Foto Silvestre Silva
Nelson e todo elenco da peça
Já não nos causa estranheza o fato da memória de nosso país ser totalmente ignorada. Ignorantes que somos como resultado, também, do esquecimento, do sepultamento, até da incineração de fatos e seus documentos. Papéis velhos, amarelados, registros em computador que devem ser deletados, enfim nossa memória e aqueles que pertenceram à ela, não estando na mídia estão condenados ao banimento de nossa realidade.
Por tais motivos, não estamos surpresos com o que vem acontecendo esse mês no Sesi São Paulo, mas sim indignados com o descaso. Foi iniciada uma homenagem aos Cem anos de Nelson Rodrigues e simplesmente não consideraram que:
1. Em 1979 o Teatro Popular do SESI (na mesma sala de hoje) sob a direção de Osmar Rodrigues Cruz encenou a peça teatral A Falecida de Nelson Rodrigues com cenário de Flávio Império registrados nos livros: de Renina Katz e Amélia Hamburger Flávio Império (Edusp - 1999) e Imagens do Teatro Paulista (Imprensa Oficial do Estado – 1985).
2. A protagonista foi a atriz Nize Silva (viúva de Osmar Rodrigues Cruz). Que não foi sequer cogitada (nem mesmo convidada) para fazer parte do “evento que reuniu as atrizes que encenaram peças de Nelson Rodrigues” de segunda-feira (14) sob a curadoria de Rui Castro, incluindo outras que jamais encenaram peça do autor homenageado.
3. Nelson Rodrigues veio especialmente à São Paulo para assistir ao espetáculo onde foi homenageado com um coquetel e teceu todos os elogios ao espetáculo e, principalmente à atuação impecável de Nize Silva. Registrado em livro do autor, crítico e professor emérito da USP Sábato Magaldi Nelson Rodrigues: Dramaturgias e Encenações (Perspectiva -1987). Como também na biografia de Osmar Rodrigues Cruz em co-autoria com a Profa. Dra. Eugenia Rodrigues Cruz Osmar Rodrigues Cruz Uma Vida no Teatro (Hucitec – 2002).
4. Sendo o curador da mostra uma pessoa supostamente esclarecida, muito nos estranha o esquecimento e a ignorância dos fatos acima, uma vez que eles também constam dos jornais da época e por óbvio deveriam, no mínimo, terem sido convidados a fazerem parte do evento, já que vossa atuação à época deveria fazer parte da memória, inclusive da casa onde ocorre o evento (Teatro do Sesi).
5. Todas as informações possíveis encontram-se agregadas no Instituto Osmar Rodrigues Cruz, criado formalmente em 2009, bem como no arquivo pessoal de Nize Silva.
(Trecho do email envido ao Sesi pela Dra. Daniella Löw, que não obteve resposta.)
Foto Silvestre Silva
Nize Silva, Osmar (em segundo plano) e Nelson na plateia após o espetáculo.
“Quando escolhi a A Falecida, Nelson e eu começamos a nos telefonar. Expliquei que as peças encenadas no Sesi têm público enorme vindo das camadas sociais mais baixas da população. Ele ficou entusiasmado, principalmente quando soube que o teatro tinha mais de quatrocentos lugares, acabou autorizando a montagem e quando anunciou no Rio que sua peça seria encenada aqui em São Paulo pelo TPS, soltou mais uma das suas frases: “A falecida não vai morrer nunca!” Reclamou também que a peça ainda não tinha sido levada como ele queria e de todas as montagens feitas a que mais gostou foi a do Antunes Filho, e que mal podia esperar para assistir a nossa. Prometeu vir a São Paulo para a estreia e sentar-se na primeira fila, esperando, desta vez, ver o seu texto bem representado, porque confiava na minha direção. Ele não vinha a São Paulo há muito tempo, mas queria conhecer o meu trabalho, o teatro que não cobrava ingressos e que tinha como público o povo.
(...)
O Sábato Magaldi sugeriu que o Sesi trouxesse o Nelson para São Paulo e ele veio a convite com sua esposa, a irmã, uma enfermeira que ficaram hospedados no Caesar Park. Fazia muito frio aqui em São Paulo, estávamos em pleno inverno, o que é uma verdadeira tortura para quem vem do Rio, e o Nelson não estava muito bem de saúde, estava tomando um monte de remédios!
Á noite fizemos uma apresentação só para ele, que se sentou na terceira fila. Antes de começar eu disse a ele: “Agora Nelson, é com você”. Só fiquei sabendo sua opinião ao final da peça, porque fundi os dois atos da peça em um, portanto não havia intervalo. Ao final ele se levantou e disse: “Parabéns, senhor Cecil B. de Mille”, e continuou fazendo elogios à encenação, aos atores e até gostou da inclusão do cenário. Na noite seguinte estreamos oficialmente, ele voltou a asssistir e participou do coquetel oferecido aos convidados.
(...)
As tiradas do Nelson são inesquecíveis. Na estreia ele fez questão de subir ao palco para cumprimentar os atores, porém, quando de volta à plateia, o contra-regra já havia tirado a escada e ele teve de descer a altura aproximada de uns cinquenta centímetros, apoiado em algumas pessoas olhou para baixo, deu o passo e disse: “Que abiiiiiismo...!”
(in Osmar Rodrigues Cruz – Uma Vida no Teatro – Hucitec 2001, pags 253 a 255)
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