sábado, 22 de março de 2014

PEQUENOS ASSASSINATOS

REFERÊNCIAS SOBRE A PEÇA – 16/02/1972
“Um grito de alerta”
“Pequenos Assassinatos” é, sem dúvida, um grito de alerta. Jules Feiffer não pretendeu, com esta peça, dar uma solução ao problema da violência, entretanto, nenhum autor norte americano se aprofundou tanto nos paradoxos da classe média americana, no que se refere ao assunto.
A peça é uma sátira, não porque Feiffer encare o problema como fato humorístico, o que aliás não é, mas porque ele usa a sátira para que o público possa melhor criticar os acontecimentos. O riso é a melhor forma de participação. Como ele próprio diz: “a classe média americana está  enlouquecendo tradicionalmente, pois não consegue sair do labirinto da violência.” Por isso, ele a apresenta através de uma família tradicional e pacífica, que, ao abrir-se o pano, já está, sem perceber, sob a pressão da máquina da violência. Com ela poderemos ver o que irá acontecer se todos, em todos os lugares, não tomarem consciência da necessidade de que a razão e o bom senso dominem o mundo.
A violência, um mal que destrói a sociedade, não nasce com o homem, e não existe por si, a não ser quando a praticamos sob múltiplas maneiras. A violência é fenômeno social, como é a justiça, a política, a economia e não é muito difícil falar nela numa época que conheceu Auschwitz, Hiroshima, Biafra e o Vietnann.
O fato de vivermos ambientados num clima cotidiano de violência, levou-nos ao absurdo de que as perspectivas de uma guerra atômica não nos horrorizam mais.
A história não está regida por deuses ou pela fatalidade, ela, para nosso mal ou nosso bem, é escrita pela nossa própria ação, quer como indivíduos quer como coletividade. Se a verdade tem demonstrado que a violência, debaixo de suas várias formas, não pode ser eliminada da existência social, total ou parcialmente, a única atitude racional consiste em compreender as circunstâncias pelas quais ela se produz e fazermos todos os esforços que estejam ao nosso alcance, para dominá-la. Caso contrário vai acontecer o mesmo que aos seus personagens da peça, na visão final de Feiffer, onde ele nos dá a imagem da agressão já instalada de ambos os lados e o resultado disso é tão nítido que podemos chegar a seguinte conclusão: a violência está destruindo a sociedade, e o que faltou, ao mundo contemporâneo e industrializado, foi um pouco da visão trágica da existência para ter evitado essa explosão violenta que Feiffer retrata tão fielmente.
A família desta peça enlouquece porque não tem condições de sobrevivência. Até determinado instante ela tenta se manter pacífica, resiste a ponto de tornar o seu “habitat” numa fortaleza. Motivada por mais uma série de fatores agressivos perde a razão  e entra no jogo como todos que a cercam, felizes e satisfeitos, alienados.
Os personagens são todos vítimas de uma maneira ou de outra: são, violentamente, envolvidos pelo sistema desumano da vida urbana. A visão final não é uma lição, uma vingança, ou um revide. É sim, um alerta. Não podemos terminar nos destruindo uns aos outros como nos filmes “FAR WEST”. O que é preciso, isso sim, é dar um basta, colocar o raciocínio para funcionar e procurar a gênese da violência, para não sermos alcançados tal como o final da peça. Agride-se porque a moda é agredir, isso é a conclusão da peça de Jules Feiffer. A comédia diverte, mas os tiros incomodam. Indiscutivelmente a peça foi escrita procurando demonstrar que há urgência de soluções para que não haja o caos, e que a vida moderna é uma luta constante pela sobrevivência, o que é tão bem retratado nesta fala da peça: “Eu divido meu dia em etapas. Cem mil etapas. Me levanto de manhã e penso, OK, nenhum atirador furtivo conseguiu me pegar antes do café. Vamos ver se eu consigo dar minha caminhada matinal sem ser castrado. OK, terminei minha caminhada, vamos ver se consigo chegar em casa sem que um tijolo, jogado do último andar do edifício, caia na minha cabeça. OK, estou seguro no hall, vamos ver se eu consigo subir no elevador sem me enfiarem uma faca no lombo. OK, consegui chegar no meu andar, vamos ver agora se, ao abrir a porta, não encontro assaltantes no corredor, OK, já estou no corredor, vamos ver agora se abro a porta e não encontro toda a família esquartejada no living. Cidade amaldiçoada!”
JULES FEIFFER É TALVEZ UM DOS MAIS CONHECIDOS HUMORISTAS AMERICANOS, E SEUS DESENHOS SÃO CONHECIDOS EM TODO MUNDO. Escreveu sua primeira novela “Harry, the rat with women” em 1963. Depois escreveu três peças de teatro: “God Bless“, “The White House Murder Case” e Little Murders”(Pequenos Assassinatos) e seu último trabalho foi roteiro original do filme “Carnal Knowledge” com Mike Nichols, grande sucesso nos Estados Unidos e Europa e que virá ao Brasil com o título de “Ânsia de Amar”. Alguém perguntou a Feiffer porquê ele tinha se dedicado também a escrever peças teatrais e roteiros cinematográficos, já que fazia tanto sucesso com seus cartoons, disse ele – “Primeiro, os cartoons tinham um público relativamente restrito, e segundo os cartoons começaram a ser irrestritamente aceitos pelo grande público, que pensei que estava sendo mal entendido, e então eu me dediquei a formas nas quais poderia ser melhor compreendido, diminuindo assim meu público. Não me peçam para explicar isto.” (ORC)

DECLARAÇÃO (em entrevista) ÚLTIMA HORA - 11/02/1972 
“O filme “Little Murders” exibido recentemente em São Paulo mostra a violência reinante de nossa época, onde os personagens são lineares. Na peça eu pretendo colocar mais humor negro, mais sarcasmo, mostrar mais o problema da violência. Quero deixar bem claro, ao contrário do filme, que a família representa uma classe social, a média, que está enlouquecendo aos poucos, porque é a única que não se manifesta. Sua única preocupação é a sobrevivência. Eu não quero a mensagem olho por olho, dente por dente, mas sim que a peça seja um grito de alerta. O problema é todo mundo tomar consciência do que está acontecendo a nossa volta ou então vamos acabar mesmo, um atirando no outro, para matar. Estou confiante na montagem por se tratar de um problema atualíssimo.”

