TRECHOS CRÍTICA – FOLHA DE SÃO PAULO – POR FAUSTO FUSER – 27/05/1972
Os amantes obrigatórios
OS AMANTES DE VIORNE é um espetáculo apoiado unicamente na interpretação
individual dos atores. Esse depoimento de um passado vivo deve passar ao
público pelo estímulo do questionante, nosso representante no drama de um
assassinato.
Livrando-se
da prima surda-muda, a mulher livra-se de tudo o que a oprimiu durante toda a
sua vida de casada e está satisfeita porque agora a casa está abandonada, suja
e breve o mato tomará conta do jardim onde passou, sentada, inativa, mais de
vinte anos.
Seu
marido é pessoa desconhecida para ela, perdida que está na perseguição de
fantasmas imaginários e transferindo o melhor de sua existência ao homem que
poderia ser seu segundo grande amor: um vagabundo, homem inteiramente livre, de
certa forma parecido com aquele que amara loucamente e por quem tentara o
suicídio. O marido, feitas as contas, jamais chegou a entrar em sua vida.
Pequeno-burguês
em busca de seu pequeno conforto, ele por sua vez, jamais sequer tentou
conhecer a esposa. O interesse sexual do início do matrimônio transferiu-se
para encontros fortuitos com prostitutas, mas a lembrança do grande amor que
sua mulher tivera por outro ainda o perturba.
Não
há qualquer busca policial no espetáculo: quando ele se inicia, a mulher já
está presa e já confessou o crime. Aliás, foi ela mesma que, muito simplesmente,
se denunciou, apesar de estar ainda fora de suspeita. Ela não declara poucas
coisas: porque matou e onde é que depositou a cabeça do cadáver. O corpo da
gorda e saudável surda-muda fora cortado em pequenos pedaços e distribuído em
muitos trens que seguiam para regiões e países diferentes. Para completar a
reconstituição falta apenas a cabeça, mas onde está a cabeça a criminosa
insiste em ocultar.
É
a única maneira de despertar o interesse por seu passado, por seus pensamentos.
Se ela contar onde está a cabeça, ninguém mais a ouvirá.
Um
homem sentado à nossa frente conta durante todo o primeiro ato, sua vida,
declara suas ambições, confessa seus erros. No segundo ato é a mulher que ocupa
a mesma cadeira. Nenhum deles sequer tenta se levantar e é por isso que, no
final da peça, quando a mulher vem apressada até a frente do palco para chamar
o interrogador, muita força intencional fica registrada no espectador e se
esboça uma solução para o mistério. Mas as luzes já estão se apagando.
Osmar
Rodrigues Cruz trabalhou seus atores dentro de perspectivas psicológicas e
nesse sentido seu resultado é surpreendente.
(...)
OS AMANTES DE VIORNE, pelo desempenho perfeito de dois atores de altíssimo
nível e uma direção inteligente, por um texto apaixonante, é espetáculo
obrigatório, embora não faça nenhuma concessão para agradar através de atalhos
das facilidades conhecidas.
(in Osmar Rodrigues Cruz - Uma vida no teatro. Hucitec 2001)
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Sérgio Viotti, Nathalia Timberg e Geraldo Del Rey. Fotógrafo anônimo. |
Quando as máquinas param de Plínio Marcos
REFERÊNCIAS SOBRE A PEÇA: Reportagem de Itamar Cunha
(...)
Sua problemática gira em torno de um casal onde o marido desempregado não
encontra trabalho. A falta de dinheiro, o futebol e as novelas fazem com que o
casal vá vivendo, ou melhor, sobrevivendo em total alienação diante dos fatos
que o tornou assim. Envolvidos pelo sistema, os dois são vítimas sem alcançar a
noção do verdadeiro motivo que cerca toda a realidade concreta onde estão
colocados. Nesse círculo surgem outros problemas que fazem com que os
personagens se conscientizem do todo social em que vivem, e a peça, que até
então não passava de uma comédia, traz em seu final o gosto amargo de uma
denúncia.(...)
(in Osmar Rodrigues Cruz - Uma vida no teatro. Hucitec 2001)