A voz e
a linguagem (2ª
parte)
Quando as palavras são
faladas com inteira compreensão de seu conteúdo, seu impulso variará de acordo
com a contribuição que cada palavra ou grupo de palavras faz à comunicação.
Essas palavras que conduzem a substância da obra de imaginação, sobressairão em
relevo, enquanto que aquelas que servem apenas como suportes, despertarão um
impulso relativamente mais fraco. Na sentença “eu vou para casa”, as
palavras importantes são eu, vou e casa, porque elas
desenham o quadro. A menos que seja por ênfase, eu não despertará tanto
impulso quanto vou ou casa, porque minha verdadeira presença
torna-se conhecida, pois eu sou aquele que fala. Sou (am) é um auxiliar
e frequentemente insubmisso. Indo (going) será submetido porque denota
movimento. To (para) pode ser enfático se acaso eu estiver focando a
direção do meu movimento; por outras palavras, não. O artigo the é
frequentemente sem importância. Os adjetivos são descritivos da pessoa ou coisa
(substantivo), os advérbios da ação ou do movimento (verbos). A ênfase no
adjetivo vermelho (red), por exemplo, na fita vermelha, ou no
advérbio rapidamente (quickly) em ele corre rapidamente,
dependerá de como vividamente o espírito foca a cor vermelha (red) e a ação de
correr rápido, no momento em que a palavra é pronunciada. Falharia o ator ao
pender antes, ou enquanto diz a sua elocução transmitirá essa falta, ou
eventualmente virá a confiar num modelo de palavra ou ênfase de frase, nascido
da repetição ou da memória que, quando muito, são mecânicas. Entrementes, ele
estará apenas pondo a carroça diante do cavalo, o seu pensamento ou sentimento
estarão ora ausentes, juntamente, ou um pouco além da sua pronúncia, em vez de
um pouco acima ou simultâneos. Mantendo o pensamento vivo, vigoroso e novo,
assegurará uma ênfase correta da palavra. A ênfase é tão necessária ao
orador (aquele que fala) quanto o emprego da luz ou da penumbra para o pintor. As
palavras podem pintar um quadro. A permanente observação de conversações
entre pessoas na vida real, será a fonte perene do estudo do ator. Eis que a
natureza se constituirá no seu mais alto professor.
De fato, a ênfase da palavra mecânica
nada transmite, a não ser a ênfase da palavra mecânica. Mas, a ênfase da
palavra nascida da sensibilidade quanto ao personagem e à situação, torna as
palavras mensageiras vivas do pensamento, sentimento e desejo. O comportamento
do personagem, num determinado momento, refletido na qualidade e flexibilidade
da voz, contribui tanto senão mais para a comunicação oral, do que as próprias
palavras. A forma pela qual uma declaração por escrito é falada, estabelece a reação
viva daquele que fala, em relação ao ambiente de pessoas e coisas. Se
aquele que fala é maçador com sua presença, a qualidade da voz empregada quando
ele pronuncia eu vou para casa, refletirá o incômodo ou uma tentativa de
ocultá-lo. Se aquele que fala está alegre por vê-lo, o seu “eu vou para casa”
revelará o seu estado jovial. Se você tiver a minha maçã e não levantar-se, o
meu “eu quero a maçã” transmitirá que a maçã é minha e não sua, que eu e
não você, paguei-a, que eu e não você, tenho o direito de comê-la, e que você a
tem, mas eu a quero. Realmente, se eu a quiser, a minha voz pode
contar inclusive um traço velado, de modo que a força física possa ser
empregada de forma a completar o meu objetivo, e ainda, eu não disse em
palavras para indicar a força física.
Mais tarde, se examinarmos as
conversações na vida real, encontramos aquelas pessoas que dominam
irresistivelmente a atenção de seus auditores, de maneira frequente, pois dizem
mais do que sabem. Elas não falam como se a voz e as palavras fossem
divorciadas do pensamento, do sentimento e desejo, que lhes dão o nascimento.
Pelo contrário, elas emitem bem mesquinhamente, cada palavra ou frase,
produzindo a riqueza de significação numa forma negativa antes que positiva. O
ouvinte sente que aquele que fala está julgando, sentindo ou desejando mais do
que ele pronunciou, que ele transmitiu mais pelo que não disse e está ocupado
em dizer daquilo que já disse. Isto acontece assim porque a comunicação é uma
força viva, comovedora, mutável – nunca cristalizada, nunca estática. Há
continuidade na experiência, por isso, continuidade na expressão empírica. O
presente nasce do passado e reflete o futuro. A transmissão oral não pode
conter, inteiramente, a verdadeira realidade de pensamentos e sentimentos. Nem
pode a voz. Nem pode a pantomima. Em toda elocução existe sempre alguma coisa
deixada incomunicada. A vida sentida é a luz, a vida expressa (oral) é o
trovão. Mais do que qualquer outro fator é a qualidade preciosa da voz e da
linguagem, esta flexibilidade resistente que força a atenção e faz o
ouvinte sentir que aquele que fala tem muito a dizer-lhe. Concentrando-se na
obra de imaginação ou na matéria (assunto) subjetiva do discurso através do
senso vivo da percepção, e estimulando uma liberdade de voz e uma
correspondência oral a tal obra de imaginação, assegurará uma espontaneidade e
viveza de expressão na flexibilidade geral e resistente da elocução vocal, em
particular.
Ainda temos a considerar um
terceiro fator na elocução oral. A voz do ator pode possuir qualidade e
flexibilidade, as palavras faladas levam a uma concretização de sua
importância, porém a transmissão vocal calma pode deixar alguma coisa, se não
muito, a ser desejada. Esta alguma coisa pode ser chamada de um desejo de
participar. Este desejo de participar realça a flexibilidade vocal e
acrescenta brilho à palavra falada, porque ele considera a outra pessoa.
O homem não é autossuficiente,
mas essencialmente gregário. Depende de seus colegas para sobreviver, e eles,
pela mesma razão, dependem dele. Os homens são interdependentes. O filho deste
instinto hereditário ou sentimento social é a expressão. A menos que o homem
sinta um intrínseco clamor de expressão, um desejo de pura (genuína) comunicação
e participação, a voz e a linguagem carecerão daquela centelha vital
proveniente somente da consciência de que o instinto básico do homem é o da
autopreservação, através do grupo.
Portanto, a conversação é uma
troca: - um dar e tirar, um tirar e dar. É uma espécie de participação. Você
não pode receber de seu vizinho o que ele não tem, ou se ele tiver, o que não
deseja dar. Quando ele dá de má vontade, você recebe de má vontade e devolve de
má vontade. Mas quando ele dá de boa vontade (do coração), você recebe e
devolve desta maneira. Os canais, através dos quais esta troca tem lugar, são
os canais da expressão: - a ação e o som. É este prazer de viver, esta alegria
de dar e receber, nascida da necessidade humana de satisfazer as suas carências
e os seus desejos, embora ao mesmo tempo respeitando as carências e os desejos
dos outros – que proporcionam à humanidade a sua voz e a sua linguagem.
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