domingo, 30 de dezembro de 2012

NORMAS E CONCEITOS DE TEATRO POPULAR



"Teatro Popular no mundo está dividido em dois lados: o Teatro Popular feito para as massas, teatro aberto a todas as correntes e o político, feito como meio de propagação doutrinária.
Outro aspecto, é que o Teatro Popular, não é um feito que possa valorizar-se exclusivamente do ponto de vista estético. Apesar de que, por um lado, é uma manifestação artística e por outro, é um fenômeno social. A rigor poderia se dizer, que o teatro em si, qualquer que seja sua natureza, se compõe de dois aspectos: o estético e o social. Entretanto, é inegável que a forma bi-frontal, é particularmente importante e essencial no Teatro Popular, pelo menos, no tipo de Teatro Popular que nos interessa. Podemos então, afirmar que essa qualidade é inerente à arte dramática. Por isso, é necessário e fundamental, precisar esses conceitos, para evitar equívocos, colocar-se de acordo sobre o significado da palavra. Quando se diz, “Teatro Popular”, se faz referência a um fenômeno muito determinado que amadureceu na cultura moderna, que pode circunscrever-se historicamente, estruturando uma forma que é peculiar e que de nenhum modo  deve confundir-se  com outras formas de espetáculo disseminadas através dos séculos, algumas vigentes em nossos dias e que se classificam como “populares”. Num sentindo amplo, foram populares: o teatro grego, as representações medievais, a comédia Dell’Arte, antes de ser adotada nas cortes europeias, os saltimbancos, os teatros de feira, o teatro Elisabetano, e nos nossos dias, até pouco tempo a Revista. Esse Teatro Popular, sem dúvida, satisfez as duas faces que abordamos, a estética e a social, próprias do teatro em geral, e do Popular em especial, com uma eficácia espontânea, (especialmente na Grécia, que por legislação, os trabalhadores ganhavam um dia de trabalho, para assistir aos festivais dramáticos) uma exigência natural por parte do povo.
Na sociedade moderna, a partir do século XVII, o teatro passou a ser “funcional”, para uma certa elite, deixando de ser uma manifestação direta da coletividade, isso em virtude de ser realizado em recintos fechados e pouco acessíveis à população. Cada vez mais as estruturas sociais, foram se complicando tornando o problema teatral popular, mais difícil de realizar-se. Pelo menos para aqueles, que buscam seus fins utilitários e de especulação, a tarefa é mais árdua, incerta. O difícil nisso tudo, é interessar o público, e para isso é necessária uma linguagem teatral apta a falar a toda espécie de espectadores: um repertório, que seja imediato e claro, universal, se possível, ou pelo menos aberto. Essa é uma tarefa difícil, numa sociedade como a nossa, onde é raro o interesse e o hábito artístico.
Os problemas que surgem ao se implantar um teatro popular são vários, afora os problemas administrativos e de ordem prática, há, aqueles que se propõe, dar a vida aos teatros populares: deve um teatro popular ser realizado “pelo” ou “para” o povo? Em outras palavras: deve ser um teatro de amadores (como foi o medieval) ou profissional ? (como foi o Elisabetano). Houve durante o século passado, manifestações dos dois tipos, entretanto prevaleceu o profissional, portanto, o teatro “para” o povo.
Outro problema: o repertório. Em que medida condescender com o gosto predominante? Muitos acreditam que para realizar um teatro popular, basta abaixar o preço, outros, que bastaria levar os espetáculos a bairros e interior. Acreditamos que tanto uma política como outra devem ser levadas em conta, apesar de isoladamente, não resolverem o problema.
Um espetáculo tipicamente elitista, de implicações vanguardistas, não se torna popular por se cobrar preços baixos e por ser representado em subúrbios.
Vamos tentar colocar, então, quais as soluções para esse problema:
A massa popular, se vê contrariada ao ter que ir ao teatro que fica distante de sua casa, além de 4 a 10 km. Não sendo o teatro, essencial para o seu lazer, e sim um artigo de luxo, ela não vai ao teatro. Assim, temos que interessá-la, para que esse ato se transforme em necessidade. Temos que despertar seu interesse, fazendo com que possa frequentar o teatro sem ônus, criando assim, o hábito de sair de casa, para assistir teatro. Uma coisa é certa, o povo gosta de teatro, fatores alheios a sua vontade é que impede de frequentá-lo.
Temos certeza, que milhares de espectadores de diferentes camadas têm freqüentado o Teatro Popular do Sesi, o problema a nós imposto, é o de despertar esse gosto latente que existe na alma popular. Algumas questões, podem ser colocadas, como: que as salas de espetáculos, têm de ser de fácil acesso, unindo o público, em lugar de separá-lo; baratear o ingresso, ou torná-lo gratuito se for possível, atingindo a todos, sem distinção; promover os espetáculos, não só com propaganda, mas motivando o trabalhador no seu local de trabalho, com convites, cartazes, etc.; sendo o Teatro Popular um teatro aberto a todos, temos que apresentar obras importantes e de qualidade. O Teatro Popular tem que ter sempre o caráter de uma cerimonia ou de uma festa. Não se pense, que seja apenas uma manifestação festiva, não, terá que ser austera e proveitosa. Austera, porque o Teatro Popular deve encarar os temas fundamentais da vida humana, e proveitosa, porque através do rito teatral, o homem tem possibilidade de encontrar-se mais plenamente e  fortalecer o sentimento de humanidade que o agrega aos demais.
