OUTRAS DIREÇÕES
Iniciamos hoje as direções de espetáculos realizadas por Osmar Rodrigues Cruz, paralelas às direções do TPS.
Consta do programa da peça:
“Os atores discutem a direção e a controvertida
personalidade do diretor” (por Juca e Lilian)
Osmar escapa ao padrão
convencional do moderno diretor de
teatro. Não constatamos durante os ensaios ataques de histeria, manifestações
de impotência intelectual ou desfalecimento em face da incompreensão dos seus
dirigidos.
Habituados muitas vezes a tratar
com artistas-geniais-geniosos, ficamos um pouco sem graça ao constatar que o
nosso diretor não passa de uma criatura apenas normal. E o incrível é que ele
tinha certeza sobre o que queria. Tinha uma idéia clara quanto à peça, quanto
às personagens e quanto ao que pretendia transmitir.
Isso não
quer dizer que essa idéia seja correta, apenas que ele atingiu o seu (dele)
objetivo.
Só uma coisa não compreendemos
na sua normal personalidade. Sempre nos pareceu corriqueiro que seres humanos
tivessem o direito de suspender momentaneamente seus afazeres para tomar sua
refeição diária, mitigar a sede com um mísero copo d’água ou “ir lá fora”
enfim. Mas Osmar acha que não. E sempre que isto acontece e é de se esperar que
isto aconteça aos animais superiores
– na cabeça dele se desencadeia
um complexo de culpa de caráter nitidamente patológico, só aplacado pelo regime
de trabalho escravo a que ele nos submeteu a fim de anestesiar seus
remordimentos.
Como nosso diretor chorasse na
platéia a cada ensaio de cenas dramáticas, desenvolvemos uma dúvida em nosso
espírito; ou já havíamos atingido um bom nível de atuação a ponto de provocar
lágrimas, ou essas manifestações se deviam à sua excessiva sensibilidade.
Nem uma coisa nem outra:
simplesmente desvio do cepto e uso indiscriminado de um desentupidor nasal do
qual ele jamais se separa.
Apesar de tudo somos de boa
constituição física. Sobrevivemos às suas enxaquecas, à sua mania de feitor de
senzala, à sua tara pela perfeição, às suas fungadelas, ao seu espírito de
gozador incorrigível e bem humorado. Saímos vivos do empreendimento e tocados
pela sua amizade e gentileza.
Há
controvérsias, mas gente boa tá aí.
“Por questões de modéstia Juca prefere falar de
Lilian e calar sobre si mesmo”
Que ela tinha saído de um lugar
muito estranho eu percebi logo nos primeiros ensaios: com a maior naturalidade
do mundo a moça dizia “trancar” no lugar de “prender”, “infante” no lugar de
“moleque”, “taça” no lugar de “copo”, “umbral” e não “batente”; até – se não me
engano – ela andou usando “ânfora” no lugar de “litro”. Foi quando eu soube que
ela tinha nascido nas querências de Porto Alegre e tudo se esclareceu para mim.
A despeito das dificuldades iniciais de comunicação sua língua é por demais
exótica para as minhas limitações linguísticas – tem sido uma beleza trabalhar
com ela. Pelo menos até aqui. Só conhecia Lilian de palco: “Onde canta o
sabiá”, “Noite de Iguana”, “Toda donzela tem um pai que é uma fera”, “Mary,
Mary” e finalmente “Quem tem medo de Virgínia Woolf” com Cacilda e Walmor, e
cheguei a conclusão, pois lhe deram o “Saci” de melhor atriz coadjuvante em
“Virgínia Woolf”.
A gaúcha é muito fechada, evita
falar sobre si, sobre sua vida e seu ofício, mas a saca-rolha e talho de foice
fui arrancando umas lascas do seu início
de carreira : Diz que começou em 56 em Porto Alegre, fazendo “À margem da vida”
no Teatro Universitário, direção de Abujamra. Devia ser gozado ver ela
recitando Tennessee Williams lá na língua dela. Começou levantando prêmio “O
Negrinho do Pastoreio”. Bom, um prêmio gaúcho. “O Pai” de Strindberg, “A Bilha
Quebrada” de Kleist foram outras peças que ela andou fazendo lá pelo Sul. Por
volta de 63 Walmor e Cacilda levaram a
Porto Alegre “Em moeda corrente do País” e “Oscar”; e para realizar um bom
intercâmbio cultural entre metrópole e província trouxeram Lilian na bagagem.
(Intercâmbio aliás altamente desvantajoso para a província nesse caso)
“Lemmerites”- É um apelido que
eu botei nela para desbastar um pouco as consoantes de Lemmertz – também ataca
de cinema. “Corpo ardente” de Walter Hugo Khouri que ela filmou durante a
carreira de Virgínia Woolf lhe deu o prêmio de melhor coadjuvante pelo I.N.C.,
donde se conclui que ela tem a mania de começar esnobando. Defeito de criação?
Sei lá acho que esnobismo de gaúcho, só isso. Depois veio “As Cariocas” de
Fernando de Barros. E agora anda dublando seu papel em “As Amorosas” de Khouri,
que logo estará pelos cinemas daqui e do mundo. É minha boa parceira de
“Buraco”; jogamos cientificamente e fazemos uma dupla absolutamente invencível.
