O
desempenho é tão básico quanto qualquer outra arte. É, talvez, mais criador e
útil do que qualquer outro. Envolve-os a todos e mais. Seu apelo é mais direto
porque trata dos seres humanos vivos em ação. Porque trata de artifício,
material humano em mudança contínua é, talvez, menos controlável do que
qualquer outra arte. Pois essa verdadeira razão, se acaso nenhuma outra, exige
um estudo longo, árduo, sistemático. Este possui a sua própria técnica
definida, variável, mas sem nada definido, não há dúvida, não obstante as
opiniões contrárias. Ainda que a habilidade dramática seja fundamentalmente um
dom natural, um controle perfeito dos meios de comunicação é necessário para
traduzir essa habilidade dramática numa realidade. A arte para ser real deve
ser comunicável.
Representar
é viver em termos teatrais. Antes de o ator estar preparado para criar um
personagem numa peça, ele deve conhecer alguma coisa sobre a matéria que ele
utiliza em sua criação, especialmente, para si próprio. Para este objetivo, ele
começa uma preparação sistemática, técnica e criadora, da mente, da imaginação,
dos sentimentos, do corpo, da voz e da linguagem. Quando tal preparação está
bem adiantada, o ator está mais bem preparado para a criação do personagem.
Quais
são as etapas necessárias na preparação de um papel? O seu problema é,
primeiro, conceber o personagem em sua imaginação, e em seguida comunicar a
imagem concebida através de si própria como meio. Como pode ser mais bem levado
a efeito isto?
As
primeiras duas etapas em sua preparação são destinadas à concepção apenas. Na
etapa inicial, o ator lê e relê a peça escrita, e aceita a verdade imaginária
de que os personagens são criaturas e os episódios reais. Durante a segunda
etapa, ele concebe o “background” do personagem. A fé do ator em si próprio
como meio, a sua coragem em provar o mais profundo e a sua humanidade de
aproximação (acesso) tudo torna o personagem mais acessível e penetrável.
A
terceira, quarta e quinta etapas são destinadas à execução. Durante a terceira
etapa, o ator improvisa, proporcionando a si próprio a execução do “background”
do personagem, como foi revelado durante a segunda etapa. Esta execução em
termos vivos intensifica as imagens do ator e prepara-o melhor para o trabalho
na peça, na quarta etapa, quando ele principia o personagem no ensaio.
Doravante, durante as etapas quarta e quinta, o único problema do ator é criar
o personagem dentro da forma e do modelo da peça.
Durante
a quarta ou a etapa do ensaio, ele faz isto, primeiro, provando o mais profundo
no “script”: a ideia, o tema e as situações. A seguir, este contato com outros
personagens, através de uma aguda sensibilidade, iniciará o “script” em relação
à vida. O seu próprio personagem se desenvolverá à proporção que os demais
crescem, e as situações elevando-se do conflito do personagem contra o
personagem, tirado do enredo. Quando os cinco sentidos do ator estão vivos e o
cérebro ativo, o dar e tirar, o tirar e dar, entre os personagens, será
transmitido à plateia como uma realidade.
Á
medida que os ensaios prosseguem, o ator é cuidadoso não para cair dentro do
abismo da antecipação. Ele deve acreditar na ficção, de que o desdobramento da
situação está sendo revelado agora pela primeira vez. A concentração sobre o
personagem e o fato através dos sentidos assegurarão essa primeira realidade e,
finalmente, excluem a intimidade, a antecipação e a memória. À medida que o
personagem continua crescendo, a caracterização do ator é ou modificada ou
reforçada com cada ensaio seguinte, e ele presta mais atenção aos exteriores do
personagem: a constituição, o porte, a aparência e os vestuários. O ator,
entretanto, cultiva a atitude de espírito de que o personagem manda e o ator
obedece. A obediência a cada personagem, que é consistente com a forma e o
modelo da peça, exclui a intrusão subconsciente do “ego” do ator sobre o
personagem. Ele segue o pensamento, o tema e o tom do personagem e nunca os
quebra, até que alguma coisa ocorra para fazê-lo agir assim.
Com
a aproximação da representação ou da quinta etapa, as frases terão sido
inteiramente aprendidas e as posições fixadas. Um novo fator – a plateia –
passará a julgar a peça e a sua apresentação. O ator deve agora ampliar a sua
esfera de concentração até incluir essa testemunha silenciosa através de cujas
reações, em cada representação sucessiva, aprenderá cada vez mais sobre o
personagem.
