A sensibilidade
Um
personagem vive a descobrir o enredo. Raramente está só. Ele entra em contato
com outros personagens, objetos ou com a sua memória empírica, num lugar. Este
contato cria desejos. O conflito resulta no cumprimento dos desejos. Por isso,
a situação, o enredo. O enredo é o resultado dos comportamentos combinados
de todos os personagens. De acordo com Aristóteles, o enredo pode ser a
alma da tragédia, porém se ele não dissesse assim, acrescentaria que o enredo é
o que é, porque os personagens são o que são. Portanto, o ator realizará melhor
o seu próprio personagem, respeitando a natureza de outros personagens durante
cada momento da fase de ensaio. Para interpretar o melhor possível e ser digno
do nome, será relativa a contribuição de todos antes do que a glorificação
particular de cada um ou alguns, às custas da peça e de outros atores.
Para
criar o personagem, deve o ator ser sensível. A sensibilidade é uma qualidade
sem a qual ele não pode criar o enredo, o próprio personagem, ou a ajudar
outros atores a criarem os seus. O ator tem sido até aqui treinado para ser
sensível. Pode ver com seus olhos, ouvir com os ouvidos, apalpar com as mãos e
tocar com o corpo, gostar com o paladar e cheirar com o nariz. Sabe que através
destas vias virá todo o conhecimento de outros personagens. Seu coração e seu
cérebro darão a esse conhecimento um valor. A sua reação a qualquer situação
determinada dependerá de como são claros os canais de seus cinco sentidos e
como vivas são as estações receptoras: o cérebro e o coração. A clareza de
percepção e de avaliação da coisa percebida determinarão a reação a qualquer
ação. Somente quando recebe é que o ator pode dar (outra lei fundamental
da criação artística). Pois quando ele dá antes de ter recebido, sua dádiva
abastece o outro ator com o alimento necessário a essa dádiva. E assim por
diante. Este tirar e dar, dar e tirar minuciosamente concebe o comportamento, a
situação e o enredo. Foi a divina Sarah quem disse que o ator deve vibrar como
uma folha ao vento. O ator sensível vibra em toda a brisa que venha dentro da
aura de sua concentração. “Desempenha-se melhor – escreve Miss Cornell – quando
se está cercado pelos melhores atores, pois o dar e tirar conduz a vida, não
apenas em relação à peça, mas também em relação aos interpretes”. Embora os
atores obedeçam a vibrações no mundo físico, é significativo o que muitas vezes
muitos deles desprezam no mundo das ideias. O ator sabe que as leis físicas são
tão verdadeiras no palco como na vida. Sabe que antes que possa dar a seu
comparsa um cigarro, deve possuir um mesmo, para dar. E ainda esse mesmo ator,
época após época, violará essas mesmas leis naturais no mundo intrínseco da
ideia. Antes que um ator possa transmitir uma ideia tão tangível no reino
mental e sentimental quanto o cigarro no reino físico. Para um ator receber uma
ideia que o seu comparsa não lhe tenha dado, é tão ridículo quanto o ator que
diz: “Obrigado pelo cigarro”, quando ele não pegou nada a não ser ar puro. O
verdadeiro fato de que as ideias parecem ser intangíveis e não ter nenhuma
forma, o que fará o ator realizar mais quanto maior for seu problema de criar a
sua realidade antes de tentar comunica-las. “Há tanta ação numa ideia – disse
uma vez Drummond – quanta exista num circo”. As ideias possuem uma realidade
de si próprias.
É verdade que,
ocasionalmente, um ator deva primeiro dar antes de poder receber, e em algumas
cenas deva continuar a dar, às vezes recebendo pouquíssimo durante muito tempo.
Porém, outras coisas sendo iguais, se o ator dá somente quando recebe, o
problema do diretor está enormemente simplificado porque estará em melhor
posição de julgar quando e por que uma situação é real ou falsa. Equilibrando
reações versus reações e ações versus reações, o diretor pode ver claramente o
que está em falta e por que. Desta maneira, muito tempo é economizado e o
ensaio torna-se um período de progresso.
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