O esquema usado em todas as
oficinas foi de iniciar as aulas com a respiração reichiana acompanhada de
música. Dividi os grupos aleatoriamente para que pudessem discutir o tema
proposto e organizar o exercício a ser mostrado posteriormente. Cada grupo se
apresentava e ao final, rapidamente, fazíamos um pequeno comentário. E o
grupão, que fechava a aula indicava o momento de discutir os exercícios, falar
do dia, dos problemas e da vida.
Ao analisar os relatórios das
oficinas e mostrá-los, tento afirmar a ressonância da prática aplicada, bem
como atestar a eficácia da convivência de cada grupo entre si e de todos entre
todos para o crescimento de cada um.
Quando me deparei com os
relatórios confesso que fiquei surpresa com o volume, pois sei a quantidade de
analfabetos funcionais existentes em nosso país. É claro que alguns relatórios
eram ilegíveis, a maioria era feita sem nenhuma preocupação com a apresentação
ou com quem fosse ler. Porém, todos quiseram expressar sua opinião por escrito,
o que é sempre muito relevante e deve ser incentivado.
OFICINA NA ESCOLA DO MOVIMENTO
DOS TRABALHADORES RURAIS SEM-TERRA LOCAL
- SUL DO PAÍS
PERÍODO – Setembro/1991
As Oficinas para o Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) foram divididas em duas turmas, sendo
pela manhã a turma do segundo grau e pela tarde a do primeiro grau. Não houve relatórios
dos participantes, porém fizemos uma reunião de avaliação e todos puderam
expressar nossas opiniões. Havia levado alguns textos, cópias de peças curtas
de Bertolt Brecht que deixei com eles. Fiz indicações de alguns livros fáceis
de serem encontrados, bem como fiquei à disposição no que pudesse ajudar. É
costume no MST não se tomar a autoria de nada, portanto as publicações que
saíram a seguir nem mencionavam as Oficinas. Elas foram uma grande introdução
de um grande projeto que não vingou, pois saía muito dispendioso pagar as
despesas mínimas de uma professora de São Paulo para ir aos assentamentos.
Nunca se recebe salário, tudo é doação como colaborador. O projeto de levar
teatro aos acampamentos era uma maneira de suprir o tempo ocioso dentro do
acampamento. Como a ocupação é de resistência, pode-se até preparar a terra,
mas não há condições de vida para um cotidiano normal. Assim como a escola
funciona ao ar livre dentro das condições apresentadas, o teatro seria uma
forma de encontro dos adultos e das crianças também em outro grupo, para
ensaiarem, fazerem seus exercícios. Em algum lugar a idéia deve ter vingado e
se não vingou, qualquer hora é hora de recomeçar. Os alunos ficaram
maravilhados com a idéia de levar o teatro para o acampamento como meio de
conscientização e socialização do coletivo. Sentiam-se à vontade para realizar
qualquer enredo depois da descoberta e domínio do roteiro. Todos estavam mais
conscientes da expressividade corporal e vocal como meio de construção de uma
mensagem. Dentro do exercício eles puderam experienciar uma nova maneira de
ser, bem diferente da atenção constante e até vigilância sobre si mesmo. Enfim,
puderam experimentar uma liberdade possível e necessária a qualquer luta.
OFICINA ATUANDO NO PALCO DA
VIDA
LOCAL – CENTRO CULTURAL SÃO
PAULO
PERÍODO – 19/08/1997 A
11/09/1997
Terças e quintas-feiras/13 às
15 horas
50 inscritos
Quando retornei da Oficina no
MST estava convencida de que aquela maneira de trabalhar com atores e não
atores dariam bons resultados e fui à busca do Centro Cultural São Paulo. Fui
ao encontro de Lizette Negreiros, responsável pela política e ação cultural,
entre outras, para as crianças, os jovens e os adolescentes. Somente ela
poderia dar-me os parâmetros e as diretrizes para um bom resultado e, acima de
tudo, se essa Oficina poderia ser útil. O empenho e dedicação de Lizette frente
a seu trabalho com os jovens e sua constante preocupação com conteúdos e
métodos a serem empregados com eles faz a diferença na qualidade dos trabalhos
apresentados no CCSP. Não só relativo aos espetáculos, como também às Oficinas,
seu crivo é bem rigoroso, se eu conseguisse passar por ele, estaria mais tranquila.
Não precisaria mencionar, mas no meu caso em particular é bom, que a entrada no
CCSP não dependesse somente Lizette, colega de TPS de tantos anos, mas de
instâncias superiores, portanto se pairava uma dúvida...
