Como a narrativa de Osmar em seu livro é muito saborosa, escolhemos como ilustração de hoje o trecho a seguir:
(...) Foi o Carlo Giaccheri quem me convidou para fazer teatro na televisão, não havia teatro ainda, porque a televisão estava começando, eles fizeram uma transmissão externa de “Ralé” do Gorki, mas não faziam teatro na Tupy. Então ele me convidou para fazer teatro ao vivo, o Giaccheri me perguntou quem mais poderia ir e eu indiquei o Antunes, ele fazia numa semana e eu na outra. Eu queria que o teatro se chamasse “Pequeno Teatro de Arte”, mas o Costa Lima que era o diretor geral achou que a palavra “pequeno” era muito ruim, então ele pôs Osmar Cruz e seu teatro de arte. Foi uma experiência muito boa, estávamos começando a fazer teatro, éramos amadores, foi o primeiro dinheiro que eu ganhei com o teatro. O dinheiro é importante, porque nos estimula a profissionalizar. Havia muitas peças a serem escolhidas, mas tinha que se pagar direto autoral e a televisão não ia pagar para ir ao ar apenas por um dia. Escolhi peças que já tinham sido feitas, entre elas O Imbecil de Pirandello, porque alguém já tinha feito e pago os direitos. Nós ensaiávamos no Centro Acadêmico, estavam o Ítalo Cincini, Nelson Coelho, Aycilma Caldas, outros atores que eu não lembro agora e também o Fábio Sabag, hoje produtor de televisão. Antes de serem levadas ao ar as peças escolhidas, era lido um comentário que constava de uma pequena biografia do autor e uma rápida visão do significado da peça. Foi um sucesso enorme. A transmissão nesse tempo era feita ao vivo, não havia vídeo tape estávamos em 1951 e não havia televisão em todos os lugares, então a fim de promover os transmissores, a indústria de televisores cedia aos bares um aparelho onde as pessoas se concentravam para assistir. Fiz um repertório e um orçamento de quatro peças, eram dois meses, mas quando a transmissão acabou ficou todo mundo parado, porque a peça “O imbecil” é realmente uma peça empolgante. O tema é simplérrimo mas o Pirandello é genial. É a história de um editor de jornal, que manda chamar uma pessoa que ele conhecia e que estava doente para morrer; então ele chega para ela e diz: - “você vai morrer mesmo, eu te dou um dinheiro e você mata fulano”, que era um inimigo político dele. A peça gira em torno do diálogo dos dois, é muito interessante, eu contando não é, mas a peça é muito interessante. Eu tive o prazer de trabalhar com o Cassiano Gabus Mendes, Heitor de Andrade, Luiz Galon, Renato Galon, foi o primeiro teatro feito ao vivo na TV. Foi um sucesso.
CRÍTICA - DIÁRIO DE SÃO PAULO – 07/11/1951
Tele-Teatro das Segundas-feiras
A PRF3-TV, estação de TV das rádios Tupi – Difusora, inaugurou, Segunda-feira última, com êxito absoluto o seu “Tele-Teatro das Segundas-feiras” apresentando a peça “O imbecil” de Pirandello, na interpretação de “Osmar Cruz e seu teatro de arte”. Caprichosamente dirigida e apresentando valores artísticos de relevo, “O imbecil” conseguiu pleno êxito, agradando a um número bastante grande de tele-assistentes que aguardavam a iniciativa da televisão “associada”. Para a próxima Segunda-feira está programada a peça o “Urso” de Anton Tchecov, na interpretação do Centro de Estudos Cinematográficos sob a direção de José Alves Antunes Filho, cenografia de Carlos Giaccheri e produção de TV de Cassiano Mendes e Heitor de Andrade.
