O
primeiro ator que rompeu com o passado da arte de representar, abrindo o
caminho
para o romantismo e o realismo foi François Joseph Talma (1763/1826).
Influenciou o
teatro inglês e francês, pois preconizava um estudo histórico do
papel. No longo prefácio,
das Memórias de Lekain, Talma enfatiza que a
“linguagem teatral deve ser natural e
Lekain
(Henri Louis Cain 1728/1778), nessa obra, ressalta a importância do texto, do
idioma, da boa declamação, haja vista o lugar de destaque, em suas memórias,
para o
estudo dos textos que representava. Enquanto ator comediante, Benoit
Constant Coquelin
(1841/1909) especializou-se em representar os criados das
peças de Molière, personagens
época, Coquelin
estudava seus personagens primeiramente fazendo várias leituras da peça
toda,
localizando a sua posição no contexto da peça, historicamente, psicologicamente
e
moralmente, deduzindo daí seu aspecto físico e seu gestual.
Na França, os intelectuais
ainda motivados pelos ideais iluministas e desejando uma mudança da ordem
opressora fizeram a Revolução Francesa que inaugurou os princípios de cidadania
burguesa. Na Inglaterra, a arte dramática passou por uma revolução, através da
atuação de Garrick que foi o início do naturalismo e da iluminação a gás nos
teatros. Surgiu na Dinamarca o conceito de teatro nacional cujos patronos eram
ainda reis absolutistas. Na Itália, Carlo Goldoni sistematizou a Commedia
dell’Arte e renovou a dramaturgia do teatro italiano.
Da metade para o fim do século
XVIII, surgiu Gotthold Ephaim Lessing e sua obra Dramaturgia de Hamburgo,
também implementou o teatro nacional na Alemanha. Surgiu um movimento reativo
ao iluminismo, o Sturm und Drang (Tempestade e Ímpeto), inspirado nas idéias do
homem natural de Jean Jacques Rosseau (1712/1778), nos quais o sentimento deve
suplantar a razão. Johan Wolfgang Von Goethe (1749/1832) poeta, encenador e
ator, em seu romance Wilhelm Meister, sobre a vida de um ator, tece
algumas considerações que se aprofundam em Rules for Actors, concebendo
um sistema fechado e extremamente rígido para a atuação. Friedrich Schiller
(1759/1805) em seu texto Teoria da Tragédia defende a idéia do teatro
como meio de desenvolvimento e educação do homem.
Inspirado na obra de Richard
Wilhelm Wagner (1813/1883), Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844/1900)
escreveu O Nascimento da Tragédia no Espírito da Música, que contém
indicações para o teatro, visto que a ópera vem do teatro. Em 1848, foi escrito o
Manifesto Comunista, por Marx e Engels e, em 1867, O Capital, por Marx,
que inspiraram a revolução proletária de 1917 e influenciaram o teatro também.
George II, Duque de Saxe-
Meininger (1826/1914), foi o grande incentivador de um grupo de atores que
levou perfeição e habilidade, talento e dedicação, na arte de representar, a
toda a Europa. Era o próprio Duque quem desenhava os elaborados figurinos e
cenários que tanto encantaram Stanislávski. Foram eles também os responsáveis
pelo desenvolvimento da interpretação e da concepção teatral naturalista.
A “Divina Sarah” (1844/1923)
como era chamada, representou os clássicos franceses com maestria, excursionou
por todo o mundo, inclusive pelo Brasil, levando a arte que era a sua vida.
Estudou no Conservatoire de Paris, famoso no século XIX, e foi prontamente
contratada pela Comédie Française, por sua inteligência e energia. Deixou-nos
um livro teórico no qual preconiza os princípios da interpretação naturalista e
um estudo detalhado sobre as personagens femininas de Corneille e Racine.[3]
Criador do Théâtre Libre, André
Antoine (1858/1943) foi ator amador e diretor e se opunha ao estilo formal de
representar do Conservatoire e desejava que a arte de representar fosse o
estudo da verdade, da observação e da natureza. Publicou um manifesto, Le
Théâtre Libre, em 1890, profundamente influenciado pelo estilo dos
Meiningen, onde expõe suas idéias e conceitos acerca do ator.
Ator, diretor e grande
encenador, Max Reinhardt (1873/1943) iniciou sua carreira no Teatro Municipal
de Salzburg. Inspirado no exemplo grego de participação de todos os cidadãos no
teatro, cria um grande festival de teatro. Foi responsável pelo verbete ator da
Enciclopédia Britânica (edição de 1929) em que inicia dizendo que é pelo ator,
e ninguém mais, que o teatro continua.
Jacques Copeau (1878/1949)
antes de tornar-se ator, estudou na Sorbonne e foi crítico teatral na Grande
Revue. Em 1913 compra um pequeno teatro na Rue du Vieux Colombier e junto a
Charles Dullin (1885/1949) e Louis Jouvet fundam um teatro experimental, onde
são desenvolvidos exercícios para a preparação do ator em todos os sentidos,
dando-se ênfase aos exercícios corporais, a dança e a improvisação. As idéias
de Gordon Craig (1872/1966), Etiènne Decroux (1898/1991), Barrault, Émile
Jacques Dalcroze (1865/1950) e Antonin Artaud (1896/1948) influenciam as
diretrizes do Vieux Colombier. Copeau tornou-se diretor e fez uma revolução na
arte de representar quando escreveu o manifesto do Vieux Colombier, texto que
expõe seu desejo de criar uma arte de qualidade com atores formados de maneira
integral em bases as mais diversas, desde a ênfase no jogo de tensões de
Decroux até o teatro da crueldade de Artaud com sua ação curativa, pura e
simples .