Entreguei uma proposta aberta à
direção do CCSP, não restringi idade, deixei que a seleção pessoal fosse
formando uma turma eclética e satisfatória. Deu certo.
Iniciei com uma entrevista com
grupos de participantes, durante quatro dias consecutivos, nos quais pude
avaliar o real interesse de cada participante. Isso fez com que eu tivesse
alguma certeza quanto à evasão, tão comum em cursos de curta duração.
A primeira Oficina transcorreu
muito bem – pude ministrá-la inteiramente a contento e acredito que os alunos
também sentiram assim, haja vista o resultado positivo dos relatórios
comentados a seguir. Minhas expectativas quanto a trabalhar no Centro Cultural
foram alcançadas e ultrapassadas, pois tive liberdade de desenvolver as aulas
inteiramente. Depois dessa experiência posso afirmar que há carência desse tipo
de curso, que quase não pede pré-requisitos, que constrói uma turma heterogênea
como a nossa: professores, estudantes de direito, secretariado e teatro –
profissionais que aspiravam melhorar seu desempenho comunicativo, com idades
que variavam de 15 a 54 anos.
Dentre os relatórios apresentados
pelos participantes, destacam-se pontos em comum, os quais são relevantes para
comprovar a eficácia da Oficina.
Fica explícito nos relatórios
que todos tiveram a compreensão exata de que os exercícios de respiração
auxiliavam na oxigenação do corpo, a perder a timidez e soltar a voz, mas ao
mesmo tempo entender algumas de suas limitações, pois a Oficina possibilitou
uma nova visão de si mesmo. Em vários depoimentos encontram-se afirmações de
que aprenderam a lidar melhor com as situações do cotidiano e com isso tiveram
uma surpresa consigo mesmos. Aprenderam a enfrentar os medos, pois conseguiram
perceber que vem da mente. Reclamaram muito da curta duração da Oficina, talvez
esperando ingressar num curso regular.
Pessoas de várias idades e
profissões, juntas, propiciaram a interação de cada um no grupo, a auxiliar e
contar com o próximo, desenvolver a convivência em grupo, como também melhorar
o aprendizado para saber lidar com as situações do cotidiano. A aplicação dos
exercícios no dia a dia e saber colocar em prática o dizer “não”, o que para
nós brasileiros é incomum, foi também observado nos relatórios.
Segundo Elissandra [1], que me auxiliou nas análises:
“As mulheres no curso, segundo os relatórios, apresentaram maior
espontaneidade, falaram mais dos seus sentimentos, detalhavam com precisão os
exercícios e não demonstraram temores quando expunham suas idéias. Os homens,
mais contidos e objetivos, foram diretos e poucos comentaram sua experiência
pessoal.”.
OFICINA VIVENCIANDO O TEATRO:
UMA APTIDÃO PARA A VIDA
LOCAL – CENTRO CULTURAL SÃO
PAULO
PERÍODO – 23/10 a 11/12/1999
Sábados/10 às 13 horas
30 inscritos (com 2
mensalidades de R$ 20,00)
Com uma Oficina encomendada
pela Coordenadoria do CCSP, dessa vez com cobrança de mensalidade, confesso que
fiquei apreensiva, porém foram tantos inscritos que me tranquilizei. A primeira
Oficina havia obtido excelentes resultados e agora o perfil dos participantes
foi definido entre adolescentes e jovens, o que definia o grupo de trabalho.
Procedi como da primeira vez fazendo um bate–papo-entrevista.
O espaço que nos foi designado
era pequeno - uma das salas de ensaio, para o número de participantes era
difícil, porém não havia alternativa. Depois de montada a Oficina e contratadas
as pessoas é que se pensa no espaço, e não é culpa deles, é falta de vontade
política em liberar as salas de espetáculos para aulas de teatro. Como sempre a
afluência foi grande de interessados e a seleção efetuada pessoalmente não
deixou dúvidas quanto à escolha dos 30 participantes. Não tivemos evasões,
porém nem todos fizeram relatórios. Dos que pude analisar, a maioria foi
unânime em afirmar o equilíbrio que a respiração proporcionava. O
desenvolvimento da paciência para com os outros num espaço tão pequeno, também
foi um fator que chamou a atenção dos participantes. Na expressão dos alunos,
“sair do umbigo” foi muito difícil, mas valeu a pena, porque propiciou o
encontro com o outro, ao mesmo tempo em que despertou a criança que existe
dentro de nós e que fazemos questão de esquecer. Aprender a ouvir e respeitar o
comando do professor ou orientador foi novidade, que os participantes
destacaram em seus relatórios. Penso que para o bom andamento de uma aula de
teatro é preciso muita disciplina, porque o ambiente já é dispersivo, então
tento transmitir que há um comando com tranqüilidade para eles. Para os que
serão atores mais tarde, se encontrem preparados quando enfrentarem o comando
de seus diretores de teatro, cinema ou televisão.