- Eu precisava de uma outra peça que fosse de domínio público, então escolhi uma que eu acho muito bonita, o autor é muito bom, é Uma Tragédia Florentina do Oscar Wilde. Fizemos a peça com trajes e adereços da Casa Teatral, a peça é de época, passa-se no Renascimento. Foi muito interessante, não era “O imbecil”, lógico, mas a nossa sorte foi estrear com “O imbecil”, porque ficou marcada como uma coisa boa ou seja, “Osmar Cruz e seu teatro de arte só faz coisa boa”. Só que a “Tragédia Florentina” não foi tão boa assim, mas deu “para quebrar o galho”. Eu fiz do Alfred Musset, Uma porta deve estar aberta ou fechada, é um diálogo entre dois personagens que se separam. Como os atores vinham do amadorismo ensaiavam pelo telefone, eles ”batiam” texto para decorar por telefone, eu fiz dois ensaios, marquei num sábado e domingo, e foi ao ar na segunda-feira. Tínhamos 15 dias para preparar a peça, enquanto o Antunes preparava a dele eu preparava a minha. O Antunes estreou com “O urso” de Tchecov, com o Manoel Carlos no papel do urso, hoje ele escreve novela. Mas, “Uma porta deve estar aberta ou fechada”, quando eu vi no “swit” realmente achei muito chata embora os cortes tivessem sido feitos pelo Cassiano Gabus Mendes. Depois montei o Traído Imaginário que é o “Sganarello” do Molière, essa fez sucesso. Eu fiz também um Gil Vicente, Quem tem farelos. Fazer televisão nessa época era uma tourada, porque era ao vivo. Eu só fui gravar na Excelsior, quando o Armando Bogus arranjou um “tape”. Mas, “Quem tem farelos” era uma peça muito interessante que é o embrião da “Farsa de Inês Pereira”, é muito engraçada, muito boa. Nós não tivemos tempo suficiente para adaptar a peça, ela foi feita numa linguagem mais ou menos arcaica. Já o “Traído Imaginário” não, por isso funcionou. O ator que fazia o “Sganarello”, trabalhava no Maria Della Costa, ele tinha ganho um concurso – Um galã para Maria Della Costa - era o Alberto Maduar. Ele custava um pouco para decorar e na peça tinha um monólogo que fala da suspeita que a mulher o engana. A peça tem esse bonito monólogo, muito bem, o Alberto Maduar entra em cena para dizer o monólogo e... pára, fica olhando, o Cassiano fala para mim: - “ xiii... acho que esse não vai” e fala para o câmera, “passa a câmera pelo cenário”, nisso o Maduar saiu de cena e deram a fala para ele. Ele voltou, foi falar... esqueceu de novo. E fez isso duas vezes! Aí eu falei, "tamo roubado...”. Mas eu acho que o público nem percebeu, porque a câmera ficou em detalhes no cenário, que era do Carlo Giaccheri e era muito bonito. Com o “Sganarello” eu encerrei minha carreira na Tupy, porque esse teatro que a gente fazia começou a dar “cosquinhas” no pessoal da televisão, eles já estavam se preparando para fazer o “Hamlet” com o Lima Duarte e não houve interesse de nos manter lá. Eu só fui fazer televisão mais tarde, quase dez anos depois na TV Excelsior. O Antunes Filho era assistente de produção da Bibi Ferreira que era a produtora do Teatro Brastemp e quem dirigia era o próprio Antunes, mas como ele não dava conta da programação, pois toda a semana era apresentada uma peça diferente, ele me convidou para dirigir, fiz com a Irina Greco e o Armando Bogus “O menino de Ouro” de Clifford Odets, que foi um sucesso! Foi muito bonito, foi muito bom.