ENTREVISTA - ÚLTIMA HORA - COLUNA RONDA - A OSWALDO MENDES - 24/03/1972 
“A VIOLÊNCIA ESTÁ AÍ “
Muita gente se diverte com as manchetes sensacionalistas dos jornais “especializados” em crimes, lê com gosto as revistas do gênero, procuram filmes onde a violência impera. E tudo isso lhe parece coisa do outro planeta. Mas, segundo Osmar Rodrigues Cruz, diretor de Pequenos Assassinatos, esse é o perigo, a nossa convivência com a violência, e é esse o foco atingido pela peça de Jules Feiffer: - “Pequenos Assassinatos” mostra o perigo de caminharmos para a violência, individual e coletiva, em tudo. Veja a televisão: de dez programas, seis são filmes que têm mortes, crimes, assassinatos. Para se mostrar que o crime não compensa, usa-se de tantos recursos que acabam tornando o crime simpático. E o pior de tudo isso, o homem se acostumar à violência.
Há quem goste de ficar discutindo se a violência é instintiva no homem ou é fruto do meio onde se vive. Para Osmar a discussão está encerrada, porque ele é dos que definem a violência como resultado de um contexto social, e isso tentará deixar claro no seu espetáculo: - É difícil falar desse problema. Mas se a violência não tem cura, como muitos apregoam, haverá pelo menos um meio de se eliminar um pouco daquilo que a gente vê por aí. Eu procurei não fazer um espetáculo óbvio, querendo tornar claras, coisas que o texto já explicita bem. É um espetáculo realista, apesar do autor usar uma série de elementos que dão a sensação do absurdo.
Pequenos Assassinatos é o retrato da vida de uma família pacífica, respeitadora das instituições, mas que é levada à violência, que se torna um esporte. Depois da morte da filha, a família entra num processo neurótico ainda maior, fecha-se em casa colocando trancas nas portas (para Osmar Rodrigues Cruz, esta é a visão do futuro, formulada pelo autor): - Faço sentir no espetáculo, que a violência vem sempre de fora. Todos na peça são pacíficos e se agridem uns aos outros. A apatia do genro, por exemplo, é também uma forma de violência, e a maior que conheço: a violência do sujeito que se aliena, a violência da não participação.
Osmar Rodrigues Cruz fala ainda do próximo cartaz do Teatro Oficina: - As personagens de “Pequenos Assassinatos” são traçadas dentro de um clima de humor crítico que poucas vezes se vê no teatro. O filme que se fez, baseado na peça e que muita gente assistiu, não era suficientemente engraçado para despertar o espírito crítico do espectador. Por isso acredito que o conteúdo crítico da peça é maior que o do filme.

ENTREVISTA - FOLHA DE SÃO PAULO - A IBANEZ FILHO - 29/03/1972  
Quando alguém nos conta que foi assaltado, roubado, deixado nu na rua, nós não nos admiramos mais. Freqüentemente apenas comentamos de que a cidade à noite, está muito perigosa. Nem mesmo a possibilidade de uma guerra atômica consegue nos assustar. Nós a discutimos como se fosse apenas uma decisão entre outras. Estamos nos acostumando com a violência sem tomarmos consciência do absurdo da situação.

PEQUENOS ASSASSINATOS é a peça mais atual dos últimos tempos. O problema da violência é extremamente contemporâneo e apesar do Feiffer declarar que a peça trata da onda de assassinatos que assolou os Estados Unidos depois da morte de Kennedy e da guerra do Vietnam mesmo para uma pessoa que não conheça estes fatos, mas vive em uma cidade, a peça tem importância. Provavelmente aqueles acontecimentos inspiraram a peça mas ela não faz nenhuma citação explícita deles. Os personagens encaram a violência da forma mais simples possível, embora cada um tenha uma reação diferente. Isso acontece porque o Feiffer escreveu cada um representando uma atitude da burguesia. A filha é pragmática (levanta de manhã com um sorriso que procura manter durante todo o dia apesar de enfrentar situações terríveis); o fotógrafo é niilista e no decorrer da peça se transforma em anarquista que, veja bem, não é político mas uma postura perante a vida. O juiz é o protótipo do conservador enquanto que a mãe representa o sistema matriarcal norte-americano (dirige a casa, faz compras, organiza tudo, etc.) O pai, além de pragmatista, é temeroso e respeitador das instituições. E o reverendo sintetiza todas as correntes existencialistas dos Estados Unidos. O filho é totalmente desajustado como certa parte da juventude classe-média dos EUA. Todos os personagens são cruéis, como é cruel o próprio Feiffer. Por exemplo, o fotógrafo destrói a instituição casamento com sua atitude e diz que a cerimônia foi bonita mas um pouco adocicada. O juiz por sua vez, quando faz a apologia de Deus, mostra um Deus terrível, castigador, que atormentava sua mãe e na verdade seu objetivo alcança um final totalmente diverso: se Deus é tão terrível, terá sentido pedir a sua ajuda?
(in Osmar Rodrigues Cruz - Uma Vida no Teatro Hucitec 2001)