Junto a Charles Dullin, Louis
Jouvet (1887/1951) foi um dos discípulos de Copeau. Trabalhou como ator e
colaborador no Vieux Colombier. Escreveu Reflexions du Comédien em 1938,
porém atuou mais como diretor; seu olhar para o ator, embora tenha sido ator, é
mais de um diretor. Para ele, há uma divisão clara entre ator e comediante,
sendo o segundo mais completo, haja vista os atores da Commedia
dell’Arte.
Aluno de Charles Dullin e
parceiro de Etiènne Decroux, Jean-Louis Barrault (1910/1994) trabalhou como
ator e professor no Vieux Colombier. Seu conceito de um teatro total, o teatro
do silêncio e da palavra, da pantomima, da dança e do canto é exposto em seu
livro Nouvelles Réflexions sur le Théâtre. Sua proposta dá grande ênfase
à respiração, que para ele é a grande responsável por tudo, desde uma contração
muscular, passando pela voz, transformando-se internamente em emoção e
expressando-se no gesto, na atitude corporal e no movimento.[4]
Eugenio
Barba, embora seja diretor, se destaca pela incessante pesquisa com seus atores
do Odin Theatret e da International School of Theatre Antropology (ISTA). Um
viajante incansável, trava diálogo relevante com as culturas dos diversos
países por onde passa com seu grupo. Sua formação de consciência do ator
volta-se para fora, para sua função social e transformadora da sociedade.
Com
sua profusão de atores do mundo todo, Peter Brook vem trabalhando com várias
técnicas no Centre International de Créations Théâtrales (CICT) e seus escritos
nos remetem tanto a uma análise precisa e lógica da atuação, ao mesmo tempo em
que introduz uma psicologia do ator voltada para o autoconhecimento.
Yoshi
Oida, ator e professor, trabalhou com Peter Brook em sua incursão no teatro
Ocidental. Em seus livros, nos relata seu percurso de um teatro de códigos
oriental para um teatro de improvisação ocidental. Reafirma a questão da
nacionalidade para o trabalho do ator, por isso, hoje leciona e trabalha em seu
país, o Japão. Com Oida aprendemos que atuar pode ser também com simplicidade,
transmite a seus alunos a observação dos gestos e a concentração de si.
BRASIL
O teatro de catequese do Padre
José de Anchieta certamente formou atores e mantém vivo o gosto pelo teatro
entre os padres jesuítas até hoje. Chegaram a representar as tragédias em
grego. Porém, o que chama a atenção é a herança da ocupação portuguesa no
Brasil que transformou o teatro numa sucursal das suas produções, fazendo com
que os atores representassem com sotaque, mesmo depois da Independência. João
Caetano dos Santos (1808/1863) foi um ator ainda de sotaque português, porém
logo se convenceu da importância do teatro brasileiro. Aprofundou-se no estudo
de François Riccoboni (filho de Lelio) que escreveu uma introdução à arte de
representar nos moldes do classicismo (L’art du Théâtre). Esse estudo
deu origem ao primeiro livro no Brasil para o ator, escrito por um ator, Lições
Dramáticas. O ator Vasques, Francisco Correa Vasques, discípulo de João
Caetano, um dos nossos mais autênticos bufões, foi um grande ator e agitador de
seu tempo. Procópio Ferreira, num volume precioso, escreveu sobre sua vida O
Ator Vasques. Procópio Ferreira, ator e estudioso do teatro, foi
brilhante no seu tempo. Considerava o ator cômico similar ao dramático em seu
livro Arte de Fazer Graça. Para ele é “ter alma de artista é ter dentro
de si mesmo um despenhadeiro. É um martirizante despenhar.” [6]
Ator
russo, grande intérprete, diretor e professor, Eugenio Kusnet trouxe ao Brasil
o “método”, escrevendo Iniciação à Arte Dramática ou Ator e Método
como um guia para o ator. Sua interpretação do método leva em conta o estilo
altamente psicologizante de análise do personagem, propondo uma total
identificação do ator com o papel.
São
muitos os estudiosos, mestres e diretores atuais, porém a fim de não omitir
nomes e cometer erros deixo de mencioná-los. Se citamos Chaplin, mas não
citamos Oscarito, Mazzaropi ou Dercy, é que primeiramente enfocamos atores de
teatro que foram mestres, professores. Citamos Chaplin pelo exemplo de
expressão corporal que infelizmente não vemos em outros atores. Falar de Brasil
também é falar de atores e professores.
Um
panorama histórico da arte de representar é impossível, porém uma ordenação dos
principais atores e uma pequena visada na contemporaneidade, foram os
propósitos desse capítulo. Segundo Décio de Almeida Prado, a arte do ator não
pode ser facilmente reduzida a palavra, pois é uma arte muito mais aprendida na
prática e por isso são tão poucos os estudos a respeito do assunto,
principalmente em nosso país.
[1]
TALMA, F.. Mémoires de Lekain. Paris, Chez Ponthieu Libraire au Palais-Royal,
1825, pg. 31
[3] BERNHARDT, Sarah. El arte teatral. Buenos
Aires, Editorial Schapire, 1946
[4] Ver BARRAULT, Jean-Louis.
Nouvelles Réflexions sur le théatre. Paris, Flamarion, 1959
[6] FERREIRA, Procópio. Arte de
Fazer Graça. RJ, Empreza Brasil Edit. Ltda, 1925, pg. 160
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