CRÍTICA - ÚLTIMA HORA - COLUNA SHOW BUSINESS POR MORACI DO VAL - 19/12/1962
Fuga à rotina
“O Campeão” de Clifford Odets, apresentado pelo teatro do 9 na noite de sábado, desculpa a emissora das inúmeras vacuidades que vem apresentando em seus últimos teleteatros. Foi uma fuga da rotina, num espetáculo muito bem cuidado. Otimamente interpretado e com um dos melhores textos do teatro norte-americano na fase dos trinta: “Golden Boy”. Nele temos o Odets dos bons tempos, quando ainda não tinha naufragado no “american way of life” não pensava em escrever roteiros para Elvis Presley e fazia uma severa crítica à “teoria do sucesso” e à “vida impressa em dólares”. “Golden Boy” ou “O Campeão”, como se chamou na tradução de Elizabeth Kander, é a peça em que critica com maior felicidade o “american way of life”, como processo arrasador das possibilidades autênticas do homem. Bonaparte, “O Campeão”, é levada por essa obrigatória luta pelo sucesso, a trocar sua verdadeira aspiração, a música, o violino, pelo boxe. Com a fúria proveniente dessa frustração, atinge o auge no pugilismo, carreira que detesta e se vê obrigado a seguir. No momento em que alcança o título, matando no ringue seu adversário, adquire a consciência e quer voltar para música. Impossível: a terrível luta pelo sucesso aniquilara suas possibilidades para a música. Já não tem mãos para o violino. Fábula terrível. O espetáculo do 9, sob direção de Osmar Cruz, esteve à altura do texto, lamentando-se apenas o corte da cena final. Mutilação condenável e que quase põe a perder o espetáculo. Culpa da emissora que, em lugar de reduzir os comerciais, preferiu cortar a peça. No elenco, um excelente trabalho, Armando Bogus vivendo o “Golden Boy”, seguido de perto por Irina Greco, em “Lorna”, Edney Giovenazzi, em “Fuzelli” e Jairo Arco e Flexa, no papel de “Moody”.
- Só teve um problema, o Bogus arrumou na Tupy, um pedaço de vídeo tape para gravar a peça, nessa época já tinha vídeo tape e nós estávamos gravando, quando chegou no último quadro da peça acabou o vídeo tape. Não pudemos gravar o final original, fizemos um final em que os dois morrem num desastre de automóvel. Depois do Menino de ouro, fiz A pequena da província que ficou bonito, essa foi direitinho, com o Bogus, a Irina, Felipe Carone, Jairo Arco e Flexa, Ednei Giovenazzi, agradou muito, é uma história de amor e eu gostei muito de fazer. Mais tarde recebi um convite de Tatiana Belink e do Júlio Gouveia diretores do TESP (Teatro Escola de São Paulo) para dirigir uma novela na Excelsior, graças ao dois teleteatros que eu tinha feito. A novela chamava-se Sozinho no mundo, no recém-lançado “Telespetáculos Elgin” com atores do TESP e atores convidados como o protagonista Jairo Arco e Flexa e Nize Silva. Era uma novela que já era gravada. Era sobre o nazismo. A ação se dá no apartamento de um casal cujo marido é um brasileiro, adido cultural em Paris e ela parisiense, eles têm um filhinho. A casa deles é invadida pelos soldados nazistas e o filhinho é separado dos pais, que vão procurá-lo depois da guerra. Quando chegou no 15o capítulo mudou a direção da TV Excelsior, entraram o José Bonifácio Sobrinho e o Edson Leite, como eles iam reformar tudo a novela teve de acabar, a Tatiana escreveu um final, quebraram o contrato com o patrocinador, foi um negócio de louco! Eu fui encontrar isso tudo, depois no Sesi, essa prepotência, esse autoritarismo. Por aí parou a minha aventura na televisão, depois disso eu não fiz mais nada. Mas não deixou de ser uma experiência interessante, porque eu fui o primeiro a fazer teatro em televisão. Quem sabia disso era o Dionísio Azevedo que no seu depoimento por ocasião da comemoração dos 30 anos do TPS, fala isso: - “Osmar Cruz gosta tanto de teatro, que foi o primeiro a fazer teatro em televisão”. O Galon também. (ORC)
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