Só perdemos mesmo quando os azares da sorte se tornam azares de fato.
Tem uma filhinha por demais
boneca e linda – a Júlia, Juju para todos – de quem ela se despede às noites
fazendo binóculo com as mãos, olhando-se ambas nos olhos e dando-se os
“beijinhos tradicionais”. Uma ternura!
Lemerites fila cigarros “Consul”
e chupa compulsivamente umas bolinhas de mentol, na razão de um milhão por dia,
um verdadeiro inferno. É do signo dos gêmeos, toma café sem açúcar, penteia os
cabelos de dois em dois minutos, come uma tonelada de rocambole por dia e fala
pelos cotovelos na sua língua. Mantém com ferocidade usos e costumes da
província de onde veio e resiste com igual ferocidade às benéficas influências
da civilização paulista.
“Vice-versa”
Juca nasceu em São Roque, é o que ele diz. Eu pensei
que não nascesse gente lá. Mas vou lhe dar um crédito de confiança. Ele também
me contou que quando terminou o serviço militar esteve um tanto confuso quanto
ao que iria fazer. E provou isso, pois tendo cursado durante quatro anos a
faculdade de direito, bandeou-se para a Escola de Arte Dramática. Claro que
este curso ele completou, pois pelo jeito nasceu para isso. Pelo menos é o que
indica a sua ficha técnica. Ele estreou como profissional em “A Semente” de G.
Guarnieri, no Teatro Brasileiro de Comédia. Alguém deve tê-lo convidado por
engano, mas ele levou o convite a sério, e não arredou o pé de lá por muito
tempo. Atrapalhou em várias peças, entre as quais “As Almas Mortas” de Gogol,
“A Escada” de Jorge Andrade, “A Morte do Caixeiro Viajante” de A. Müller, pela
qual – milagre! – ganhou o prêmio Saci como melhor coadjuvante de 62. Acho que
deveríamos investigar a atribuição desse prêmio. Mas, pensando melhor, se não
fora o talento mereceria pela simpatia. Em 62 resolveu dar umas voltinhas e
associou-se com Guarnieri, Paulo José, Flávio Império e A. Boal, na direção do Teatro de Arena. No
Arena fez “Eles não usam Black-tie”, “O Noviço”, “A Mandrágora”, “O Melhor Juiz
o Rei” e “O Filho do Cão”. Ao tempo das duas últimas peças eu já tinha emigrado
dos “pagos” comprovei que afinal de contas ele tinha futuro.
Quando vi “Depois da Queda” de A. Müller, no Teatro
Maria Della Costa me convenci que afinal de contas São Roque com seus trinta
mil habitantes não é de desprezar.
Ele fez no Municipal “Júlio César” de Shakespeare.
Essa eu não vi, mas me disseram que ele era o melhor. E eu acredito. Porque
depois desta eu assisti “O Estranho Casal” no Teatro Ruth Escobar e ele estava
bom as pampas.
Em televisão ele também não é de todo mal. Senão ele
não estaria na TV Tupi Canal 4 desde 64. Trabalhou na “TV de Vanguarda” em :
“As Feiticeiras de Salém”, “Hamlet”, “Esta noite improvisamos” e “Em moeda
corrente do País”. E meteu o nariz em inúmeras novelas “Cara Suja”,
“Gutierritos”(Oba!), “A ré misteriosa”, “A Outra”, “Paixão Proibida”, “Estrelas
no Chão”.
E fez até cinema! Com Person, “O caso dos irmãos
Naves”.
E como ele não pára quieto andou fazendo uma série de
recitais na VII Bienal de São Paulo e em mais umas trinta cidades do Interior
de São Paulo e outros Estados. E também foi contratado várias vezes pela
Comissão Estadual de Teatro para dar cursos e conferências em faculdades e na
própria CET (Comissão Estadual de Teatro).
Afora tudo que foi dito acima ele é uma pessoa
excelente. Tem uma disposição inesgotável para o trabalho. Vive gritando que a
vida está sensacional. Faz um regime de carboidratos mas adora a comida. Vai
toda segunda-feira visitar Mamã em São Roque, o que prova que é um rapaz de
bons sentimentos. Desconfio que ele tem complexo de Édipo, mas segundo seu
psicanalista esse problema não existe.
Mas...implica muito com a civilização gaúcha. Isto me
irrita. Mas eu o perdôo porque ele é um moço muito bom.
BOLSA DE CINEMA E TEATRO - FOLHA
DE SÃO PAULO – 03/1968
1º - Dois na Gangorra (Aliança Francesa)
2º - Deus lhe Pague (Brasileiro
de Comédia)
3º - O Homem do Princípio ao Fim
(Bela Vista)
4º - Sérgio Ricardo na Praça do
povo (Arena)
5º - Navalha na Carne (Oficina)
6º - O Olho Azul da Falecida
(Cacilda Becker)
7º - Lisístrata, A Greve do Sexo
(O Galpão)