Acredito que do ponto de vista
de conteúdo a Oficina respondeu ao seu intento, pois os relatórios dos alunos e
os “bate-papos” informais com alguns participantes sempre mostraram boa
receptividade. O fato de utilizarmos o horário matutino aos sábados foi bem
aceito, causando-me surpresa a assiduidade dos participantes, mesmo os finais
de semana prolongados. Todas essas dificuldades foram um grande aprendizado e
um grande teste, porque nos propiciou aprender a reverter as impressões
negativas iniciais para positivas.
OFICINA TEATRO - A LIBERDADE DO
SER
LOCAL – CENTRO CULTURAL SÃO
PAULO
PERÍODO – Abril a Julho de 2001
Sábados/10 às 13 horas e 14 às
17 horas
50 inscritos em cada turma
Turma 1 – Eram muitos
adolescentes, quase todos estavam se expressando pela primeira vez. Nos grupões
iniciais, que faço sempre aos finais das aulas, eles mal falavam e se revelaram
no decorrer dos dois meses. Segundo os relatórios as notícias de jornal
ajudaram a pensar melhor, chegaram a definir as aulas como oficinas de
cidadania. Os temas que mais buscavam nos jornais eram os problemas da
periferia, como violência, drogas e prostituição; cadeia, isso com forte
influência dos programas policiais de televisão. Era a época do apagão, então
surgiram muitos exercícios sobre o assunto explorando o lado positivo de
educação para a economia de luz, como também a crítica culpando o governo pela
ausência de providências.
Para os adolescentes o contato
com a respiração foi muito importante, tomando-a como um exercício de
relaxamento.
Turma 2 – Essa turma era
principalmente de jovens que tinham como objetivo resolver o problema da
timidez e da dificuldade em se comunicar. Não havia um interesse específico no
teatro em si, mas nos resultados que ele pudesse dar. Por isso a surpresa em se
ver improvisando ou relaxando com uma nova maneira de respirar era muito
grande. O mais importante para todos eles era a concentração, que eles souberam
desenvolver muito bem. Os temas escolhidos nos jornais foram, principalmente,
aqueles ligados à política, à televisão, como os programas de fofocas e os
problemas da sociedade em que eles vivem.
Turma 3 e 4 – O uso dos jornais
e das revistas foi muito enfatizado por essas turmas em seus relatórios. Isso
ocorreu talvez porque as turmas fossem muito heterogêneas em idade,
proporcionando um maior debate de idéias. Porém, principalmente para a turma 3,
o que todos apreenderam da Oficina foi o desenvolvimento de um maior equilíbrio
mental e físico através dos exercícios de respiração, assim como nos jogos. A
turma 4 tomava a Oficina mais como uma terapia. Nas palavras de Elissandra,
minha assistente: “Esta turma mostrou a importância de usar os jornais e
revistas no momento da criação. Comentar e debater temas e notícias estabeleceu
um olhar crítico dos jovens e adolescentes, demonstrando no grupo o necessário
questionamento e insatisfação perante as desigualdades e negligências sociais.
Ressaltando a necessidade da leitura e a importância política, moral e social
do teatro em nossas vidas.”.
Para poder dar conta,
plenamente, de uma Oficina pela manhã e outra à tarde, convoquei dois
assistentes, meus ex-alunos – Alessandra e Salomão [2] que me ajudaram muito.
Pedi a Alessandra Gisele
Daniel, Lili, minha aluna e assistente, para que me ajudasse na análise dos
muitos depoimentos. Por fim, aconteceu um trabalho extremamente profícuo que
gerou análises e considerações tanto minhas quanto dela. Além do depoimento
feito a época em que cursou as Oficinas, Lili produziu um depoimento geral de
sua participação como aluna e assistente, inclusive em outros grupos.
Fabiana S. Magalhães [3] também fez o mesmo em outro
estilo, porém, em ambas, se vê a análise do passado através do momento
presente. Lili em seu relato enfatiza sua luta pessoal contra a timidez e
credita ao trabalho nos grupos o resultado de sua mudança. Quando foi minha
assistente pode mostrar sua desinibição.