A
primeira parte traçou a evolução do personagem; a segunda parte destacou a
expressão. A expressão no teatro, comparada com a vida, é mais significativa
porque a peça é um retalho da vida filtrado através da imaginação do autor. Por
isso, o ator deve ser tão significativo em sua expressão quanto o teatrólogo
foi na sua. A presença de uma plateia, ademais, faz exigências adicionais sobre
a expressão do ator.
Para
responder à pergunta “qual a expressão mais irresistivelmente manterá a atenção
da plateia?”, nós consideramos o movimento, a voz, a linguagem, o sentimento, a
concentração, o relaxamento e a inspiração.
A
transmissão visual da peça é expressa no movimento. Portanto, tal movimento é
justificado porque exprime a ideia da peça em qualquer momento determinado. O
ritmo, a propriedade, a liberdade e a economia caracterizarão todo o movimento.
O movimento do ator, no teatro, deve adaptar-se às leis da vida transformadas
para ajustar as óticas teatrais. A flexibilidade do corpo é essencial, se acaso
o ator está a representar bem as mil e uma cenas exigidas dele no palco. A sua
constituição e vestuário revelam a aparência externa do personagem.
Através
da voz e da linguagem o ator transmite a peça ao ouvido da plateia. Mediante a
ressonância e a articulação, a plateia torna a ouvir claramente e a compreender
distintamente. A voz e a linguagem no teatro dependerão do ambiente,
associação, educação, preparação do personagem, bem como a plateia. Para ser
eficaz, deve ser coloquial. A sensibilidade nascida da concentração no
personagem sobre os demais personagens e coisas num ambiente, desestimulará um
modelo mecânico de dicção e assegurará simultaneamente uma flexibilidade de
harmonia vocal e uma completa compreensão do conteúdo das palavras no momento
de sua pronunciação.
O
princípio de ajustamento natural do gesto à palavra, da palavra ao gesto é uma
verdade contemporânea como o foi quando Shakespeare redigiu o seu conselho aos
atores. A pantomima, a gesticulação e o gesto físico são fundamentais, porém a
voz e a linguagem particularizam a transmissão e formam uma parte inclusa do
comportamento total. Deve existir aquela sincronização de movimento e som, um
complementando o outro, de acordo com a sua importância.
A
percepção empírica mediante os cinco sentidos e a reação individual para com
eles, determinarão a natureza do sentimento. A sensação de sentimento é o
resultado do contato individual com um pedaço da vida, quer seja direto, na
memória, quer na imaginação. O sentimento artístico chega quando o ator tiver
absorvido inteiramente o personagem da peça, através da imaginação, e tiver
criado um modelo da peça, mediante o contato com os demais personagens no
palco. O sentimento imaginário incita a expressão artística no teatro. A
expressão no teatro é a imaginação tornada visível e audível.
A
concentração é aquele estado em que a atenção individual está centralizada
sobre uma pessoa, objeto, lugar, episódio ou ideia. A concentração é um estado presente.
O ato exige, em primeiro lugar, um indivíduo presumivelmente sadio e dotado de
instinto e preparação para conceber e projetar um personagem além de si
próprio; em segundo lugar, o assunto, que no teatro é uma peça cujos episódios
e personagens tenham sido condensados em forma artística; em terceiro lugar, o
contato através de uma vivacidade dos sentidos, uma atividade do cérebro e um
calor do coração; e em quarto lugar, a ação, o resultado do contato, ou aquele
estado de conduta em que o indivíduo reage em relação ao assunto.
O
relaxamento é aquele estado vivo em que o externo (o corpo e a voz) obedece aos
ditames do interno (a imaginação). O relaxamento chega com a concentração. Uma
preparação técnica salutar da mente, da imaginação, do sentimento, do corpo, da
voz e da linguagem, e uma concentração não dividida sobre o personagem na
situação baseada no estudo da peça do autor, assegurará o relaxamento.
A
inspiração é aquele momento em que o instinto dramático afirma-se em si próprio
e o ator inconscientemente comporta-se em personagem e no conflito de
acordo com a forma e o modelo da peça. Contudo, isto é possível somente quando
o ator tiver, através de árduo trabalho, estudo e ensaio, assimilado o
personagem e se preparado para receber e bendizer a inspiração, quando e se
acaso ela baixar. Durante o momento de inspiração, a plateia não está
consciente da forma ou do modelo tal como veio, mas no instante de ser, está em
si mesma inspirada para viver imaginariamente a verdadeira vida dos personagens
em conflito. É este o milagre do teatro, quando o ator, a cena e a plateia se
unem.
Quando
o ator capta um sutil momento da vida, tem para esse momento de apanhar um
vislumbre de inspiração. Mas deixa-lo para se descuidar em perdê-lo desaparece
com o seguinte: pois a perfeição é um ideal.
(IORC)
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