz e a linguagem carecerão daquela centelha vital proveniente somente da consciência de que o instinto básico do homem é o da autopreservação, através do grupo.


Portanto, a conversação é uma troca: - um dar e tirar, um tirar e dar. É uma espécie de participação. Você não pode receber de seu vizinho o que ele não tem, ou se ele tiver, o que não deseja dar. Quando ele dá de má vontade, você recebe de má vontade e devolve de má vontade. Mas quando ele dá de boa vontade (do coração), você recebe e devolve desta maneira. Os canais, através dos quais esta troca tem lugar, são os canais da expressão: - a ação e o som. É este prazer de viver, esta alegria de dar e receber, nascida da necessidade humana de satisfazer as suas carências e os seus desejos, embora ao mesmo tempo respeitando as carências e os desejos dos outros – que proporcionam à humanidade a sua voz e a sua linguagem. 



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