quarta-feira, 11 de março de 2015

A EXPRESSÃO NO TEATRO 5b



O sentimento artístico (2ª parte)


Há outra fase do sentimento da vida. Quando o indivíduo cria uma vida de si mesmo criando em sua imaginação, ele está conduzindo inadvertidamente sua memória empírica e reconduzindo-as a combinações mais novas. A vida é a matéria prima sobre a qual são feitos os sonhos. Através desta nova vida imaginária, o indivíduo atinge reações distintas de sentimento, porque os seus sentidos trabalham em imaginação. A natureza de suas imaginações determina a natureza de suas reações de sentimento – reações nascidas diretamente de suas criações imaginárias, porém indiretamente de sua memória de experiências da vida.

O sentimento imaginário – não o sentimento proveniente do contato direto com a vida ou a memória – chega mais hermético em relação à representação teatral. A peça, os seus personagens e episódios são os próprios produtos da imaginação. O sentimento artístico chega quando o ator está em analogia (do francês = “rapport”) completa e imaginária com o personagem. É este sentimento artístico ou teatral que suscita ao ator à expressão física e vocal.

Corpo e voz preparados não são restringidos em sua correspondência com a imaginação, a flexibilidade da harmonia física e vocal dependerá da flexibilidade da imaginação. A expressão física e vocal nascida do sentimento artístico é verdadeira expressão teatral. A vida concebida na imaginação é maravilhosa, comparada com a vida material ou a vida impressa na memória. A imaginação é um resguardo contra as realidades brutais da vida. Atinge os nossos ideais e aspirações. Debuxa o que não é, mas o que será. Visto que é seletiva, ela impede as brutalidades e excessos da vida. De fato, a imaginação pode criar imagens horríveis bem como maravilhosas, porém são maravilhosamente horríveis. A imaginação pode ser o espelho em que a matéria-prima da vida se reflete, porém a própria reflexão é boa para observar. Visto que a matéria-prima mudou em sua reflexão, segue-se que os sentimentos oriundos da concentração sobre essa nova vida refletida tenham correspondentemente mudado. Eles tornam-se um cristal límpido, vivo, como fazem num mundo de imaginação. O sentimento da vida brota do contato direto com a vida.

É o seu sentimento imaginário ou artístico que insinua a expressão artística no teatro. O ator-artista em primeiro lugar concebe o personagem na imaginação. Quando a identificação do ator e do personagem estiver completa, ele revela o personagem através do corpo e da voz. Se tomar contato com outros personagens e coisas no palco, o ator como personagem deve manter abertos os canais do sentido, através dos quais a impressão e a harmonia chegam e voltam. Nesse contato nasce o sentimento. Visto que a realização do personagem é uma concretização de um ser imaginário em carne e sangue, o sentimento associativo deve diferir daquele sentimento oriundo do contato da vida com pessoas e coisas. Por exemplo, se o ator Otelo realmente matou a atriz Desdêmona, ela não estará viva para repetir a cena da morte, na noite seguinte. A atriz estará morta e o ator provado como assassino. A insanidade temporária será a sua melhor defesa. Mas, um júri inteligente podia ser justificado, condenando-o como assassino de primeiro grau, no ponto em que ele foi mau ator. Quando um artista representa Otelo, Desdêmona morrerá imaginariamente e não realmente. Sua morte artística será efetuada de acordo com as leis da imaginação. Tais leis não negam que a atriz em carne e sangue é mortal.

À luz desta análise pode-se prontamente ver quão falso e superficial é o sentir de muitos atores no palco. Suas caracterizações sofrem porque não farão os personagens e os episódios a sua fonte de estudos e inspiração. Muitos deles lançarão os seus próprios sentimentos pessoais sobre o personagem, até um ponto em que o personagem não é mais inteiro ou mesmo parcialmente realizado. Os sentimentos pessoais do ator e os sentimentos imaginários do personagem combinam-se conscientemente. Mas, subconscientemente, a riqueza dos sentimentos pessoais do ator, nascidos do viver integral, alimentará sutilmente os sentimentos do personagem; preparado o ator, criará e obedecerá ao personagem assim concebido na imaginação. Outros atores recorrem à “garganta” ou forçam os seus sentimentos. O resultado é a tensão nervosa. Ainda outros confiarão num modelo externo técnico de movimento e voz, como substituto da expressão verdadeira, genuína, artística. Não existe substituto para o verdadeiro sentimento artístico.

Considerando que, na vida real, os sentimentos podem brotar de três fontes: contato direto, memória e imaginação, no teatro eles brotam somente da imaginação. Tudo no palco é imaginário. Portanto, os sentimentos brotam dessa vida imaginária. Os sentimentos do ator estão num sentido real, porém imaginariamente real, e brotam da vida seleta e perfeita do palco. No teatro, a expressão é imaginação tornada visível e audível.

Então o sentimento no teatro deve sofrer as leis teatrais: leis baseadas no fato de que o ator está vivendo num personagem além de si próprio, num reino imaginário, sobre um palco, num teatro, e diante de uma plateia.


(IORC)


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