O sentimento artístico (1ª parte)
Todas as
vezes que pessoas do teatro convocam para discutir a sua arte, o assunto mais
frequentemente apresentado e mais ardentemente debatido é o dos sentimentos. O
ator sentirá? “Sim”. Não. “Bastante”. Nada absolutamente. Muito pouco. Não
muitíssimo. Ele sucumbirá. Está muito frio. Um “coração ardente”. Uma “cabeça
quente”. Etc., etc. As respostas são legião (isto é “muitas”). As batalhas –
algumas históricas – têm sido sustentadas por questão de sentimentos. Ela
interessou a Aristóteles que era muito sutil em confiar-se completamente;
Quintiliano e Cícero, nobres romanos, ambos de quem se diz “sim” com reservas;
o francês Diderot cujo “Paradoxo” do século XVIII criou tal excitação quando
ele escreveu, com efeito, para fazer os outros sentirem, o ator não deve sentir
absolutamente; Talma, o ator favorito de Napoleão, cuja resposta foi um “sim” sensível;
Coquelin e Irving que na derradeira metade do século XIX deram-se as mãos (o
primeiro disse “não” positivamente, o segundo “sim”); Boucicault cuja tentativa
de conciliação foi um comprometedor “vós sois ambos corretos”, ou foi “um
plágio em ambas vossas casas”?; William Archer que consultou muitos dos famosos
profissionais da época apenas para aprender o que alguns fazem e não fazem;
Gordon Craig, esse gigante, teórico prático de nosso tempo, que disse “não” mas
não quis dizer isso; Duse e Salvini que também disseram “sim”; Stanislavsky e
Bolelavsky que também disseram “sim”; Vakhtangov e Meyerhold que disseram “sim,
mas...” e “não, mas...”, respectivamente; os atores e atrizes contemporâneos,
nenhum dos dois concordam – Richard Bennett, Helen Hayes, Katharine Cornell, os
Lunts, George Arliss e uma série de outros. Nem há promessa de paz. A batalha
continuará indefinidamente. Apesar das opiniões antagônicas, o fato ainda
permanece o que ouvimos aos atores dizer “eu sinto este papel”, e até o que
convém à plateia é muito frequentemente bem o contrário. O termo “sentimento” é
tão livremente empregado no teatro que pode significar quase nada, de acordo
com a habilidade em justificar o seu ponto de vista.
A
representação – vimos – estava vivendo em termos teatrais e não em termos de
vida. A vida é o depositário através do qual o teatro extrai o seu alimento.
Uma nítida distinção será feita entre o sentimento na vida e o sentimento no
teatro. Será bom em primeiro lugar examinar o sentimento da vida.
Como e
porque experimentamos a sensação do sentimento na vida? No instante em que uma
criança vem ao mundo, começa com ela uma herança: astúcias e virtudes físicas e
mentais de seus progenitores. Tal herança, nós chamaremos de sua estrutura
constitucional fundamental. Em seguida, a criança entra em contato com as
pessoas e as coisas, num lugar ou no mundo. Por sua formação natural e pelo
verdadeiro começo em que ela se encontra, recebe e corresponde às impressões em
torno de si. Essas impressões nós chamamos experiência. As avenidas através das
quais a experiência de qualquer tipo o atinge, são o tato, o gosto, o olfato, a
audição e a visão. Sua memória armazena tais experiências fora. Algumas ele
lembra, outras ele esquece. Mas esquece? Mesmo que esqueça, uma experiência
pode viver dormindo na memória. Tudo que necessita é outra experiência para
devolvê-lo à consciência. Por isso, tudo de algumas experiências individuais,
influencia a sua conduta. É a percepção da experiência atual e as reações
individuais para as quais determina a natureza do sentimento. O verdadeiro
sentimento chega apenas quando o ser humano, com os seus cinco sentidos, toma
contato com o objeto da experiência. Isto é importante. Significa que a sensação
de sentimento vem como consequência do contato com um retalho da vida. O
sentimento vem de si mesmo, sem “esgoto”. Pode vir se as nossas avenidas
através das quais as viagens da experiência permanecem abertas e receptoras.
Então, o sentimento é um necessário resultado concomitante ou um complemento da
experiência da vida. Realmente, é a reação individual a um retalho da vida,
quando ele assume os aspectos da experiência em seus próprios termos.
Conscienciosamente ou não, o indivíduo tende a assumir as verdadeiras
características do seu ambiente. A criança é essencialmente imitadora. A
inteligência vem mais tarde, quando ela começa a avaliar a experiência e a
passar a julga-la.
Este
contato direto que o indivíduo faz com o objeto da experiência dos sentidos
explica somente uma fase do sentimento da vida. Como experiências acumuladas a
memória esburaca-as para emprego futuro. As reações do sentimento distinto
acompanham a reminiscência de experiências, porque os nossos sentidos reagem à
memória delas. A intensidade de seu sentimento de memória dependerá da
vivacidade da experiência reconstruída. O sentimento será forte ou fraco, de
acordo com a força ou fraqueza da imagem invocada. Um lapso de tempo muitas
vezes tende a suavizar a reação do sentimento a qualquer experiência recordada,
porque a inteligência teve tempo de dar valor. Porém, a reação do sentimento
permanecerá intensa quando a natureza empírica é tal que o tempo não pode
altera-la, apreciavelmente. À exceção dessas imagens da memória que suporta,
devido a sua intensidade, os sentimentos oriundos da memória possuem
objetividade e perspectiva, considerando-se que aqueles provenientes do contato
direto com a vida possuem subjetividade e espontaneidade. Dos dois, os
primeiros estão mais sob o controle do que os segundos (últimos), pelo fato de
que as experiências da vida não podem ser antecipadas ou nunca ocorrem assim
planificadas. Isto explica em parte por que os sentimentos da vida são intensos
e os sentimentos da memória relativamente subjugados. Os sentimentos da vida
brotam da vida, no processo de ser experiente, ou serem experimentados, os
sentimentos da memória através da vida já experimentada. Os primeiros preocupam
o presente e o futuro, os segundos o passado.
(IORC)
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