O Relaxamento
O
relaxamento pode ser definido como aquele estado, quando existe um equilíbrio
perfeito entre a expressão e sua causa, quando o corpo e a voz do ator executam
simplesmente e sem esforço os ditames intrínsecos do personagem. Com os atores
principiantes o relaxamento criador é muitas vezes confundido com a sua
contrapartida técnica: um estado de inatividade física e mental. Considerando
que o relaxamento técnico é negativo, o relaxamento vital é definido e
positivo. Pois logo que a mente do ator esteja focada no objeto de sua
concentração através de uma vivacidade dos sentidos e do cérebro, o corpo e a
voz do ator são relaxados pela expressão e o nervosismo tende a desaparecer.
Assim, o relaxamento e a concentração são tão interdependentes que não podem
ser concebivelmente considerados como estados separados. Movem automaticamente
de mão em mão, um preparando o outro. Tudo que diverte a atenção do ator
através de sua concentração do personagem e da peça tende a destruir o seu
relaxamento. Os obstáculos à própria concentração, portanto, tornam-se os
verdadeiros obstáculos ao relaxamento. Estes caem sob uma cabeça principal: a
falta de preparação.
A
insuficiente preparação técnica ou a sua completa falta, resulta na destruição
da concentração e do relaxamento. Por exemplo, o ator não pode estar fazendo
caso, conscientemente, de sua articulação durante a representação. Até ao ponto
em que o ator se concentra sobre algum defeito técnico que teria sido corrigido
antes que ele pusesse os pés no palco, a sua concentração é divertida através
do comportamento do personagem. Pois se o ator tiver falhado em tirar proveito
de si próprio, suas falhas, bem como suas virtudes, como pode ele, exceto
através do acerto ou alvo, estar preparado para criar um ser além do seu
próprio? Se acaso ele não tiver treinado o seu corpo para o movimento, a sua
voz e a linguagem para a comunicação fácil, por meio do som, a sua imaginação
para a obra fictícia vívida, e a sua mente para um julgamento preclaro, como
pode ele estar numa posição de servir o personagem na peça? “Conhece-te a ti
mesmo” é tão verdadeiro para o ator de hoje quanto o foi quando Sócrates fixou
a pedra fundamental de sua filosofia há dois milênios atrás. Portanto, uma
sadia preparação técnica é indispensável ao ator que seria verídica para o
personagem, a peça, a plateia e, o que é mais importante, para ele próprio.
A
preparação insuficiente do assunto (tema) – o que é a peça – e uma fraqueza em
tomar contato com os demais personagens enquanto no palco estão outros
obstáculos para o relaxamento. Pelo conhecimento do personagem e da peça, fornecem-se
os verdadeiros objetos sobre os quais a concentração do ator é focada. Uma
vivacidade dos sentidos torna possível a comunicação deste assunto a uma
plateia. O relaxamento criador chega quando o ator compreende a peça como um
todo, acredita na verdade imaginária, constrói primeiro através de sua
imaginação, em seguida através da improvisação (baseado, decerto, no texto
escrito da peça) da vida presente e passada do personagem, leva o personagem ao
ensaio e em combinação com os demais atores cria o modelo da peça, por um
reestudo da peça, uma sensibilização para outros personagens, anulação da
antecipação, perfeição da caracterização, e acompanhando o pensamento, o tema e
o tom. O instrumento de expressão do ator (que é ele próprio) comportar-se-á
como o personagem, nem tende a converter-se personagem, quando ele tiver sido
inteiramente assimilado pelo ator. O corpo, a voz e a linguagem do ator
corresponderão mais verdadeiramente quando ele for identificado em si próprio,
tanto quanto com o personagem, ele se acha apto. Vivendo através de cada
segundo do papel, por intermédio de uma concentração intensa, mas sempre dentro
do modelo da peça, ou tudo que caia dentro da aura de seus cinco sentidos,
assegurará um relaxamento vivo. O relaxamento, o repouso, o equilíbrio vêm com
a preparação e a concentração.
Contudo,
ocasionalmente, muitos atores (não excluindo os experimentados) desenvolvem uma
forma de aplainamento, de comportamento externo que é comumente confundido por
relaxamento. Tais atores compreendem duas classificações: 1. Aqueles que estão
preparados e que querem “navegar ao longo”, ou porque estão fatigados, ou
porque querem restaurar a sua energia somente pelas cenas de clímax da peça,
com isso quebrando os laços no campo da continuidade que proporciona vigor a esses
clímaces, ou porque não sucede sentirem o tom de criar à noite, ou porque
querem dar a aparência de sua tarefa de desempenho tão fácil, ou porque por
algum motivo igualmente absurdo, conhecido apenas por eles próprios; e 2.
Aqueles que apresentam uma base exterior suave e graciosa, para contradizer,
negar um nervosismo repentino e uma consciência do palco em ascensão, por uma
falta de preparação adequada. Tal relaxamento superficial estará sujeito à
severa censura, seja onde for que ele surja, visto que é uma forma de dolo (fraude;
engano) praticado sobre uma plateia insuspeita. Mas, como regra geral, tal
equilíbrio artificial é distinguível por uma proporção francamente ampla de uma
plateia qualquer, como patranha (falsidade), em vez de algo real. Para ser
genuíno, o relaxamento deve fluir através da concentração sobre o personagem em
foco.
Porém, a
concentração nunca deve estar dividida. O ator fará, em todos os instantes, a
concentração do personagem a sua concentração. Há épocas em que o desejo do
ator à glorificação pessoal pode ser mais forte do que os do personagem, com a
consequência de que bastam ambos, personagem e peça.
Um
episódio ocorreu alguns anos atrás, numa peça cujo tema não era, talvez, digno
de uma peça. Na “scène à faire” A descobre que o malvado sórdido matou
indecentemente o seu papagaio favorito. É a cena A, não há dúvida. Aqui
ele está em pé, no centro do palco, proferindo com violência palavras que
cauterizarão um malvado mais inflamável à exaltação. Entre outras coisas, A
diz ao malvado o quanto o favorito lhe significava, e que ele vingaria a morte
dele muito certamente. Nesta saída – efeito que deliberadamente tinha sido
planejado com antecipação – o ator recebeu uma salva de palmas. Mas houve uma
evidência inequívoca de que A tinha estado pensando em termos de reação
da plateia em relação a si próprio pessoalmente, e não do personagem e da
situação. Em sua mão direita estava o papagaio (empalhado, decerto) que tinha
sido espremido inclementemente durante o momento em que ele se dirigia ao
malvado. Tendo-o amado em vida, quanto mais ternamente seria amado na morte?
Entretanto, sua concentração no grande momento e o seu desejo “de promover
grandes aplausos” tinham enfraquecidos a sua concentração sobre a verdadeira
razão do grande momento, especialmente a morte tola de seu papagaio. A tensão
nervosa tinha crispado os dedos de sua mão direita, e o ator tinha se traído a
si próprio, bem como o personagem aqui e ali. A tensão nervosa manifestando-se
na energia muscular é o resultado de uma transferência definida com a do ator.
A concentração dividida manifestar-se-á mais cedo ou mais tarde na tensão
nervosa do corpo, ou da voz, ou de ambos.
(IORC)
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