NIZE SILVA
Um dia como na vida de muitas
pessoas afortunadas, surge outra pessoa que o fará mudar de rumo, modificar sua
vida para sempre e fazê-lo realmente feliz.
Quando Nize apareceu para fazer o
curso, talvez ele não tivesse prestado atenção, fora a beleza, é claro, nem ela
muito menos. Estamos falando dos anos 50, época de Elvis, quase Beatles, época
de revolução dos costumes. Ele casado com uma filha, ela noiva, mas afinal é
apenas um curso de teatro, um curso que mudará totalmente o curso da vida dos
dois.
O professor era Osmar, a aluna
Nize e a filha eu. Ora, diria meu pai, “não vamos falar de vida particular”.
Vamos sim, porque estamos nessa vida para encontrar a pessoa que nos fará
MELHOR, nos compreenderá e, assim sendo, será nossa companheira. Estou aqui
apenas como testemunha ocular para poder afirmar que meu pai era apaixonado por
Nize. Então, Sr. Osmar, com licença, vamos falar de sua musa!
Eles começaram como amigos,
afinal os dois eram compromissados. Mas quem resistiria diante das confissões,
dos desabafos e de toda cumplicidade que nasceu entre eles? Seria isso história
de folhetim? Seria um enredo teatral? Não, foi vida real mesmo. Depois o tempo
se encarregou de unir, para sempre, duas pessoas incomparáveis.
O tempo também fez aparecer o
enorme talento de Nize como atriz e de Osmar como diretor. Quantas histórias
assim existem no mundo artístico? Sabem por quê? Porque isso é maravilhoso!!! O
teatro é uma força que nos leva e trás da realidade para a magia, força que nos
faz mergulhar em nós mesmos, em observar os outros a nossa volta e de nos
apaixonarmos verdadeiramente.
Com tamanha sinceridade nascida
da amizade entre eles, logo aconteceu o primeiro beijo... (que eu soube, foi no
teatro)
Ninguém mais conseguiu separar
esses dois, profissionalmente como pessoalmente. A própria vida havia se
encarregado disso.
E eu, finalmente, consegui
conhecer a Nize! Esse dia foi inesquecível, não pensei em nada, apenas estava ali,
diante da pessoa que meu pai amava. Para mim bastava isso. Mas eu também pude conhecê-la,
conviver com ela, aprender.
Tem sido, e será para sempre uma
experiência insuperável. Meu pai me deixou de herança muitas coisas, mas a
melhor e maior, certamente, é continuar a conviver com a Nize, minha mãe, amiga
e confidente.
Por tudo isso, com licença, vamos
falar muito da Nize! Ela encantou a plateia do Teatro Popular do Sesi (TPS) desde
sua criação. Havia uma sintonia entre ela e o diretor, que colaborava para que
o espetáculo resultasse perfeito. Nize fazia a plateia rir ou chorar com ela, ganhando
assim o maior prêmio que um ator pode ter, o reconhecimento do imenso público
do TPS.
Depoimento de Nize Silva (Osmar
Rodrigues Cruz Uma Vida no Teatro, SP, Hucitec, 2001)
Professor Osmar
Osmar, meu professor no “Curso de
Atores para o Cinema” do Museu de Arte, convidou-me para fazer teatro no Sesi;
ao aceitar o seu convite não poderia supor o quanto minha carreira estaria
ligada à trajetória do TPS em todas as suas fases, desde a primeira peça do TES
(Teatro Experimental do Sesi), a Torre em
Concurso de J. M. Macedo até Confusão
na Cidade de Goldoni, trinta anos depois. Sinto-me recompensada por ter
participado da única companhia brasileira, cujo projeto de popularização do
teatro logrou êxito.
Lembro-me de como foi emocionante
ver uma enorme massa popular se comprimindo junto às portas do Teatro
Municipal, quando da apresentação de O
Fazedor de Chuva do Richard Nash. Os funcionários do teatro temerosos
recomendavam que as portas do teatro fossem abertas mais cedo, temendo pelo
pior. Do camarim onde estávamos ouvíamos a correria em busca dos melhores
lugares. Quando a cortina abriu a casa estava lotada, lotada de gente que vinha
pela primeira vez assistir a uma peça teatral e que pela primeira vez entrou
num teatro até então frequentado pela elite paulistana. Nessa noite percebi que
se o Osmar conseguisse levar adiante o seu projeto, teria sucesso.
Não foi sem luta, força de
vontade, entrega, que o TPS obteve o reconhecimento, da própria entidade e da
crítica. (...)
Impossível por isso dissociar o
TPS do homem. (...)
Prazer era o que ele sentia ao
dirigir uma nova peça. Quando esta entrava em cartaz, assistia a alguns
espetáculos até apurá-los. Depois durante toda a temporada em que as peças permaneciam
em cartaz, não assistia mais, mas ouvia!... de sua sala, onde mandou que
instalassem uma caixa de som. Era assim que controlava os atores.
Até hoje me pergunto como
conseguia administrar todas as funções que exercia, sim, porque além de Diretor
Artístico, administrava o Teatro e ainda dirigia uma Divisão de Divulgação. Não
é à toa que morava praticamente no teatro, de segunda a segunda a qualquer hora
do dia ou da noite era encontrado nas dependências do teatro. Acumulou um
colosso de férias.
Esse entusiasmo foi me envolvendo
de tal forma, que mesmo quando não estava na peça em cartaz, ia quase toda
noite ao teatro. Desse convívio, meu professor, meu diretor, tornou-se em 1974,
meu marido. Continuei minha carreira no Sesi, das vinte e cinco peças do seu
repertório, devo ter participado de umas vinte. Para aqueles que sempre acharam
que como esposa do diretor eu tinha privilégios, enganaram-se, nunca fui tão
cobrada, nunca tanto foi exigido de mim depois de casados.
(...)
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