Sabemos que o repertório, é o grande problema enfrentado pelo Teatro Popular, e é fundamental. Ele tem que calar na alma desse público, tem que falar a ele, tem que ser um repertório eclético. As experiências já realizadas e que deram certo, são as do Teatro Elisabetano, Teatro Nacional Popular (TNP), de Jean Villar e o Teatro Popular do Sesi. Peças em sua maioria do passado, não quer dizer que se abandone os problemas do homem de hoje. São clássicos, portanto, falam aos homens de todas as épocas.
Também, não quer dizer, que obras contemporâneas, não se adaptem ao Teatro Popular, apenas, elas são raras ou então, estão por demais longe de uma proposta popular.
Entre as teorias de Teatro Popular, que exige um teatro eminentemente político, apenas didático, e uma experiência que leva milhares de pessoas ao teatro, é claro que ficamos com a segunda.
Está provado, que o teatro dirigido, de pregação doutrinária, não alcança a grande massa. O didático, deve estar mesclado com o prazer, com o divertimento, e aí, poderá interessar. Ao Teatro Popular, não se pode negar as duas experiências. Apesar de algumas críticas, principalmente quanto a palavra “popular”, que parece exclusiva de determinados grupos elitistas, presos a experiências estéticas ou vanguardistas, que nunca atingiram o povo.
Teatro Popular, tem que ser universal, e não exclusivo de uma classe, mas de todas as classes sociais. Ao Teatro Popular, não compete reformar a sociedade, ele quando muito, pode participar desta reforma. A reforma, deve ser feita por políticos, sociólogos, etc. O Teatro Popular, deve aceitar ao público popular, tal qual ele é. E, no público popular há de tudo, até pessoas que não pertencem ao povo. Ao Teatro Popular, não interessa a classe social em números percentuais, o que interessa, é medir o número de pessoas que nunca tinham ido ao teatro anteriormente. Não basta escrever algo destinado ao povo, para interessá-lo. Temos que procurar com dignidade, falar as suas aspirações, seu prazer, enfim a sua vida, só então, chegaremos talvez, a interessá-lo. O público popular é tão expontâneo, que não aceita mistificações. Ele acredita, quando compreende e sente. É puro, mas não ingênuo e acima de tudo, maravilhoso.
Terminando essas conceituações, podemos afirmar que o Teatro Popular, deve educar divertindo, como classificou Brecht.
Vamos concluir, acrescentando um trecho do livro “Le Théatre du Peuple”, de Romain Rolland, escrito em 1903 e que se enquadra perfeitamente, guardadas as proporções de época, ao teatro Popular do Sesi. Teórico, Rolland influenciou Jean Vilar, o criador do T.N.P. na França, que indiretamente chegou até nós.
Vamos as sábias palavras de Rolland: A primeira condição de um teatro popular é a de ser lazer, relaxante. Que por princípio faça bem, e sirva de repouso físico e mental para o trabalhador cansado por sua jornada. Este é um trabalho para os arquitetos do teatro do futuro, os quais deverão cuidar a fim de que os lugares baratos não tenham más acomodações. Também no que toca aos autores,  devem cuidar que suas obras irradiem alegria e não tristeza ou tédio.
O teatro deve ser uma fonte de energia, é a segunda lei. A obrigação de evitar o que esmaga e deprime pode ser negativa; é necessária a contrapartida para restabelecer o equilíbrio sustentar e exaltar a alma. Que o teatro divertindo o povo, o deixe mais apto para exercer suas funções no dia seguinte. Pessoas simples e puras, não terão por outro lado, alegria completa, sem ação. Que o teatro seja um banho de ação. Que o povo encontre no seu autor um bom companheiro de jornada, atento, jovial, se necessário, heróico, que possa apoiar-se em seu braço, e cujo bom humor lhe faça esquecer o peso de sua trajetória.
O teatro deve ser uma luz para a inteligência. Deve contribuir para iluminar a escuridão do cérebro, cheio de dúvidas. A propósito, chamamos a atenção contra a tendência dos artistas em acreditar que todas as suas idéias são boas para o público: não se trata de distanciá-lo para não pensar. O pensamento do trabalhador se acha freqüentemente em repouso, enquanto seu corpo trabalha: é útil que se exercite; e aos poucos que se provoque o desejo e prove dele, o resultado será um prazer, como o é para o homem forte, o exercício que relaxa os seus músculos entorpecidos, por uma prolongada imobilidade. Que se lhe ensine a ver e julgar por si mesmo, as coisas e os homens.
A alegria, a força e a inteligência : eis as três condições capitais para um teatro popular. Quanto as intenções morais que se queira juntar, as lições de bondade, e de solidariedade social, não se preocupem. Só o fato de um teatro permanente, de elevadas emoções comuns e repetidas por um tempo, cria um laço fraternal entre os espectadores...
A grande tarefa reside em fazer entrar mais ar, mais claridade, mais ordem no caos das almas. Já é o bastante colocá-lo em estado de pensar e trabalhar. Não pensemos e nem trabalhemos por eles. O Teatro Popular deve evitar dois excessos opostos que lhe são inerentes: a pedagogia moral, e o diletantismo indiferente que a todo o custo quer impor-se e divertir o povo...
Crie um teatro que transborde alegria e estado de graça. “Alegria, recurso poderoso da natureza eterna: a alegria que move as engrenagens do relógio dos mundos... a alegria que faz girar as esferas nos espaços... a alegria que faz nascer as flores das sementes e os sóis do firmamento”". (ORC)

(in Osmar Rodrigues Cruz Uma Vida no Teatro Hucitec 2001)


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