Foto Sérgio Eluf Bertha Zemel e Odlavas Petti |
Trechos de Crítica
O Estado de S. Paulo –
por Décio de Almeida Prado – 06/03/1964
Três
adaptações quase sucessivas, duas cinematográficas (a russa e a de Visconti) e
esta teatral, vem demonstrar que a velha e romântica novela de Dostoiévski
ainda tem alguma coisa a revelar ao espectador moderno, ainda que seja,
simplesmente, trazer aos seus ouvidos ecos de uma melodia outrora familiar e
agora já quase esquecida. Noites Brancas,
com efeito, é uma história paradigmática, exemplar, fundindo numa ação simples
toda uma série de mitos populares do romantismo em sua face que poderíamos
chamar de angélica, em oposição à satânica: o jovem sonhador, solitário e
incompreendido, a revelação súbita do amor através da mulher que é a sua alma gêmea,
a efusão sentimental, a esperança da felicidade e a separação trágica – o
encontro perfeito dera-se demasiado tarde. Tudo parece emanar da magia de
algumas noites de primavera, como se as próprias personagens fossem produto do
devaneio e o romance de amor não passasse de uma dessas imagens fugidias da
felicidade que fabricamos para nós mesmos, sabendo embora que não podem ter
qualquer correspondência no mundo real. É uma fantasia típica da adolescência,
um sonhar acordado – mas nem por isso menos significativa ou cativante. A
encenação do Teatro Popular do Sesi, estreada anteontem no Teatro Maria Della
Costa, fica a meio caminho entre o amadorismo, de onde o grupo provém e o
profissionalismo, para o qual se dirige. Daí, paradoxalmente, boa parte do seu
inegável encanto. Fosse outra a história, menos baseada na força da imaginação,
e talvez exigíssemos, do texto e do espetáculo, maior dose de técnica
artesanal. Mas o faz-de-conta deste Dostoiévski quase lírico casa-se bem com o
caráter por vezes primitivo da encenação, no bom sentido em que a palavra é
empregada em pintura, de obra que se comunica a nós pela simplicidade e
ingenuidade de tom. Tanto a adaptação de Bertha Zemel como a direção de Osmar
Rodrigues Cruz tiveram a sabedoria de não desejarem ser espertas demais,
criando uma atmosfera de inocência humana e artística que, sem nos levar a uma
realização estética acabada, faz o suficiente para que possamos compreender e
sentir o sabor da novela [...]. Cenário de Clovis Garcia, aproveitando com
inteligência as soluções mais atuais do teatro moderno.
(in Osmar
Rodrigues Cruz Uma Vida no Teatro Hucitec 2001)
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