Terminada a terceira Oficina –
A Liberdade do Ser, um pequeno grupo se formou querendo aprofundar o estudo
teórico sobre o teatro. Então montamos um pequeno grupo em minha casa com aulas
uma vez por semana onde estudamos a história geral do teatro, bem como o teatro
brasileiro.
Fizemos também uma experiência
num espaço no bairro do Jabaquara, cedido por uma aluna, onde pudemos
aprofundar os exercícios das oficinas, todos eram ex-alunos e queriam seguir em
frente com exercícios mais elaborados em busca de montar um grupo de teatro.
Infelizmente, o espaço teve de ser ocupado e a turma se dispersou.
Salomão Cohen se destacou no
curso tanto quanto Lili. De um adolescente de 16 anos para um jovem mais ativo,
dinâmico e deixando sua iniciativa ser despertada. Após a Oficina A Liberdade
do Ser, ele manteve contato, sempre disposto a reunir a turma, sempre
participando dos cursos. Quando resolvi chamá-lo para ser meu assistente, ele
mostrou-se muito interessado e cumpriu sua função com precisão. Com esse
aprendizado e com o talento nato de Salomão para a interpretação e a direção,
aplicou o que aprendeu na sua turma de escola, dirigindo um espetáculo com
texto de outro aluno. Como estavam em conclusão do terceiro grau, o trabalho de
Salomão foi extremamente gratificante e marcante para a escola.
Depois de toda essa iniciação,
pensei que ele fosse se interessar em fazer um curso superior de artes, em
crescer e atuar em teatro. Porém, isso não aconteceu, ele permaneceu em contato
conosco, mas não se interessou por nada referente a teatro. Esboçou a vontade
de cursar cinema, mas não perseverou na idéia. Enfim, é com pesar que não inclua
um relatório seu, seja porque não soube ou não quis fazer, seja porque não
tenha mais tempo para isso. É penoso ver um talento se perder por nada, por
falta de direção, de determinação, talvez esse seja o lado ruim de um curso.
Quando percebemos que o aluno que dispunha de tempo, talento, vontade não
vinga, não aproveita as oportunidades oferecidas pela vida.
Fiz questão de deixar aqui esse
relato, pois ele vai de encontro ao “susto” que a prática de Reich pode
produzir. Estar mais presente no mundo, em sua própria vida, assumir riscos e
responsabilidades pode ser, às vezes, assustador para alguns. A liberdade
corporal exige controle, desenvolvimento da inteligência, maior conhecimento
emocional de si mesmo, tudo isso pode produzir um efeito contrário devastador.
Embora seja um risco pequeno, pois apenas ele apresentou esse comportamento,
não deixa de ser uma perda.
Por outro lado, quantas
revelações se deram nos grupos durante os exercícios, quando o ser se deixa
simplesmente representar, brincar, jogar, sem censuras. Muitos participantes se
revelaram assim, percebendo em si mesmo um dom antes encoberto. Foi assim com a
Lili e a Fabiana e tantos outros que teremos a surpresa de encontrar algum dia
num palco ou num estúdio. Os exercícios também trouxeram a todos aqueles não
atores uma maneira nova de encarar a vida, de abandonar o preconceito, de ser
mais solidário com os outros. Tornaram-se atores na vida!
O grupão, de uma forma geral,
revelou a vida de cada um, foi o cerne da Oficina para cada participante, pois
eles tinham um momento e um espaço para se expressarem. Aprendemos a ouvir
críticas, a fazer comentários sem agredir, aprendemos a nos defender. Sem
resvalar para a terapia, os grupões propiciavam um encontro de todo grupo
através de uma dinâmica, porém sem bloqueios. Chegamos a dizer coisas sérias,
tivemos problemas sérios, mas nunca tivemos um momento de agressão, um gesto
mais ousado, nem dentro, nem fora da sala de aula. Eram adolescentes de
diversas classes sociais e econômicas, porém todos ali eram iguais e havia
respeito entre todos. Conseguimos colocar uma teoria em prática e respeita-la
plenamente.
[1] Elissandra Gisele Daniel foi
minha aluna na Oficina - Vivenciando o Teatro uma Aptidão para Vida, minha
assistente na Oficina - Teatro A Liberdade do Ser e minha colaboradora na
análise dos relatórios.
[2] Salomão Cohen foi meu aluno na
Oficina – Teatro A Liberdade do Ser
[3] Fabiana S. Magalhães foi minha
aluna na Oficina – Teatro A Liberdade do Ser
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